Uma semana de curtas e longas-metragens, nacionais e internacionais, que educam o olhar de miúdos e graúdos na paisagem do cinema de animação de autor. Eis a proposta do CINANIMA, que, como todos os festivais, este ano se reconfigurou em função da pandemia, com uma variante de sessões online a complementar o formato presencial..Uma mudança de paradigma que, de resto, se estende também à habitual articulação do programa com as escolas de Espinho, cidade onde o certame acontece desde 1976, sendo o mais antigo festival de cinema de animação em Portugal, e um dos três mais antigos do mundo. .Com filmes para todas as idades, 97 deles em secções competitivas, a 44ª edição do CINANIMA apresenta uma retrospetiva da última década do cinema de animação autoral na Europa, põe em foco a obra da realizadora e pintora francesa Florence Miailhe, dedica um ciclo aos 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial e homenageia um dos maiores animadores checos, que ficou conhecido como "o Walt Disney do Leste": Jiri Trnka (1912-1969), cineasta, ilustrador e artesão de marionetas que, precisamente depois da guerra, criou um departamento num estúdio de Praga com vários colaboradores, especializando-se em animação de marionetas, uma tradição na qual veio a ser reconhecido como o grande mestre..De Trnka será mostrado, com honras de sessão de abertura do festival, As Velhas Lendas Checas (1953), um conjunto de mitos da cultura popular, a partir do livro de Alois Jirásek, com heróis, reis e rainhas moldados pela poética narrativa e delicada técnica stop motion do realizador. Técnica essa que é assunto de uma masterclass conduzida pelos especialistas conterrâneos Michaela Mertova e Milan Svatos, numa contextualização histórica e teórica do trabalho criativo de Jiri Trnka..Por sua vez, na competição, sobretudo a internacional, sente-se um perfeito equilíbrio entre obras mais intimistas, experimentais e outras voltadas para as referências da cultura ou os fantasmas da história coletiva. É o caso, por exemplo, da curta-metragem Os Amores Mortos, da dupla Anna Benner e Eluned Zoe Aiano, sobre a resistência de uma jovem checa (ainda os checos!) em face da ocupação Nazi; A Última Ceia - um dos títulos sublinhados pela direção do festival - do polaco Piotr Dumala, a explorar o quadro de Da Vinci que retrata a última refeição de Jesus com os apóstolos; a longa-metragem O Nariz ou A Conspiração dos Rebeldes, do russo Andrei Khrzhanovsky, baseado num conto de Nikolai Gogol e numa ópera de Dmitri Shostakovich; e na linha de reflexão das incertezas da atualidade, a curta britânica O Fogo da Próxima Vez, de Renaldho Pelle, com as desigualdades sociais na génese de motins que incrementam uma escuridão opressiva..Sem ser mais luminoso na forma, mas contendo uma extraordinária abordagem surrealista e um lirismo duro, Elo, de Alexandra Ramires, é o inequívoco destaque da Competição Nacional. Uma curta-metragem já premiada no Curtas Vila do Conde, no Animatou, na Suíça, no Festival Internacional de Cinema de Chicago, e com passagem no Festival de Toronto, que agora é a grande favorita ao Prémio António Gaio..YouTubeyoutubeiLMzKXngZIk."Creio que tem corrido bem." A modéstia da realizadora fala mais alto. Ao DN contou que a temática do filme - dois seres que se adaptam um ao outro numa paisagem natural - "se tem revelado bastante aberta", talvez por trabalhar a contradição de "uma estética dark com uma visão otimista do mundo." Tudo começou com a ideia da complementaridade, mas "à medida que fui criando imagens, ia abraçando novas questões. Aliás, sinto que este processo continua com as reações que o público me tem trazido.".Elo é um filme simples no traço - Alexandra Ramires é adepta de "um desenho mais manual que privilegie o gesto" - e complexo na escala da imaginação. Essa complexidade também se deve ao facto de estar a realizar pela primeira vez a solo, depois da igualmente frutuosa experiência de Água Mole (2017), que coassinou com Laura Gonçalves e estreou no Festival de Cannes. "Realizar a solo é sempre um caminho mais solitário, dificilmente temos alguém com quem falar sobre o filme com o mesmo grau de envolvimento. Este vazio sente-se quer nas decisões difíceis, onde a responsabilidade tem um peso diferente, quer nos momentos em que as coisas correm bem e vemos o trabalho reconhecido", confessa..Porém, há uma dimensão enriquecedora no processo da criatividade desamparada: "Julgo que quando se realiza em dupla, há uma tendência para se racionalizar muito o trabalho. De maneira a conseguirmos que a nossa visão se torne clara para quem realiza connosco, temos de conseguir explicar bem o nosso ponto de vista, o que apaga um lado mais imediato que julgo também ser importante na criação. Ao realizar sozinha permiti-me a arriscar mais, a ir em frente com ideias que nem sabia explicar, mais intuitivas... um espaço mais solitário para nos conseguirmos ouvir a nós próprios." Aqui está um talento imensamente original no panorama da animação portuguesa que importa descobrir.