O mundo já não sustém a respiração, como acontecia durante o meio século da era bipolar, a cada cimeira entre um presidente americano e um líder do Kremlin. Um encontro entre o líder da maior potência mundial e de uma Rússia que continua a ser, para o melhor e para o pior, um protagonista incontornável da cena internacional será sempre, ainda assim, um grande acontecimento. E o clima de tensão entre a Rússia e o Ocidente, os desencontros entre a América e a Europa, e as suspeitas "cumplicidades" entre os presidentes russo e americano, rodeiam de particular atenção, a próxima cimeira entre Donald Trump e Vladimir Putin..Trata-se de um encontro esperado há ano e meio, desde que, em janeiro de 2017, uma semana depois da tomada de posse do novo presidente americano, Trump e Putin combinaram ao telefone um tête-à-tête em data a aprazar..Desde então, os dois presidentes falaram várias vezes ao telefone e encontraram-se pessoalmente duas vezes - na reunião de Hamburgo do G20, e de novo, em novembro último, numa cimeira Ásia-Pacífico no Vietname - mas é a primeira vez que se avistam num encontro oficial..O anúncio da data e do local da cimeira - 16 de julho em Helsínquia, foi feito simultaneamente em Washington e Moscovo na sequência de uma visita à capital russa do conselheiro de Segurança Nacional norte-americano John Bolton..A escolha da capital finlandesa tem desde logo uma carga simbólica. Helsínquia fora já o local escolhido para os encontros entre Leonid Brejnev e Gerald Ford, em 1975, e, em 1997, entre Boris Ieltsin e Bill Clinton..O encontro surge na sequência de uma densa agenda europeia de Donald Trump, incluindo uma cimeira da NATO em Bruxelas e uma paragem em Londres para uma conversa com Theresa May..Nem a Casa Branca nem o Kremlin revelaram para já grandes detalhes sobre a agenda do encontro, limitando-se a dizer que os dois lideres iriam abordar matérias do foro das relações bilaterais e da segurança nacional dos dois países. Trump adiantou já entretanto que tenciona abordar com Putin a questão da Ucrânia e a guerra na Síria, a desnuclearização da Península Coreana e "muitas outras questões" e John Bolton garantiu aos repórteres em Moscovo que a alegada ingerência russa na política americana seria outro tema em cima da mesa..Clima de "guerra fria".O estado crítico das relações entre a Rússia e os EUA é amplamente reconhecido e nas suas capitais fala-se mesmo de um clima de "guerra fria" entre os dois países. A tensão entre Washington e Moscovo envolve ainda assim aspetos desconcertantes, em que se cruzam alegadas manifestações de proximidade ou mesmo suspeitas de conluio entre Donald Trump e Vladimir Putin e o endurecimento das atitudes de Washington face à Rússia a que se tem assistido no último ano e meio..As suspeitas quanto à atitude de Donald Trump face à Rússia colocam-se desde a campanha para as presidenciais americanas de 2016. A CIA e outras agências de intelligence americanas acusaram a Rússia de ingerência na corrida à Casa Branca de modo a beneficiar o candidato Trump no confronto com Hillary Clinton. Elementos do staff de Trump foram investigados por suspeitas de conluio com "interesses russos" - acusações que Moscovo rejeitou repetidamente. Declarações de Trump interpretadas como manifestações de simpatia em relação a Putin adensaram ainda as suspeitas e a política russa de Trump passou a estar sobre escrutínio atento tanto de democratas como de muitos republicanos..Ao mesmo tempo, novos contenciosos vieram ainda envenenar as relações entre Washington e Moscovo - agravamento das sanções impostas pelo antigo presidente Barack Obama à Rússia na sequência da anexação russa da Crimeia, sucessivas retaliações e contrarretaliações diplomáticas entre as duas capitais, fornecimento de armas antitanque ao regime de Kiev, reforço do dispositivo militar da NATO e dos próprios EUA ao longo das fronteiras ocidentais da Rússia, conflito da Síria e as intervenções aéreas americanas contra as forças do presidente Bashar al-Assad, vaga de expulsões de diplomatas russos e americanos na sequência do escândalo Skripal, em março último..O secretário de Estado Mike Pompeo garantia há dias que a Administração Trump tem sido mais dura com a Rússia do que qualquer anterior Administração americana e o próprio Trump sugeriu que era bem mais teso com os russos do que o seu antecessor Obama..Ao mesmo tempo, Trump multiplica "acenos" a Moscovo. Depois do encontro de novembro no Vietname, e mais recentemente num dos seus famosos posts Trump mostrou acreditar nos protestos de inocência da Rússia quanto às acusações de interferências nas presidenciais americanas. E não hesitou em telefonar a Putin para o felicitar pela vitória nas presidenciais russas de março no preciso momento em que no Ocidente se denunciava a decisão de vetar a candidatura do líder da oposição russa, Aleksei Navalny..Alarmes aliados.Rumores nas redes sociais, com pronto e eufórico eco nalguns media estatais russos, sugerem mesmo que Trump terá dito aos líderes do G7 que a Crimeia é parte da Rússia porque a população fala russo - posição que premiaria um dos grandes objetivos da política externa de Putin. E há um mês, em plena cimeira do G7, Trump lançou o alarme entre os aliados ao sugerir que a Rússia devia ser readmitida na organização, de que foi suspensa depois da anexação da Crimeia..Não será assim de espantar que o próximo encontro entre Trump e Putin suscite algum nervosismo entre os aliados de Washington e mesmo entre os críticos de Trump nos EUA, sobretudo num momento em que ameaças de guerra comercial ou a questão das políticas de imigração geram já um manifesto mal-estar entre os dois lados do Atlântico..Especula-se que Moscovo poderá mesmo sonhar com alguns prémios como algum alívio das sanções impostas a Moscovo - mesmo se John Bolton declarou já que não estará em cima da mesa a questão de um eventual alívio das sanções impostas a Moscovo na sequência na anexação da Crimeia. Qualquer iniciativa de Trump nesse domínio depararia aliás com séria oposição no Congresso.Kiev não deixará de qualquer modo de acompanhar o encontro de Helsínquia com particular ansiedade..O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, procura tranquilizar as hostes aliadas, repetindo que o encontro de Trump com Putin vem na linha da própria politica da NATO que, apesar da tensão atual, continua a "advogar o diálogo com Moscovo". Mas a verdade é que Trump nunca desfez inteiramente as reticências quanto à sua atitude face à Aliança Atlântica e essa incerteza ter-se-á agravado no início do mês na cimeira do G7 no Quebec quando o presidente americano disse que a NATO é tão má como a NAFTA" para os Estados Unidos..Eventuais sinais de entendimento entre Trump e Putin não deixarão ainda assim de ser vistos como uma contrariedade por aliados como a Grã-Bretanha, claramente apostada em isolar Putin..A Europa tem acompanhado as pressões americanas (e britânicas) no sentido de um endurecimento das sanções à Rússia, mas a verdade é que a questão está longe de fazer a unanimidade entre os europeus que têm relações económicas mais intensas com Moscovo, em particular no domínio energético, e há alguns observadores receiam que eventuais concessões de Trump poderão abrir brechas irreparáveis na frente de apoio às sanções..Diplomacia pessoal.Para já, tanto em Washington como em Moscovo procura-se claramente conter as expectativas quanto ao alcance da cimeira de Helsínquia. Maria Zaharova, porta-voz do Ministério dos Estrangeiros russos, disse que não havia razões para demasiadas expectativas, mas nem por isso o encontro entre Trump e Putin deixa de ter uma relevância política para além dos eventuais resultados práticos..O Kremlin nunca escondeu o seu empenhamento na realização da cimeira e para Moscovo o encontro entre os presidentes russo e americano representa por si só um êxito na medida em que desmente o isolamento da Rússia na cena internacional..Trump tem também cartadas importantes a jogar no encontro com Putin. Eventuais sinais de desanuviamento nas relações com Moscovo, mesmo que apenas no plano da retórica pública, permitirá ao presidente americano reivindicar mais um êxito da sua "diplomacia pessoal" e da sua capacidade de negociados, à semelhança do que aconteceu com a recente cimeira com o líder norte-coreano Kim Jong -un..Ao mesmo tempo, a provável ausência de resultados concretos permitir-lhe-á sublinhar de novo a sua apregoada "mão dura" em relação a Moscovo.