Cientista que criou primeiros bebés geneticamente manipulados anuncia segunda gravidez
O cientista chinês que alega ter criado os primeiros bebés geneticamente manipulados no mundo anunciou nesta quarta-feira que pode haver uma segunda gravidez em curso, avança a Associated Press (AP). Além disso, He Jiankui adiantou ainda que vai fazer uma "pausa" nas suas experiências, após as reações da comunidade científica internacional.
A segunda potencial gravidez ainda está numa fase muito precoce e, segundo o cientista chinês, precisa de mais tempo para ser monitorizada e para ser possível avaliar se seguirá o seu curso.
Durante uma conferência de especialistas em Hong Kong, na qual He Jiankui reiterou a sua declaração de segunda-feira, em como era responsável pelo nascimento de gémeas cujo ADN foi manipulado para as tornar resistentes ao vírus da Sida, a comunidade científica afirmou que agora existem ainda mais motivos de preocupação.
Na mesma conferência internacional, um antigo prémio Nobel, David Baltimore, afirmou que o trabalho do cientista chinês mostrou uma falha de autorregulação entre os cientistas.
Baltimore sublinhou que o trabalho de Jiankui "seria considerado irresponsável" porque não atendia a critérios com os quais muitos cientistas concordaram há vários anos, antes que a manipulação genética pudesse sequer ser considerada.
Jiankui disse que as gémeas nasceram este mês e que foram concebidas de forma a que pudessem resistir a possíveis futuras infeções pelo vírus da Sida.
Baltimore adiantou que os membros que formam a comissão da conferência vão reunir-se e divulgar uma declaração na quinta-feira sobre o futuro neste campo científico.
Outro proeminente cientista norte-americano que discursou na conferência, o reitor da Escola de Medicina de Harvard, George Daley, alertou contra uma reação adversa à alegação de He.
Daley argumentou que seria lamentável se um passo em falso com um primeiro caso levasse cientistas e órgãos reguladores a rejeitar o bem que poderia advir da alteração do ADN para tratar ou prevenir doenças.
Ao coro de críticas juntou-se David Liu de Harvard e do MIT, inventor de uma variação da ferramenta de modificação genética. "É um terrível exemplo do que não se deve fazer com uma tecnologia promissora que tem um grande potencial para beneficiar a sociedade. Espero que nunca mais aconteça."
Ainda não há confirmação independente da alegação do cientista chinês, mas cientistas e reguladores foram rápidos em condenar a experiência como antiética e não-científica.
A Comissão Nacional de Saúde ordenou que as autoridades locais na província chinesa de Guangdong investigassem as ações de He Jiankui, enquanto o seu empregador, a Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul, anunciou também que abriu um inquérito.
Na segunda-feira, o cientista chinês afirmou ter ajudado a criar os primeiros bebés geneticamente manipulados do mundo, gémeas cujo ADN He Jiankui disse ter alterado com tecnologia capaz de reescrever o "mapa da vida".
O cientista, da cidade de Shenzhen, disse que alterou os embriões durante os tratamentos de fertilidade de sete casais.
Jiankui afirmou que o objetivo não é curar ou prevenir uma doença hereditária, mas tentar criar uma capacidade de resistência a uma possível infeção futura de VIH-Sida.
Nos últimos anos, os cientistas descobriram uma maneira relativamente fácil de manipular genes. A ferramenta, chamada de CRISPR-cas9, torna possível alterar o ADN para fornecer um gene necessário ou desativar um que esteja a causar problemas.
Jiankui estudou nas universidades de Rice e Stanford nos Estados Unidos antes de regressar à terra de origem para abrir um laboratório na Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul da China, em Shenzhen, onde também tem duas empresas de genética.
Um cientista norte-americano garantiu ter trabalhado com Jiankui nesse projeto. Trata-se de um professor de física e bioengenharia, Michael Deem, que foi seu conselheiro na Universidade de Rice, em Houston. Deem também detém "uma pequena participação" nas duas empresas de Jiankui, disse.
Todos os homens do projeto tinham VIH, enquanto todas as mulheres não, mas a manipulação genética não visava evitar o pequeno risco de transmissão, explicou.