Choques com orcas, a culpa é delas ou nossa?
Há histórias mas não há registos documentados de ataques de orcas a pessoas no meio selvagem. A embarcações existem muitos poucos e terão acontecido no Pacífico nos anos 1970 e 80. Uma surpresa para a comunidade científica incapaz de explicar as interações aparentemente mais agressivas que um grupo de orcas protagonizou recentemente em Portugal e em Espanha. O que se passou com estes animais?
As orcas, ou baleias assassinas como também são conhecidas por atacarem baleias, são cetáceos que pertencem à família dos golfinhos. Animais corpulentos, os machos podem chegar aos oito metros de comprimento e cinco toneladas de peso. As fêmeas um pouco menos. Com uma esperança de vida semelhante à nossa, as orcas podem viver até aos 80 anos e há um caso de um destes cetáceos, a Granny (avó em inglês) como ficou conhecida, ter alegadamente ultrapassado os 100 anos. As orcas vivem habitualmente em grupo, liderado, na maior parte dos casos, por uma fêmea. São animais que estabelecem fortes laços sociais e são capazes de partilhar alimento. Cada grupo tem uma cultura muito forte. Dotadas de uma capacidade de comunicação complexa, as orcas desenvolvem um dialeto próprio. Um indivíduo poderá não compreender na totalidade o significado dos estalidos e assobios emitidos por elementos de um outro grupo. Em stress segregam as mesmas hormonas que nós. Há até outro paralelismo curioso com os seres humanos. Quando as fêmeas mais velhas deixam de ser férteis e atingem a menopausa, apoiam a coesão e sobrevivência do grupo assumindo o papel de avós.
Porque são mamíferos, as orcas respiram por pulmões e por isso estes animais não podem adormecer ou correm o risco de se afogar. Assim, descansam metade do cérebro de cada vez, mantendo aberto o olho contrário ao hemisfério que está a dormir.
Filipa Samarra, investigadora na Universidade da Islândia, estuda orcas há vários anos e uma das características que sublinha é a curiosidade destes animais. "Quando estamos no barco, elas aproximam-se, procuram um contacto mais próximo, espreitam. Os motores das embarcações deixam rastos de bolhas na água e é bastante comum seguirem as bolhas." Embaterem nos barcos é novidade para quem estuda estes animais no Atlântico Norte.
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A informação é escassa. São necessários vídeos e fotos com qualidade para se perceber quem são estas orcas, se é o mesmo grupo que protagoniza estas interações. As imagens são fundamentais para, através das barbatanas dorsais, únicas e diferentes de orca para orca, identificar cada um dos animais. Pensa-se que se trata do mesmo grupo pois vários grupos diferentes apresentarem o mesmo comportamento seria ainda mais estranho. Os incidentes começaram em Gibraltar, há o registo de um ao largo de Sesimbra e depois na Galiza. Um percurso semelhante ao que o grupo de orcas de Gibraltar costuma fazer em perseguição do atum-rabilho, do qual se alimenta. Mas não há certezas.
A população de orcas de Gibraltar está em perigo de extinção. O último censo realizado em 2011 contabilizou 39 animais mas atualmente pensa-se que restam cerca de 30 indivíduos. As crias raramente sobrevivem. Poluição, escassez de alimento e o ruído provocado pelo tráfego marítimo são algumas das razões que explicam o declínio desta população, que é constituída por cinco famílias tendo o animal mais velho cerca de 48 anos. Orcas que a investigadora Ruth Esteban conhece bem pois foram objeto do seu doutoramento. Estes animais estão sempre em movimento. Na primavera e no verão podem ser vistas no estreito de Gibraltar a caçar a única presa de que se alimentam, o atum-rabilho, uma espécie também ameaçada. As orcas conseguem apanhar atum até um metro e meio de comprimento com cerca de 70 quilos de peso. Alguns grupos, não todos, retiram atum dos anzóis dos pescadores, peixes que podem chegar aos 170 quilos. Se esta espécie de atum desaparecer, não se sabe o que acontecerá a estes cetáceos. Depois de Gibraltar seguem para norte em perseguição da sua presa, mas a partir da Galiza não se sabe por onde andam até serem novamente vistas em Gibraltar. "É um mistério", afirma Ruth Esteban, investigadora do Museu da Baleia na Madeira.
Os cientistas recusam para já utilizar o termo "ataque". Não se sabe o que aconteceu nos minutos antes e estes incidentes podem ter sido motivados pela curiosidade dos animais ou pode até tratar-se de uma brincadeira ou de um momento de aprendizagem para as crias. A repetição deste tipo de interações é outra grande questão para a qual os cientistas procuram resposta.
Se for ataque, algo está a provocar stress nestes indivíduos. Para Joana Castro, investigadora, presidente da Associação para a Investigação do Meio Marinho (AIMM), a perseguição e a aproximação de embarcações privadas e marítimo-turísticas, como as que se dedicam a observar golfinhos, podem exercer pressão sobre as orcas que podem optar por fugir ou adotar este tipo de comportamento.
As orcas são predadores de topo, inteligentes, capazes de elaborar estratégias e de trabalhar em grupo para caçar as presas. Já foram observadas a atacar baleias e tubarões-brancos. No mar não devemos aproximar-nos nem perseguir estes animais até porque a legislação portuguesa o proíbe.
Ninguém sabe. Abrandar ou parar o barco pode ser uma forma de terminar este comportamento se a motivação for a curiosidade ou a brincadeira mas, não havendo certezas sobre o porquê destes incidentes, não há respostas precisas.
As orcas são animais fascinantes, complexos, sobre os quais ainda há muito por descobrir. Estudos efetuados em parques zoológicos mostram que estes animais são capazes de perdoar ofensas de elementos do mesmo grupo.
Quem consegue ficar indiferente ao relato da fêmea que transportou a cria morta mais de 15 dias ou a um caso de infanticídio cometido por um macho e uma fêmea que mataram uma cria de outro grupo de orcas. Ou à história de duas orcas que não abandonaram um elemento da família, encalhado no areal de uma praia, enquanto esteve vivo. Ou quando dois juvenis foram chamar a atenção dos tripulantes de uma embarcação para a mãe que se encontrava presa num cabo de pesca, ajudando-a vir ao de cima para respirar enquanto as pessoas a libertavam.
Não sendo assassinas, as orcas são animais possantes, ágeis e potencialmente perigosos. Nunca devem ser menosprezadas como qualquer outro animal selvagem.