Centros de saúde. Retoma a várias velocidades preocupa médicos de família

O regresso da atividade programada nos centros de saúde está a acontecer a ritmos diferentes de norte a sul do país, dependendo das condições do espaço, dos equipamentos e da quantidade de profissionais. Se em alguns casos há já consultas presenciais a decorrer, outros estão a receber apenas urgências e doentes crónicos, apontam o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e o presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar.
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O acesso aos cuidados primários faz-se a ritmos diferentes dependendo da unidade de saúde. Se há centros de saúde que estabeleceram novos circuitos e já abriram as portas aos utentes nas consultas programadas, noutros têm existido dificuldades até no agendamento destas por telefone ou online. Falta-lhes espaço e equipamentos para se adaptarem à situação pandémica e garantirem a atividade plena, asseguram os médicos de família.

"Infelizmente, a retoma progressiva das consultas presenciais está a andar a várias velocidades ao longo do país devido às assimetrias das lideranças, dos recursos humanos e materiais. Há locais onde essa retoma está já a acontecer há algum tempo; noutros não é bem assim", diz, ao DN, o enfermeiro de família da Unidade de Saúde Familiar (USF) D. Dinis, em Leiria, Diogo Urjais, também presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar.

Refere-se a falhas tão essenciais como computadores, telefones ou gente para atender estes últimos, o que faz que muitos utentes não consigam entrar em contacto com o seu centro de saúde, numa altura em que toda a atividade deve ser marcada à distância. Diogo Urjais fala também em espaços pequenos para receber os utentes e sem condições de distanciamento, que não garantem a segurança necessária e, por isso, não reabrem.

"Há também limitações em sítios onde ainda há bastantes casos [de covid] ou já houve e onde não existem percursos bem delineados [de separação entre estes doentes e os outros]", continua Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

As diferenças entre os centros de saúde preparados e os outros não são fáceis de apontar no mapa, referem os dois especialistas. Uma vez que até "no mesmo centro de saúde há realidades diferentes", dependendo do tipo de consultas, de acordo com Rui Nogueira.

Estas limitações não são novas, mas acentuam-se quando são mais necessários os recursos, indica Diogo Urjais, lembrando que, se queremos que os cuidados de saúde primários sejam os pilares do Serviço Nacional de Saúde, é preciso dotá-los com pessoas e meios.

O próprio governo admite os constrangimentos, utilizando-os como justificação para a ausência de uma data oficial para os centros de saúde voltarem todos a funcionar em pleno. Em conferência de imprensa, em julho, a secretária de Estado adjunta da Saúde, Jamila Madeira, falava em "pontos onde existem algumas dificuldades" que tinham de ser resolvidas para garantir as condições de segurança para utentes e profissionais.

"Muitas das instalações têm fortes constrangimentos" na criação de circuitos separados para doentes covid e para os outros, confirmou Jamila Madeira, na altura. A governante acrescentou também que o executivo estava a procurar "soluções concretas" em conjunto com as administrações regionais de saúde para acelerar o processo de retoma da atividade interrompida ou alterada "tão rapidamente quanto possível".

"Todo o esforço está a ser feito pelas entidades que organizam e pelos profissionais de saúde no sentido de acelerar a retoma", concluiu.

A exceção, desde o início da pandemia, em março, é a atividade urgente e a vigilância de doentes crónicos, que nunca foram canceladas. Porém, no segundo caso, a maioria das consultas passou a ser feita pelo telefone.

"Há pessoas que entendem bem isso, outras que sentem a necessidade do contacto do olhar, de estar próximo, de vir à consulta, porque sentem que por telefone não é a mesma coisa e que os seus problemas não ficam resolvidos", conta o enfermeiro de família de Leiria.

Para Rui Nogueira, é tempo de mudar os processos e deixar de atuar segundo o plano traçado "em março e abril, quando a situação era outra". Um dos exemplos que dá é a forma como é feita a vigilância dos doentes covid e dos contactos destes atualmente, através da plataforma Trace Covid, que considera ser "muito difícil de manter". "Tem um interesse muito precário e a orientação de ligar diariamente para os doentes que estão assintomáticos ou com sintomas muito ligeiros é inoperacional. Cada médico tem de se adequar a cada doente. Eu até posso ter um doente a quem tenho de telefonar duas vezes por dia e outro que só precisa de mim uma vez por semana."

Sem plano de outono-inverno à vista

Mas a maior preocupação deste médico e enfermeiro é a falta de informação que têm sobre como se vão organizar os centros de saúde para o outono e para o inverno, as primeiras estações em que a gripe sazonal coexistirá com o novo coronavírus e outras doenças, provocando um previsível aumento da procura dos cuidados de saúde.

Os três maiores centros hospitalares do país (Centro Hospitalar Lisboa Norte, Centro Hospitalar Lisboa Central e Centro Hospitalar Universitário de São João) disseram, ao DN, nesta segunda-feira, que uma parte significativa dos seus projetos para os próximos tempos será uma colaboração mais estreita com os cuidados de saúde primários. Isto para evitar o excesso de afluência às urgências hospitalares.

O presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, Rui Nogueira, também acredita que o plano de inverno dos hospitais tem obrigatoriamente de passar por uma maior articulação com os centros de saúde, mas diz-se preocupado com a falta de indicações por esta altura. "Ainda não está nada definido e estamos muito preocupados com esta ausência de planificação", diz. "Há duas certezas: uma é que vamos ter um inverno daqui a nada e a outra é que este inverno vai ser diferente de todos os outros."

O médico de família critica a atuação da Direção-Geral da Saúde, que ainda não manifestou intenção de ouvir a associação e de perceber o que se está a passar no terreno. Diogo Urjais vai pelo mesmo caminho, pedindo urgência na "preparação das opções de que dispomos", referindo que também não tem conhecimento sobre nenhum plano.

"Eu sei que há muitas unidades que já estão a organizar-se localmente para ver como é que vão fazer, mas sem haver uma orientação genérica, de base, julgo que é muito precário", sugere Rui Nogueira, lembrando ainda que é preciso tempo para informar os cidadãos sobre o plano a seguir. "Em março e abril, nós conseguimos conter a onda por causa das pessoas, que nos facilitaram muito o trabalho. Nós temos de ser muito disciplinados de novo no uso dos serviços, quer seja no hospital quer seja nos centros de saúde."

"Eu julgo que temos condições para fazer melhor do que fizemos nos anos passados com a gripe ou com as infeções respiratórias agudas sazonais", acredita o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, mas isso exige preparação.

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