Cem mil mortos depois, a resposta global é persistir no confinamento

Há mais de 1,6 milhões de pessoas infetadas em todo o mundo, mas o novo coronavírus, que surgiu na China, continua a atingir em especial a Europa e os EUA. Mais de metade da população mundial está sujeita a medidas de isolamento e não faltam vozes a exigir o regresso à normalidade, porém a OMS avisa que o "levantamento demasiado rápido das restrições poderá conduzir a um ressurgimento mortal".
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Donald Trump tinha desejado que parte do país pudesse celebrar a Páscoa sem restrições, mas a realidade impôs-se e a pandemia continua a expandir-se. Só no seu país há meio milhão de casos, quase um terço do total despistado a nível mundial.

Apesar da renovação dos períodos do estado de exceção que se verifica um pouco por todo o lado, há países como Israel ou Itália que já planificam o regresso faseado à normalidade possível, como já aconteceu em Wuhan, a cidade chinesa onde o vírus eclodiu.

África do Sul

Na quinta-feira o presidente Cyril Ramaphosa voltou a dirigir-se aos cidadãos para anunciar a extensão em 14 dias do período inicial de 21 dias de confinamento, ou seja, até ao final do mês. Nas duas semanas anteriores à declaração do estado de desastre nacional, o aumento médio diário de casos foi de 42%. "Desde o início do confinamento, o aumento médio diário foi de cerca de 4%." No entanto, o presidente do país africano com mais infetados (2000 e 24 mortos) alertou contra o laxismo e disse que não era o momento para "relaxar". O ministro da Saúde, o médico Zweli Mkhize, alertou para a "calma antes da tempestade devastadora". Nos hospitais, os médicos mostram-se perplexos. "É um pouco estranho. Inquietante. Ninguém tem a certeza sobre o que esperar", disse o infecciologista Evan Shoul à BBC.

O governo impôs das medidas mais drásticas à escala global, proibindo inclusive a venda de álcool e tabaco e as saídas à rua para exercício ou passeio de cães, enquanto equipas sanitárias têm percorrido os bairros a examinar os habitantes. A Aliança Democrática, partido da oposição, criticou a prorrogação das medidas restritivas, defendendo antes um regresso faseado à normalidade.

Bélgica

A Bélgica, com 11,5 milhões de habitantes, é um dos países europeus com mais casos (26 687), e em décimo na lista de países à escala global. Nas últimas horas foram contabilizados os mortos nos lares de idosos na segunda quinzena de março na região da Flandres, tendo o número de óbitos ultrapassado os 3000.

É nas cinco províncias do norte da Bélgica que se concentra o maior número de infeções, quase o dobro registado na Valónia e cinco vezes mais do que a região de Bruxelas-Capital. As autoridades de saúde afirmam que o número de hospitalizações bem como o de pessoas recuperadas aponta para um cenário de "estabilização", num momento em que a ocupação das camas nas unidades de cuidados intensivos está nos 58%.

Brasil

A América Latina e Caraíbas registam 50 mil casos de covid-19, uma fatia modesta no total de mais de 1,6 milhões no mundo. O Brasil é de longe o país mais atingido, tendo ultrapassado os 18 mil casos e cerca de mil mortos. Na quinta-feira registou-se um número recorde de novos doentes e óbitos.

Enquanto o governo tenta por todos os meios assegurar a aquisição de material de proteção e testes de despistagem à China, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que vai recorrer da decisão do Supremo Tribunal que impede a presidência de reverter medidas de isolamento decretadas a nível estadual.

China

Em Wuhan a vida social começa a restabelecer-se, após o levantamento do estrito bloqueio a que a cidade onde a pandemia eclodiu em novembro ficou sujeita. Enquanto os dados oficiais apontam para um controlo da doença, com o número de novos casos diários na casas das dezenas e o registo de mortes a contar-se pelos dedos de uma mão, as atenções viram-se para a controvérsia entre Pequim, Taipé e Washington com a Organização Mundial da Saúde pelo meio.

A Casa Branca acusou a OMS de ter ignorado o alerta de Taiwan, em dezembro, sobre uma possível transmissão do coronavírus entre seres humanos, o que foi refutado. O diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, pediu para "não se politizar o vírus".

Espanha

Ao pedir aos deputados a renovação do estado de emergência até 25 de abril, o primeiro-ministro Pedro Sánchez anunciou logo que não seria a última vez. O executivo espanhol está debaixo de fogo da oposição porque o país é o segundo com maior número de pessoas contagiadas (157 022, dados de quinta-feira) e o terceiro em número de vítimas mortais (15 843). E também da opinião pública: segundo uma sondagem do ABC, só 28% dos espanhóis estão satisfeitos com a atuação do governo, o qual na sexta-feira recomendou a utilização de máscaras reutilizáveis nos transportes públicos.

A notícia positiva é que entre quarta e quinta-feira morreram 605 pessoas, o número mais baixo em 17 dias.

Estados Unidos

O estado de Nova Iorque, que tem mais infetados (acima de 170 mil) do que qualquer país e mais de um terço do total dos Estados Unidos, viu-se na contingência de recorrer a uma vala comum onde foram depositados os caixões de cadáveres que não foram reclamados por familiares ou cujas famílias não podiam pagar o funeral.

As autoridades de saúde olham para os dados com esperança e cautela:após o número de mortes diárias ter quase atingido as 2 mil na terça-feira, esse valor tem caído ligeiramente. O diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, Anthony Fauci, disse que os EUA podem regressar à atividade até ao verão se estiverem prontos para lidar com o inevitável pico de contágios que um alívio das restrições trará. A Casa Branca divulgou uma previsão em baixa de mortes (de 93 mil para 60 mil) e Donald Trump já vê "uma luz ao fundo do túnel".

Grécia

Com uma população comparável à portuguesa, a Grécia apresenta pouco mais de dois mil casos e 91 mortos. A explicação, ou parte dela, reside na rapidez da atuação do governo de Kyriakos Mitsotakis. Dois dias depois do primeiro caso de infeção o governo proibiu os desfiles de Carnaval, bem como as viagens de estudantes ao estrangeiro. Todo o ensino foi fechado no dia 10 de março quando o número total de casos não chegava a cem. No dia seguinte, o primeiro-ministro fez o primeiro de cinco discursos naquele mês para explicar as medidas adicionais de restrições que foi tomando e pedindo para todos seguirem as instruções dos médicos.

Quando se deu a primeira morte já as escolas estavam fechadas e os ajuntamentos proibidos, enquanto em Espanha passou quase um mês e em Itália quase duas semanas.

Israel

O recolher obrigatório aplicado durante a Páscoa (Pessach) foi levantado na sexta-feira, mas as restantes restrições mantêm-se numa "estranha" quadra, como reconheceu o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

A partir de domingo será obrigatório o uso de máscara em espaços públicos por qualquer pessoa com mais de seis anos e sem deficiência. O Conselho Nacional de Segurança apresentou um plano para depois da Páscoa e inclui o aumento da percentagem de trabalhadores autorizados a regressar às suas funções, além de testar diferentes modelos de trabalho por turnos ou em dias alternados. O ensino especial será o primeiro a retomar, seguido do pré-escolar, e por fim, o restante sistema escolar. O plano, que mantém os centros comerciais e estabelecimentos recreativos fechados, estabelece um regresso à atividade em que os mais jovens serão os primeiros e as cidades verão as restrições serem levantadas por nível de infeção. As autoridades de saúde contam mais de dez mil casos de covid-19 e 92 mortes.

A percentagem de vítimas mortais é mais baixa do que noutros países, o que se atribui ao facto de apenas 38% dos pacientes ter mais de 60 anos. Na vizinha Palestina há registo de 266 pessoas infetadas e dois mortos.

Itália

O primeiro-ministro Giuseppe Conte chamou a si toda a responsabilidade pela renovação das medidas de emergência, ao anunciar nesta sexta-feira a renovação do período de isolamento até 3 de maio. No entanto, há novidades. A sua proposta prevê a reabertura de alguns setores de atividade, como as papelarias, as livrarias, o comércio de papel e de cartão, bem como lojas de roupa para bebés e crianças, assim assegurem condições de segurança, e deixou no ar a hipótese da reabertura de outras atividades antes do dia 3 de maio.

"A esperança é que depois de 3 de maio possamos recomeçar com cautela e de forma gradual, mas começar de novo: isso dependerá dos nossos esforços", disse Conte aos compatriotas, alertando para o risco de deitar tudo a perder caso as regras deixem de ser cumpridas, em especial neste período da Páscoa.

Até ao final do mês o governo deverá decidir se delega nas regiões a decisão sobre a liberdade de movimento dos cidadãos. O país com mais mortes (18 849) mantém números preocupantes de novos casos, mas o número diário de desaparecimentos devido ao novo coronavírus está a baixar e número de pessoas doentes está a registar um crescimento menor: em quase 150 mil infetados, havia na sexta-feira 98 273 doentes.

Reino Unido

Que o primeiro-ministro de um país que testou até certo ponto a imunidade de grupo esteja infetado com a doença é bem representativo do perigo para todos do novo coronavírus. Além de Boris Johnson, que já saiu dos cuidados intensivos, havia na sexta-feira mais 73 757 pessoas diagnosticadas com covid-19 e o número diário de novos contágios continua a subir, assim como o de óbitos, que atingiu um novo pico, 980, totalizando quase 9 mil.

O Ministério da Saúde informou que o Reino Unido está a realizar 19 mil testes diários (tendo como meta cem mil) e que há agora sete hospitais temporários.

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