Célia Pessegueiro: "Voltámos aos tempos do achincalhamento, das ofensas e das atitudes arrogantes"

A autarca e recandidata PS à câmara de Ponta do Sol garante que só haverá esperança numa democracia com qualidade quando houver mudança de governo e de maioria na Madeira. Os modos "arruaceiros regressaram"
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O que a levou, no final dos anos 90, a entrar no mundo da política?
As atenções para as questões políticas começaram com a candidatura do Eng. António Guterres ao governo. Sereno, arejado, por oposição ao cinzentismo de Cavaco. Tinha um discurso apelativo e mobilizador. Depois, durante uma campanha para umas eleições autárquicas, houve alguns eventos que me chamaram a atenção, algo que antes nem pensava. Desde as campanhas extremamente agressivas por parte do partido que governava a região e todas as autarquias até às diferenças nas propostas, tudo me chamava a atenção.

Foi pela primeira vez a votos nas eleições para a JS-Madeira. O que sentiu quando ganhou esse desafio?
Quando entrei na vida política ativa no meu concelho, a JS da Ponta do Sol era muito ativa. Foi muito natural aderir às suas atividades. Eram anos de grande combate político e muito desigual, o que me levava a trabalhar mais para que o PS tivesse melhores resultados nas eleições. Por isso, quando me candidatei a presidente da JS-Madeira ia muito confiante. Lembro-me muito bem da responsabilidade que senti quando ocupei o cargo e do trabalho que iríamos ter para que houvesse alternância política na região. Era a primeira mulher a ocupar aquele cargo, mas na jota o sentimento era de sermos todos iguais.

Sentiu o 'peso' da condição de ser mulher enquanto foi deputada na Assembleia Regional? Sentiu-se menorizada, avaliada?
Era bem maior do que no interior do partido. Éramos uma minoria e lembro-me, logo no início do mandato, de ter existido uma reportagem num jornal local porque havia um pequeno grupo de jovens deputadas de diferentes partidos. Éramos tão poucas e nem assim estávamos de acordo com a forma de aumentar a nossa representatividade. Havia pelo menos uma que nem com as quotas concordava. Isso na altura chocou-me um pouco. Já a questão da avaliação era permanente, dentro do hemiciclo, na comunicação social e na sociedade.

Em 2013 concorreu à câmara de Ponta do Sol. A sua escolha para candidata foi um processo pacífico entre os homens do partido?
Já nos conhecíamos localmente há muitos anos e para nós não era uma questão. Quem tivesse vontade, probabilidade de ganhar e um projeto em que acreditássemos seria escolhido. Em termos regionais, já não era bem assim. Apercebi-me que se as possibilidades de ganhar na Ponta do Sol fossem maiores, teriam tentado a escolha de um candidato homem. Na sua maioria, na Comissão Política Regional, não acreditavam que uma mulher pudesse ganhar uma Câmara.

E em 2017?
A situação mantinha-se, talvez ainda de forma mais convicta. Procuraram soluções no masculino, que preenchesse o quadro: homem casado, bem-sucedido e pai de filhos. No entanto, a estrutura local organizou-se no sentido de ser eu a cabeça de lista. Eu também me mostrei disponível, uma vez que já tinha trabalho feito e tinha experiência. Os únicos que acreditaram foram mesmo as pessoas da Ponta do Sol. Em termos regionais, infelizmente, não éramos uma prioridade nem acreditaram que podíamos ganhar.

Agora numa candidatura de reeleição tudo foi diferente?
Completamente. A estrutura regional é outra, muito mais paritária. Há uma outra forma de encarar as candidaturas, mais focada em pessoas e menos no género. É bom ver que, em 11 concelhos, o PS apresenta 6 candidatas a presidente de câmara. Este facto inédito, até foi aceite como algo muito normal. Embora, reconheçamos, não é.

Quando as possibilidades de ganhar uma autarquia, por exemplo, são fortes a escolha de uma mulher é mais difícil?
Sem dúvida. A realidade do PS neste momento é melhor, mas ainda é muito recente e não está de todo consolidada. Tenho noção que é muito circunstâncial e que a minha vitória, em 2017, contribuiu para quebrar algumas barreiras. Se olharmos para a realidade dos outros partidos, aí o panorama é infinitamente mais complicado. Quando olho para o PSD, não vejo uma única mulher candidata a presidente de câmara. Não porque não tenham mulheres com competência para exercer o cargo, mas porque é um cargo que ainda entendem ser para homens.

A sua forma de estar na política parece-lhe diferente da dos homens?
Acho que sou mais atenta aos detalhes, mas não estou certa de que seja por ser mulher. Gosto de ver o meu concelho organizado e com obra pública de qualidade. Reconheço nisso uma marca, mas gosto de pensar que é pessoal e que são características que podem ser encontradas tanto em mulheres como em homens.

Sentiu, em algum momento, que a sua condição de mulher fosse um factor que a afastasse dos cargos de liderança na política?
Muitas vezes. Não por uma questão de competência. A segregação de género para esse tipo de cargo não é forma direta. É insidiosa. Tem a ver com a disponibilidade para a participação nas iniciativas e reuniões, com algum tratamento patriarcal por parte de quem tem os cargos de liderança e por, muitas vezes, se achar que não há confiança por parte do eleitorado na liderança das mulheres.

Percebeu se há ou houve mulheres pressionadas a recusar cargos políticos só por serem mulheres?
Conheço alguns casos, infelizmente, e situações muito semelhantes. São usados argumentos do tipo "não vais ter tempo para cuidar dos teus filhos e andar na política" ou "deixa isso para quem sabe, o teu companheiro não te vai poder ajudar porque é muito ocupado". Pressões deste género, infelizmente são demasiado frequentes.

Como é a relação entre o poder regional e uma autarquia? A cor do partido importa?
Este governo regional é muito centralista e tenta ao máximo reter competências que no continente são dos municípios. É um governo que fala muito em autonomia face ao governo central, mas que tenta centralizar tudo na sua esfera de atuação. Há uma lei regional de cooperação financeira com o poder local que não é cumprida de forma justa e equitativa, existindo cooperação pontual onde entendem e se daí advir algum benefício eleitoral para eles. Obviamente que para o governo regional a cor do partido importa, na medida em que tudo é campanha eleitoral. Não gostam de partilhar dividendos políticos, nem quando a câmara é da mesma cor, imagine-se quando é de cor diferente. Para eles tudo se complicou em 2013, quando perderam sete dos 11 municípios. Tiveram de se habituar a lidar com partidos diferentes em câmaras, mas ainda é um processo com o qual lidam mal e tentam, a todo o custo, reverter.

E a relação com a oposição local?
Foi cordial. Com o CDS sentimos abertura e houve entendimento nas questões fundamentais, apesar de divergências pontuais. Já com o PSD foi mais complicado. A postura dos vereadores na câmara, muitas vezes, contrastava com a postura do PSD nas assembleias municipais. Votavam de forma diferente na câmara e na assembleia.

O que falta mudar, no seu entender, no modo de fazer na política na Madeira?
Mudar de governo, mudar de protagonistas. Poderia ser tentada a dizer que bastaria mudar de atitude, ter mais abertura e mais respeito democrático. No entanto, isso com os atuais protagonistas é impossível. Digo isto com alguma tristeza. Em 2015, com a saída do Alberto João Jardim, o PSD falou em "renovação", mas voltámos às atitudes arrogantes, à ofensa e ao chumbo sistemático de tudo o que vem da oposição. Voltou-se à atitude de um "governo superior", em que discordar deles é uma ofensa e motivo de achincalhamento.

Onde estão os maiores problemas na Madeira... na Saúde? Na Educação? No mercado de trabalho?
Diria que quase todas as áreas precisam de políticas inovadoras, porque o modelo errático aplicado está a agravar problemas que sempre tivemos: a Saúde está "ligada às máquinas, sobrevive com soluções avulsas, que visam apenas resolver questões imediatas e evitar a crítica. Saltam à vista problemas, como o as listas de espera, que proporcionalmente são mais graves que no continente, a falta de médicos, as infraestruturas hospitalares degradadas. A Agricultura está em agonia há anos, vive de anúncios, mas os problemas no terreno persistem; a Educação, que teve um investimento brutal em infraestruturas, revela indicadores de absentismo escolar e de insucesso verdadeiramente preocupantes; as questões de emprego também são preocupantes. Todos os anos o desemprego aumenta, há jovens a emigrar e a economia não cresce o suficiente para fixar as pessoas à região.

Uma economia muito sustentada pelo turismo não é um problema?
Toda a economia sustentada apenas por uma atividade é um problema. Compreendo que a Madeira, pela sua exuberância paisagística, pela sua localização, seja atraente ao mercado turístico. Naturalmente é um sector de atividade que tem mercado, mas que não é infinito, nem comporta um número crescente de unidades hoteleiras cada vez maior. A Região Autónoma da Madeira é muito pequena, mais pequena que a dos Açores, e numa ilha apenas temos mais população do que as nove ilhas açorianas juntas. Não temos território para dinamizar indústrias com produção em grande escala, mas podemos ser criativos. Falta-nos revitalizar a indústria agroalimentar, que já existiu na Madeira, mas que se deixou cair. Falta-nos a aposta em empresas que apostem na tecnologia e no conhecimento.

Encara a possibilidade, de um dia mais tarde, enfrentar outro patamar da política, liderar o PS-Madeira, ser deputada em Lisboa... ou até fazer parte de um governo em Lisboa?
Estou muito focada em ser presidente de câmara, estou a gostar, e enquanto a lei me permitir e a população me quiser, estarei ao serviço da Ponta do Sol. Não vivo em ansiedade ou permanentemente a fazer planos para o futuro, aproveito cada oportunidade que surge a cada momento.

Uma agricultora, um advogado, um arquitecto e um agente imobiliário

Candidato PSD/CDS
Gualberto Fernandes, deputado regional, arquitecto, é o candidato da coligação de direita que tenta recuperar a autarquia perdida para os socialistas em 2017. "É a resposta que falta, a todos os níveis, a este concelho. A resposta desejada pelos mais jovens. Pelos mais velhos. Pelos nossos empresários. Pelos nossos agricultores. Manter tudo como está não é opção nem solução para o futuro". O candidato afirma que Célia Pessegueiro "não merece qualquer voto de confiança" porque "se esqueceu de governar para as pessoas" adiando "inúmeras respostas", deixando uma "população farta de promessas". "Tenho ideias para a Ponta do Sol e julgo que as minhas são as melhores", afirma.

Candidata da CDU
Cátia Rodrigues, "jovem, agricultora e mãe", como se define, acredita que pode "fazer mais e melhor". A candidata, de 25 anos, que está na sua primeira experiência política, acusa o PS de manter os "incumprimentos das promessas feitas pelo PSD" - nomeadamente, os caminhos agrícolas por fazer - dizendo ser "inaceitável que, por questões partidárias, quem esteja a ser prejudicado sejam as centenas de pequenos produtores e agricultores que têm que andar centenas de metros com os produtos às costas, com riscos para a sua saúde, quando bastaria vontade política para resolver este tipo de situações". Uma exigência prioritária para defender um "setor tão importante".

Candidato da Inicitiva Liberal
Aires Pedro, advogado, vogal da comissão de jurisdição da IL, foi apresentado pelo partido como tendo"um grande envolvimento com a comunidade local e um conhecimento profundo sobre a vida do município pontassolente, características que lhe conferem uma boa base política para o combate eleitoral". O candidato defende uma "finalidade marcadamente liberal"para acabar com o "entorpecimento autárquico, que tem caracterizado, quer a actual gestão do PS-M, com a colaboração do CDS-PP, quer aquela que foi desenvolvida pela anterior gestão do PSD-M". Acabar, em síntese, com o "quase inexistente desenvolvimento económico e social do concelho".

Candidato do Juntos pelo Povo
Paulo Freitas, agente imobilário, candidato do JPP (Juntos pelo Povo), garante existir um "momento difícil para quem cá vive e para quem nos visita por conta das guerras entre o PSD e o PS. Não é justo que estejamos a sofrer na pele as consequências de brigas políticas." "Quem anda pelas ruas e ouve as pessoas sabe o que tem de ser feito, não é preciso chegar à altura das eleições", afirma. O candidato quer "mostrar que é possível fazer política de forma diferente" lembrando que "há muita coisa por fazer e que não foi feita pela inércia" do poder socialista, "por conta das quezílias políticas que só penalizam a população". "Falta vontade de resolver os problemas diários", garante.

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