Esta terça-feira será, ao que tudo indica, o dia D para a conclusão da transferência do goleador uruguaio Edinson Cavani para o Benfica. Uma autêntica novela que dura há cerca de um mês e que, após muitos avanços e recuos, está agora à beira de um final feliz para os encarnados..Edinson Roberto Cavani Gómez nasceu no Dia de São Valentim de 1987, em Salto, cidade a noroeste do Uruguai, nas margens do rio Uruguai, que delimita a fronteira com a Argentina. Uma terra que viu nascer outras estrelas daquele país sul-americano, como José Andrade (campeão do mundo em 1930), Pedro Rocha (avançado que foi treinador do Sporting em 1988) e Luis Suárez, atual jogador do Barcelona, 21 dias mais novo do que Cavani..Naqueles finais da década de 1980, a infância foi difícil para o mais novo de três irmãos de uma família dos arredores de Salto. O pai Luis e a mãe Berta tinham de trabalhar no duro para que não faltasse comida e roupa em casa. Em 2018, no The Players Tribune, o avançado escreveu uma carta dirigida a si próprio com 9 anos, uma espécie de flashback da sua vida, onde recorda a infância feliz, apesar de não ter o conforto e as mordomias de agora..Chamavam-lhe Pelado por não ter cabelo.Quando era pequeno, todos lhe chamavam Pelado porque tinha pouco cabelo. Uma alcunha de que admite nunca ter gostado e que "graças ao futebol" foi esquecida. E houve uma estrela essencial para essa mudança: Gabriel Batistuta. Sim, o goleador argentino que tantas vezes brilhou ao finalizar os passes de Rui Costa (diretor desportivo do Benfica) na Fiorentina. Aos 9 anos, Edinson ainda não conhecia Batigol, pois na televisão apenas assistia aos desenhos animados de Tom & Jerry..Acabou por ser o seu irmão mais velho, Nando, o primeiro a inspirar-se no argentino, recusando-se a ir ao cabeleireiro para ter um cabelo longo como o avançado argentino. Edinson havia de seguir a inspiração do irmão, pedindo à mãe que não lhe cortasse o cabelo. Ainda hoje, os cabelos longos são a sua imagem de marca..Jogar futebol na rua era o desígnio de Edinson. Descalço, no meio da sujidade. Na casa onde vivia não havia água quente e, no inverno, tinha de aquecer água para que pudesse tomar banho e o único sistema de aquecimento para fazer face ao frio eram quatro cobertores que o aconchegavam na cama. Aliás, na primeira casa onde viveu não havia casa de banho....A magia do "golo do gelado".Apesar das dificuldades, recorda que a bola era o que mais importava para ele. E havia algo de mágico nos campeonatos juvenis de Salto e no "golo do gelado", que era uma espécie de troféu para quem marcasse o primeiro e o último golo do jogo. O resultado era o que menos importava, pois todos queriam fazer o primeiro e o último golo da partida para, no final, se poderem satisfazer com o gelado... Um prémio que tornava o marcador uma espécie de rei por um dia..Foi assim que Cavani começou a aprimorar as suas qualidades de goleador, mudando-se aos 17 anos para a capital Montevideu, a quase 500 quilómetros de casa, para integrar a Academia do Danubio, clube que se intitula "Universidade do Futebol Uruguaio". "Havia muitos miúdos à espera para fazer o teste, mas ele passou à frente porque sabíamos que tinha qualidade. Após poucos minutos a vê-lo jogar, percebemos que tinha de ficar. Notava-se que seria craque", contou Gustavo Dalto, o treinador dos sub-17 do clube, numa reportagem do Globoesporte, realizada em 2018..Edinson ficou então no Danubio, tendo a sua adaptação sido facilitada porque o irmão Walter Guglielmone, o seu atual empresário, era avançado da equipa A. Só que a sua passagem pelo clube foi meteórica. A 6 de abril de 2006 estreou-se na equipa principal, numa partida em que o Danubio foi goleado por 4-0 pelo rival Defensor Sporting. Foram os primeiros minutos do miúdo de 19 anos que, seis meses depois, estava a ser transferido por cinco milhões de euros para o Palermo, de Itália, cujos olheiros já estavam de sobreaviso, depois de o terem visto atuar num torneio de futebol juvenil, em Viareggio..Da Sicília aos milhões de Paris.Um ano depois de chegar ao clube da Sicília, fazia dupla de ataque com Fabrizio Miccoli, jogador que deixou marca no Benfica. Ambos projetaram o Palermo para o topo do futebol italiano, culminando em 2009-10 com o quinto lugar da Série A. Com 37 golos em 117 jogos, Edinson Cavani, de 23 anos, rumou por empréstimo para o Nápoles, onde na primeira época fez 33 golos em 47 jogos. Resultado? Os napolitanos ficaram com o goleador uruguaio por 12 milhões de euros..Em Nápoles, terra de Maradona, tornou-se ídolo graças aos 104 golos marcados em três épocas, durante as quais fez 138 jogos. Até que em 2013 se tornou um dos rostos do milionário Paris Saint-Germain, adquirido dois anos antes por um grupo de investimento do Qatar. Juntou-se a Zlatan Ibrahimovic a troco de 64,5 milhões de euros pagos pelos franceses, tornando-se na altura a quinta transferência mais cara da história do futebol mundial..A história de Cavani no PSG são golos: 200 em 301 jogos. Tornou-se o maior goleador de sempre da história de um clube, onde foi uma das grandes estrelas e apelidado de El Matador. Apesar do dinheiro e da fama mundial, a simplicidade de Edinson fê-lo revelar ao Players Tribune que ainda hoje se recorda dos seus tempos de infância e de como era feliz naquela altura. "Perdi muito a liberdade que tinha quando era criança. Quando começas a subir na vida, perdes um pouco essa liberdade. O futebol dá-te muitas coisas, mas também tira muitas outras... Sim, tenho muitas coisas, mas muitas vezes sentimo-nos presos, porque saímos de um hotel e vamos para casa, dali vamos ao treino, depois entras no autocarro, no avião, chegas a outra cidade, entras no autocarro e vais para o hotel, dali para o estádio e regressas a casa... Todo o tempo dentro de alguma coisa, como se estivesses preso. Temos de aprender a lidar com isso. Para quem acha que ser futebolista ou ter sucesso é aquilo que tem mais valor, saiba que não é. Quem tem mais êxito são aqueles que sabem viver a vida", explicou..O choque com Neymar que abalou Paris.Um dos maiores custos da fama foi sentido por Edinson Cavani no início da época 2017-18. O brasileiro Neymar tinha acabado de ser contratado pelo PSG para ser a grande estrela da equipa e não tardou muito até os dois jogadores entrarem em rota de colisão. E tudo por causa da cobrança dos penáltis..O internacional uruguaio era o habitual marcador e, no primeiro jogo em que houve um castigo máximo (goleada de 6-2 ao Toulouse), recusou o pedido de Neymar para ser ele a marcar. O brasileiro mostrou-se insatisfeito, mas acabou por ceder, tendo Cavani marcado os penáltis nos dois jogos que se seguiram. Só que num jogo com o Lyon, quando os parisienses venciam por 2-0, os dois jogadores voltaram a entrar em choque... Nesse jogo, já Daniel Alves tinha tirado a bola do uruguaio para que fosse Neymar a marcar um livre direto, só que, na altura de marcar um penálti, Cavani não facilitou e agarrou na bola para ser ele a marcar, deixando o brasileiro furioso. Foi um choque de egos, com o uruguaio a querer fazer valer os cinco anos que levava no clube..Sem o pulso forte do treinador espanhol Unai Emery, o mal-estar ficou instalado no balneário do PSG, com Neymar a acusar o companheiro de egoísmo, enquanto Cavani saiu do estádio, após esse jogo, com cara de poucos amigos e queixava-se de falta de respeito. Um mês depois, as duas estrelas começaram a trocar abraços nas comemorações dos golos, com o uruguaio a esclarecer que tudo tinha sido ultrapassado. "São coisas do futebol, coisas pequenas que por vezes se tornam grandes sem qualquer motivo. Este tipo de situações resolvem-se no balneário. Já está tudo tranquilo", garantiu então Cavani, que acabou por ser convidado para o aniversário de Neymar, cinco meses depois do incidente que correu mundo..A relação entre ambos tornou-se entretanto bastante forte e em fevereiro deste ano, numa altura em que o uruguaio se via relegado para o banco de suplentes por causa da chegada do argentino Mauro Icardi, Neymar passou boa parte do jogo com o Montpellier à procura de fazer um passe para que Cavani pudesse marcar para lhe dar mais confiança. Aconteceu nos instantes finais da partida, com o brasileiro a festejar de forma efusiva... Só que o VAR acabou por anular o golo, mas ficou a certeza de que os maus momentos foram mesmo ultrapassados..Se assinar pelo Benfica, Edinson Cavani chega como uma estrela mundial, com um currículo impressionante, com um total de 353 golos marcados em 586 jogos pelos quatro clubes que representou no futebol profissional, aos quais tem de se acrescentar 50 remates certeiros ao serviço da seleção do Uruguai, dois dos quais nos oitavos-de-final do Mundial 2018, que serviram para eliminar Portugal.