Castelo de Bode. Ao domingo vamos ao Trízio apanhar lixo

Todos os domingos, um grupo de voluntários percorre o rio Zêzere para aliviá-lo do muito lixo que lhe atiram. Trata-se de uma das 17 equipas da associação Planet Caretakers, que acaba de completar um ano. Agora que a barragem leva pouca água, descobre-se de tudo.
Publicado a
Atualizado a

Desde há vários meses que uma equipa de voluntários se junta todos os domingos para limpar quilos de lixo do rio Zêzere, a partir da barragem de Castelo de Bode. A iniciativa é da associação Planet Caretakers, que tem já 17 equipas espalhadas pelo país, mas é ali, no interior, que curiosamente está a conseguir maior impacto.

A ideia chegou através de Sofia Mendonça no verão passado, que a passou ao amigo Fábio João, considerado pelos companheiros o guardião do rio Zêzere: mora numa casa na zona do Trízio, uma das mais belas praias fluviais da Sertã. Ao leme do seu barco, começou por levar meia dúzia de amigos para fazer a limpeza. "Enquanto foi verão íamos à quarta-feira, ao final do dia. O barco leva sete pessoas, às vezes vínhamos em cima do lixo... depois passámos a fazer isto ao domingo. Agora levamos dois barcos e, mesmo assim, não divulgamos muito porque já não temos capacidade para levar mais gente", conta ao DN o homem que vive à beira do rio, no meio da natureza, e que por conhecer as margens e o leito nunca deixa de se espantar com o estado em que o encontra: "Já recolhemos de tudo, desde o célebre cotonete a embalagens de iogurtes, água, pesticidas, esferovite, pneus, até frigoríficos e outros eletrodomésticos. Há quem atire tudo para o rio."

Como a paisagem contrasta com essa lixeira, as viagens da equipa de Castelo de Bode são sempre inspiradoras e tornaram-se qualquer coisa de belo. Foi assim que entrou em cena o poeta Miguel Manso e outros que entretanto se têm juntado. "Apanhamos lixo, mas também lemos poesia. Entretanto começámos a convidar alguns fotógrafos para se juntarem a nós", conta ao DN. O resultado desse trabalho deverá integrar uma exposição alusiva à recolha do lixo, em julho, durante o festival literário promovido pela Câmara Municipal da Sertã.

Fez agora um ano que todo este movimento começou. Mas na verdade há muito que andava a germinar, através da mentora Débora Sá. Os 33 anos desta eterna escuteira parecem muito pouco para o tanto que já percorreu em matéria de responsabilidade social, de ajuda aos outros.

Natural da Costa da Caparica, Débora sabe hoje que não é de lugar nenhum, porque se muda com frequência para onde for preciso. Acontece o mesmo com a profissão, que pode ser gestora de redes, professora de ioga ou técnica de informática. Esse lado nómada fê-la ir parar ao Brasil, numa missão que era suposto demorar três meses. Era lá que estava quando foi declarada a pandemia, em março de 2020. "Os três meses acabaram por ser seis. Os voos foram todos cancelados e mudei-me para a favela, na ilha de Itaparica. Usei então o meu dinheiro todo para ajudar aquela comunidade. Como acabei por ficar mais tempo, peguei nos meus amigos todos da net e fiz uma angariação para continuar a ajudar, sobretudo com comida e coisas básicas. Sem saber, era aí que estava a nascer a Planet Caretakers", conta ao DN.

Quando conseguiu regressar, tudo isso fez Débora refletir. "Vinha cheia de coisas boas. Organizei uma recolha de lixo na Fonte da Telha. Primeiro apareceram só duas pessoas. Num segundo evento já éramos uns 12, na terceira vez uns 16, e foi assim que começou a crescer." Débora convenceu-se que "se calhar até tinha jeito para isto" [mobilizar pessoas]. Percebeu que algumas lhe diziam que também gostariam de participar, mas estavam longe. E foi assim que nasceu a ideia de criar equipas pelo país. Só não imaginava que, um ano volvido da criação oficial da associação, a Planet tivesse espalhada por todo o território. Até à data, está presente em Afife, Almada, Caparica, Cascais, Castelo de Bode, Coimbra, Ericeira, Figueira da Foz, Fonte da Telha, Seixal, Sesimbra, Porto, Costa Nova, Trafaria e Vendas Novas, num total de 17 equipas.

Até final de janeiro a Planet fez 71 recolhas de lixo, através de 600 pessoas envolvidas. Às vezes, Débora ainda se pergunta "como é que isto aconteceu". Mas quando vê os números a crescer na página, sabe que é real. Afinal foi mesmo só preciso um primeiro passo para esta grande caminhada. Não conhece a maioria das pessoas, nem elas a conhecem. As equipas falam entre si no WhatsApp e "é claro que há umas mais ativas que outras". A de Castelo de Bode é um exemplo de dinamismo. Nas redes sociais há um número de telefone "para onde as pessoas podem pedir para entrar nas recolhas, ao mesmo tempo que as anunciamos".

E depois de recolhido, o que acontece ao lixo? "As equipas fazem a triagem no momento de recolha ou mais tarde. Nalgumas zonas avisamos os serviços municipais que o vamos fazer, quando sabemos de antemão que vai ter muito vidro, avisamos, por exemplo, a Marsul ou outras similares, porque acabamos por encher os contentores da localidade."

A Planet Caretakers é uma associação sem fins lucrativos. Qualquer pessoa pode tornar-se associada, mediante o pagamento de uma quota anual de 12 euros, bastando para isso preencher no site o respetivo formulário.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt