O que começou com o roubo de um telemóvel pode acabar por obrigar o líder do Podemos e vice-presidente do governo espanhol, Pablo Iglesias, a responder diante do Supremo Tribunal..Pressionado pela oposição, Iglesias fala num caso "privado" e aponta o dedo às chamadas "cloacas" (esgotos) do governo e de uma campanha para o desprestigiar..O caso Dina, como é conhecido, centra-se na ex-assessora de Iglesias, Dina Bousselham..Mas quem é Dina?.A marroquina foi aluna de Pablo Iglesias, quando este dava aulas na Universidade Complutense de Madrid. Nascida em Tânger, foi aos 18 anos que foi viver para a capital espanhola, para estudar Ciências Políticas, tendo estudado também na Sorbonne, em Paris..Militante do Podemos desde a fundação, foi nomeada chefe da equipa de assessores de Iglesias quando este, em 2014, foi eleito eurodeputado. Dentro do partido, ganhou um cargo na liderança regional em Madrid, mas como ainda não tem nacionalidade espanhola (pediu-a em 2018) não pode ser candidata às eleições autonómicas..Desde maio que é diretora do diário digital La Ultima Hora (que se apresenta como "meio independente, não neutral") e foi promovido pelo próprio Iglesias no Twitter..O que aconteceu?.A 1 de novembro de 2015, numa loja Ikea em Alcorcón, o casaco do marido de Dina, o português Ricardo Sá Ferreira (também assessor do Podemos), foi roubado. Num dos bolsos estava o telemóvel da mulher. O casal apresentou queixa na polícia, mas o telemóvel nunca apareceu..Mas, em janeiro de 2016, o cartão onde havia fotografias íntimas da própria Bousselham e capturas de ecrã de mensagens privadas trocadas entre os dirigentes do Podemos acaba nas mãos da revista Interviú (famosa por publicar nus, além de escândalos poíticos ou económicos), do Grupo Zeta..O presidente do Grupo Zeta, Antonio Asensio, entregou o cartão a Iglesias -- que o guardou. Mas cópias do material são também entregues mais tarde, em abril de 2016, por dois responsáveis da revista ao comissário José Manuel Villarejo..Em julho, o OK Diario publicou as capturas de ecrã tiradas da aplicação Telegram, com as conversas privadas de Iglesias, onde escrevia, por exemplo, que chicotearia a jornalista Mariló Montero até que sangrasse ou alegava ser "um marxista algo perverso convertido num psicopata". Outros meios também terão cópias do cartão..Quem é Villarejo?.O antigo comissário da polícia espanhola e empresário trabalhou durante décadas como uma espécie de investigador privado para os ricos e poderosos de Espanha, que usaram os seus serviços para espiar os rivais, além de ter sido um "agente secreto", como o próprio indicou..Ao longo de décadas, foi gravando tudo aquilo que fazia e recolhendo inúmero material comprometedor -- são dele as gravações em que a ex-amante de Juan Carlos, Corinna zu Sayn-Wittgenstein, se queixa de ter sido usada pelo monarca para esconder parte da sua riqueza no estrangeiro. Acabou por ficar na posse dos podres de várias políticos, empresários, juízes ou jornalistas, com alguns a denunciar tentativas de extorsão..No total, as gravações já deram lugar a dez investigações separadas, que vão desde subornos e corrupção a revelação de segredos, tendo Villarejo sido detido em novembro de 2017 por alegados crimes de branqueamento de capitais e organização criminosa..Nas buscas após a sua detenção, foram encontradas duas pastas no computador de Villarejo com os nomes Dina 2 e Dina 3 (criados em abril de 2016), onde foi encontrado parte do conteúdo do cartão de telemóvel da então assessora de Iglesias..Como está a investigação?.Foi já em 2017, que Iglesias devolveu o cartão a Bousselham, mas deteriorado (alguns media espanhóis dizem que pode ter sido destruído num microondas9 e por isso ela não consegue aceder aos conteúdos -- numa outra versão alegou que ainda viu os conteúdos uma vez, mas que depois já não conseguiu ver mais. O seu marido procura, em fevereiro, uma empresa estrangeira para tentar recuperar as informações..DIante dos factos, em março de 2019, Iglesias e Bousselham apresentam-se como vítimas ou prejudicados diante da Audiência Nacional e do juiz que investiga Villarejo, García Castellón, denunciando uma campanha para prejudicar o Podemos..Contudo, Dina admite mais tarde diante do juiz que tinha enviado "a outros grupos de Whastsapp" as capturas de ecrã publicadas pelo Ok Diario, pelo que poderia ser ela a origem da fuga de informação..Villarejo, num interrogatório em março de 2019, alegou que terá sido ela a passar a informação aos jornalistas. "Há uma senhora que teve uma relação sentimental com o sr. Iglesias que lhe tinha prometido que se ia casar com ela. Está muito chateada e está a dar uma cópia do seu telemóvel para que possam ver que é um machista", disse então, segundo o site Libertad Digital. .Já este ano, o juiz retirou a condição de prejudicado a Iglesias, dando também ordens a Bousselham, que até então partilhava a mesma advogada (Marta Flor) com o líder do Podemos, para que encontre outro defensor. O magistrado, tal como os procuradores, sugerem que poderá ter sido o próprio Iglesias a destruir o cartão de telemóvel, abrindo novas diligências para investigar e poder levar o caso até ao Supremo (como vice-presidente, se for julgado, será por este tribunal)..Entretanto, os procuradores investigam ainda uma possível relação entre a advogada e um dos procuradores do caso, Ignacio Stampa, ainda antes da abertura do processo do chamado caso Dina, em março de 2019, que poderia ter dado ao Podemos informações privilegiadas sobre a investigação..E que impacto pode ter para Iglesias?.O líder do Podemos começou por apresentar-se como vítima das "cloacas" (esgotos) do Estado, o nome como são conhecidas as investigações partidistas que recorrem às ferramentas do estado para denegrir adversários -- o pode político recorre ao poder policial e depois a informação é passada aos media. Um dos exemplos apresentados é o chamado relatório PISA (Pablo Iglesias Sociedade Anónima), que acusou este de financiar-se no Irão e na Venezuela, mas que foi rejeitado pelo Tribunal de Contas.."Cloacas" destinadas a impedir a sua chegada ao governo e agora a afasta-lo do executivo, segundo Iglesias, que no meio de tudo isto pode acabar por ter que responder em tribunal por possíveis três crimes..Primeiro, por denúncia falsa, ao acusar Villarejo de roubar o telemóvel de Bousselham e entrar em conluio com os jornalistas do Ok Diário para publicar a informação. Depois, por revelação de secredos, ao aceder aos conteúdos do cartão de telemóvel, finalmente por danos informáticos, se ficar provado que foi ele que danificou o cartão..A oposição está a aproveitar o caso para atacar Iglesias, tendo exigido que o vice-presidente do governo explicasse no Congresso dos Deputados o porquê de ter ficado com o cartão da assessora durante meses. O PSOE e o Podemos travaram tal audiência, alegando que tal não tem a ver com o seu trabalho no executivo..Iglesias diz que falará do caso numa comissão alargada sobre todo o "esgoto do Estado e a sua conivência com alguns meios de comunicação e setores judiciais"..O próprio primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, recusa falar do caso, considerando que são "assuntos judiciais"..Como está o Podemos nas sondagens?.Nas eleições autonómicas de 12 de julho, as primeiras depois de o Podemos ter entrado para o governo, o partido de Iglesias foi o grande derrotado. Na Galiza, onde era a segunda força política, ficou de fora do parlamento autonómico. No País Basco, onde tinha 11 deputados, ficou com apenas seis..Na análise ao resultado eleitoral, numa reunião da direção na sexta-feira, o Podemos aponta o dedo à "debilidade organizativa nos territórios devido às lutas internas da etapa anterior" do partido, defendendo uma aposta no projeto de Iglesias..Mas na última sondagem do Centro de Investigações Sociológicas (CIS), publicada na última quarta-feira, a aliança Unidas-Podemos mantém-se a nível nacional como a terceira força política, com 12,1% dos votos (abaixo do resultado nas eleições, 12,84%, mas mais do que os 11,4% do mês anterior)..Nessa sondagem, o PSOE reforça a liderança, com 32,1% (teve 28% nas eleições), mais 10,9 pontos percentuais do que o PP (21,2%, frente aos 20,82% nas eleições). O Ciudadanos perde em relação à sondagem do mês de junho, mas com os 8,8% está melhor do que nas gerais de 2019, sendo que o Vox continua em queda, paa os 11,6% (teve 15,09%).