Carnaval. Contra as "agendazinhas" é preciso reconhecer "o feriado"
António Costa cumpriu sempre a tradição enquanto primeiro-ministro e este ano, invariavelmente, deu tolerância de ponto aos funcionários públicos na véspera e dia de Carnaval. Mas nem sempre os governantes lidaram bem com esta data que é vista como um feriado sem o ser oficialmente. Cavaco Silva, então líder de governo, teve intolerância de ponto em 1993 e pôs o país e os foliões em polvorosa. O que se repetiu em 2012 com o então chefe do Executivo Pedro Passos Coelho.
"Li há dias a notícia "António Costa vai dar ponte", mas vai dar o quê?" - questiona de forma provocatória o politólogo José Adelino Maltez. Isto porque considera que a terça-feira de Carnaval já é um feriado decretado pelo uso e costume.
"Não sou jurista, mas aquilo que se chama prática reiterada já fez lei. Uma coisa é a lei pura e dura, outra é o costume, que é mais do que a lei", diz.
José Adelino Maltez considera que foi um dos erros cometidos pelos líderes do PSD, Cavaco e Passos, essa medida de não reconhecer o dia de Carnaval nos idos anos de 1993 e de 2012, ainda que justificado com as crises económicas da altura, porque contribuíram para delapidar "o eleitorado do PSD", que tinha forte ligação popular.
Para o politólogo, para impedir estas "agendazinhas" dos políticos de quererem dar sinais de muita retidão na gestão das coisas públicas, sem cuidar do que é o sentimento da comunidade, "devia-se consagrar oficialmente o feriado de Carnaval". Sublinha a propósito que "em todos os países ocidentais civilizados" os trabalhadores sabem com antecipação no início de cada ano os dias que trabalham e não trabalham.
Reconhece que uma larga maioria de pessoas tem mais apego ao Carnaval do que a outros feriados civis.
Com uma crise económica a pairar no horizonte, Aníbal Cavaco Silva sacrificou, pela primeira vez, o Entrudo a bem da produtividade nacional e decretou: "Não se gozará o feriado de Carnaval." E assim aconteceu. Mas os funcionários públicos que viram estragada a folia, reagiram mal. Alguns foram trabalhar para as repartições públicas mascarados e os protestos fizeram-se ouvir.
Nas suas memórias admitiu: "Em fevereiro de 1993, cometi o erro político de não assinar o despacho que concedia aos funcionários públicos tolerância de ponto na terça-feira de carnaval". Paulo Teixeira Pinto, o secretário de Estado da presidência do Conselho de Ministros já tinha, como nos anos anteriores, o despacho preparado e pronto para assinar, mas o então primeiro-ministro decidiu não o fazer. O assunto nem sequer foi discutida no governo e apanhou os ministros de surpresa.
A terça-feira de Carnaval daquele ano foi sui generis. Os deputados do PSD compareceram nas comissões parlamentares, até em número excessivo, enquanto a oposição fez gazeta total. A folia do Entrudo foi levada por dezenas de funcionários públicos para o local de trabalho. As máscaras de Carnaval foram indumentária em muitas repartições públicas.
Os ministros do governo disseram "sim, senhor primeiro-ministro" e foram trabalhar todos, à exceção do titular da Administração Interna, Dias Loureiro, que meteu umas férias providenciais antes da (in)tolerância de ponto.
No ano seguinte, em 1994, Aníbal Cavaco Silva ainda pensou repetir a proeza de pôr toda a gente a trabalhar no Entrudo. Acabou por recuar. E mais nenhum primeiro-ministro ensaiou essa partida de Carnaval.
Só Pedro Passos Coelho se atreveu a repetir a façanha, muito justificada pelo draconiano plano de resgate a que o país estava sujeito e que obrigou a suspender quatro feriados oficiais - dois civis e dois religiosos. "Julgo que ninguém perceberia em Portugal, numa altura em que nos estamos a propor acabar com feriados como o 5 de Outubro ou o 1.º de Dezembro ou até feriados religiosos, que o Governo pensasse sequer em dar tolerância de ponto, institucionalizando a partir de agora o Carnaval como um feriado em Portugal."
Mais uma vez ninguém percebeu foi a decisão e houve até manifestações à porta de São Bento no dia de Carnaval.
paulasa@dn.pt