Os familiares das vítimas mortais do surto de legionela no Hospital de São Francisco Xavier viram os funerais ser interrompidos para os corpos serem levados para autópsia. Que impacto é que isto pode ter?.Tem um grande impacto. É uma interrupção de um processo de dor. As pessoas estavam a fazer a gestão da perda. Estavam confrontadas com o momento terminal e, de repente, irrompem inocentes, que estão a cumprir ordens, para enfiar os corpos em sacos e levá-los para autópsia. Houve um mau procedimento do Ministério Público [MP]. Isto provoca uma dor suplementar nas famílias. É uma gestão da perda adiada. A cerimónia fúnebre é um momento complicado e que foi interrompido de uma maneira um bocado absurda e que agora prossegue com a devolução dos corpos. Isto não se admite numa sociedade democrática. Vai reforçar a dor destas pessoas. Se fosse uma destas pessoas, intentaria uma ação de indemnização por perdas morais contra a Procuradoria-Geral da República [PGR]..Qual a sua opinião sobre a forma como este caso foi conduzido?.Lamento que o MP não tenha raciocinado a tempo e horas quanto à necessidade de fazer autópsias. Parecia óbvia. Se o MP abriu um inquérito sobre a morte de pessoas e sobre um surto de uma doença que pode ser letal, competia-lhe ter capacidade de discernimento de pensar que eram necessárias autópsias, e não entregar os corpos sem as mesmas. Trata-se de uma incúria do Ministério Público. Algo funcionou mal e é necessário responsabilizar a PGR e o MP pelo que aconteceu..Considera, portanto, que a Justiça falhou....Não podemos ter aquela ideia de que tudo quanto a Justiça faz está bem feito. A Justiça comete muitos erros. Este foi um erro grosseiro, básico, que não devia ter sido cometido. A PGR devia pedir desculpa pelo que aconteceu com o Ministério Público, porque isto não se faz. Houve tempo suficiente para pensar que tinham de se fazer as autópsias. Qualquer leigo perceberia isso. Gerir a Justiça é prever, ter capacidade de antecipação. Sabendo que vamos ter de estabelecer causalidade entre mortes e uma causa provável da morte, temos de ter o corpo autopsiado. Isto é básico. Alguma coisa falou. Por ignorância, por incompetência, por incúria... Não sei, não faço avaliações. Mas espero que alguém avalie este comportamento do Ministério Público e que os responsáveis sejam sancionados..Os familiares destas vítimas poderão vir a precisar de acompanhamento psicológico?.Claro que sim. O Estado tem de disponibilizar apoio a estas pessoas, porque há um sofrimento que pode, depende de cada um, precisar de intervenção psicológica. Repare-se o que é estar a velar uma pessoa próxima e de repente levarem o corpo. Isto é de um absurdo, surreal, parece um filme. Há um sofrimento que se vai revelar amanhã ou depois. Há um voltar atrás. Um refresh de todo o procedimento sem necessidade nenhuma. Os corpos estiveram na posse administrativa dos hospitais durante tempo suficiente para serem autopsiados. Isto não faz sentido. Houve responsabilidade de alguém. E esse alguém tem de ser punido, se for caso disso. Não podemos permitir que haja investigação que se deixa arrastar nessas coisas. Se exigimos tanto aos responsáveis políticos - e bem -, porque é que a Justiça há de estar isenta? Repito: isto foi um erro grosseiro de alguém. É preciso averiguar, inquirir e punir, se for necessário, dando uma justificação à comunidade. Não podemos daqui para a frente estar num velório e pensar que vêm levar o corpo para uma autópsia fora de horas.