Canibalismo fez parte de ritual para entrar em cartel mexicano
O México registou, em maio, 2186 homicídios e não é inédito encontrar nas ruas cadáveres decapitados ou desmembrados. A descoberta no início desse mês, no estado de Tabasco, de um corpo ao qual tinham sido cortadas as pernas e os braços, que estavam abandonados ao lado, parecia fazer apenas parte do dia-a- -dia de violência dos cartéis de droga. Mas não era. Dois jovens detidos no mês passado confessaram, sem mostrar arrependimento, que foram obrigados a cortar e a comer pedaços da carne da vítima numa espécie de ritual de iniciação para entrar no cartel Jalisco Nova Geração (CJNG), o mais poderoso no país.
O procurador-geral do estado de Tabasco, Fernando Valenzuela Pernas, confirmou a informação aos jornalistas, baseando-se na confissão dos adolescentes de 16 e 17 anos (por serem menores não foram identificados). Os jovens foram detidos junto com outras dez pessoas a 21 de junho, acusadas da morte, um mês antes, de cinco pessoas (três delas foram decapitadas, uma delas ainda em vida) num stand de vendas de automóveis, Autos Aladino, em Villahermosa, capital do estado. No local foi deixada uma mensagem do CNJG.
As autoridades mexicanas investigavam o crime (captado através das câmaras de vigilância) quando, a 26 de maio, encontraram o corpo desmembrado de um homem que teria entre 19 e 22 anos numa estrada em Cedro, a 11 quilómetros da capital. Junto aos membros havia outra mensagem do CNJG: "Isto aconteceu-me por ser ladrão e pedir uma quota. Todos os Zetas, CDG [Quartel do Golfo], chantagistas e quem os ajudar vão acabar assim. Começou a limpeza." A vítima, descobriram os peritos, tinha sido morta 12 horas antes e congelada.
A descoberta da ligação entre os crimes só foi feita três dias depois, quando seguindo uma pista anónima, a polícia foi recebida aos tiros numa rancho próximo do local onde foi encontrado o cadáver. No total, as autoridades conseguiram deter 12 pessoas, entre as quais estavam os dois adolescentes. Nos testemunhos, admitiram que o corpo desmembrado tinha sido guardado num congelador de uma das casas de refúgio do grupo. Os adolescentes estavam drogados quando cortaram alguns pedaços do corpo para os comer, segundo disse uma fonte ao jornal espanhol El País.
A antropofagia não é nova entre os cartéis mexicanos. Um dos fundadores dos Zetas, Heriberto Lazcano, conhecido como El Lazca, tinha fama de comer guisados feitos com a carne das suas vítimas - e servia--os também nas celebrações do cartel. "Estive em reuniões em que depois de condenar alguém e sentenciá-lo à morte, antes de o executar, [o líder] ordena que tome banho, até que rape o corpo todo, e deixa-os a relaxar por umas duas ou três horas; até dava uma garrafa de whisky para que relaxasse melhor. Depois, ordenava a sua morte de forma rápida, para que não haja segregação de adrenalina e a carne não fique amarga ou rija", indicou um dos antigos integrantes do cartel, Juan Sánchez Limón, ao jornalista mexicano Jesús Lemus, autor do livro Los Malditos. Crónica Negra desde Puente Grande (com testemunhos de condenados que estavam na prisão de alta segurança em Jalisco).
Os dez adultos detidos em Tabasco foram acusados de "associação criminosa, porte e posse de arma de fogo de uso exclusivo do Exército, Armada e Força Aérea, e crimes contra a saúde". O processo dos dois menores, também acusados do mesmo, está a ser tratado por uma agência especializada na criminalidade de adolescentes.
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O número de homicídios tem vindo a aumentar no México, batendo-se consecutivamente recordes a cada mês - se em maio tinham sido mortas 2186 pessoas, em junho foram 2234 (o equivalente a quase 75 mortos por dia). É o valor mais elevado em 20 anos, superando até os meses de 2011 que foi um dos mais complicados da guerra contra o narcotráfico iniciada pelo ex-presidente Felipe Calderón. Dados oficiais apontam ainda para o aumento nos sequestros, extorsões e roubos de carros. Cartéis como o CNJG adotaram estratégias de "criminalidade militarizada", que consiste em ataques frontais contra a polícia e as Forças Armadas e grande violência para garantir o domínio de territórios, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.