O Canelas 2010 é a grande surpresa da Taça de Portugal deste ano, por conseguir o apuramento para os quartos-de-final da prova. O clube apareceu no calendário desportivo nacional em abril de 2017, e não foi por um bom motivo: nesse mês, o país ficou a conhecer o clube por causa da agressão à joelhada de Marco Gonçalves, avançado da equipa de Vila Nova de Gaia, a um árbitro. O caso, que levou ao adiamento imediato do encontro com o Rio Tinto, fervilhou nas redes sociais e as imagens ultrapassaram fronteiras. Jornais como a Marca, o The Sun ou o Le Figaro noticiaram o caso..De repente, o modesto clube de Gaia estava nas bocas do mundo. As queixas multiplicaram-se e levaram à praça pública a discussão sobre a violência no futebol. As agressões em campo, a violência nas bancadas e as ameaças a treinadores e árbitros passaram a ser notícia diária. Os árbitros também se queixaram do clima hostil e confessaram em surdina o medo de ir ao campo do Canelas. A situação chegou ao ponto de o clube sofrer um boicote aos seus jogos por parte de 12 dos 13 clubes que pertenciam à Associação de Futebol do Porto (que se defendeu dizendo não ter queixas contra a equipa e o clube em questão)..Marco Gonçalves, também conhecido por Orelhas, foi julgado e condenado a 11 meses de prisão com pena suspensa, teve de pagar uma indemnização de 3600 euros ao árbitro e ficou proibido de frequentar estádios durante 11 meses, além de ter de ser acompanhado por técnicos de reinserção social. Um castigo que o obrigou a deixar de jogar futebol..Enquanto isto, o clube continuava o seu trajeto desportivo no Campeonato de Portugal (CP), depois de subir quatro vezes de divisão em cinco anos. Acabou por não conseguir a manutenção na primeira experiência no CP e voltou aos campeonatos regionais, mas não por muito tempo. Um ano depois, estava de volta ao terceiro escalão do futebol nacional, onde se encontra agora atualmente, na Série B, num confortável 10.º lugar. Uma progressão notável, tendo em conta que existe apenas há dez anos, mas idêntica a dezenas de clubes, não fosse a excelente campanha na Taça de Portugal deste ano. Já tinha feito história ao apurar-se para os oitavos e voltou a fazer ao apurar-se para os quartos-de-final. Pelo caminho, deixou equipas como Valadares Gaia, Ançã, Juventude de Pedras Salgadas e Sertanense..O clube foi (re)fundado em 2010 após a insolvência do antigo Canelas Gaia Futebol Clube (em 1999 chegou a jogar com o Sporting para a Taça de Portugal). O nome mudou, mas as infraestruturas foram aproveitadas. O estádio estava ao abandono e o relvado tinha mais ervas e arbustos do que relva. Mas, para muitos, o clube só começou com a entrada de Fernando Madureira, o líder da claque portista Super Dragões. Ele jogava no Mocidade Sangemil e despertou o interesse do Canelas, mas impôs condições para mudar de clube.."Falaram comigo e disse que não ia sozinho, que tinha de levar os que andam sempre comigo. Aceitaram e a partir daí tem sido um sucesso", afirmou o capitão do Canelas 2010 ao site Zerozero. Entre os jogadores que faziam parte do núcleo duro que acompanhava Madureira (conhecido por Macaco, nome que usa na camisola) desde os Passarinhos da Ribeira, estavam membros dos Super Dragões, como Chibante, Isaac, Aranha ou Marco Gonçalves. E assim nasceu o clube da claque afeta ao FC Porto, como ainda hoje é apelidado..Coincidência ou não, a polémica acompanha o clube desde então..O presidente que era jogador e agora é treinador adjunto.Isaac Santos era jogador da equipa quando foi desafiado pelo compadre Fernando Madureira a candidatar-se a presidente. "Somos uma família e quando soubemos que o presidente que estava na altura não ia ficar decidimos que eu era a melhor opção", contou ao DN o presidente, que foi eleito em 2018 com 37 votos a favor e uma abstenção. Depois resolveu pendurar as chuteiras, mas não disse adeus ao futebol, já que foi 'chamado' pelo novo treinador - Tiago Margarido - para ser seu adjunto. "Os jogadores acharam que a melhor forma de fazer a ligação com a equipa técnica era ter alguém que já tivesse estado no lugar deles e fizesse a ponte com o balneário", explicou o dirigente/técnico..E se o presidente tiver de despedir a equipa técnica? "Se os resultados não aparecerem...", respondeu Isaac, lembrando que o clube "é como uma família e é fácil tomar as melhores decisões para o clube"..Como presidente, não podia estar mais satisfeito com o desempenho da equipa na Taça. "Chegámos a esta fase com mérito nosso. Nunca pensámos chegar onde chegámos [quartos-de-final], mas agora vamos enfrentar o Académico de Viseu como se fosse o último jogo das nossas vidas. Fica um amargo de boca se ficarmos por aqui, porque queríamos enfrentar uma equipa da I Liga. Esta equipa merecia ir mais longe e sabemos que se passarmos vamos jogar com o FC Porto, que é a equipa do nosso coração", admitiu o dirigente..A ligação ao FC Porto e aos Super Dragões não é muito bem vista por alguns, mas isso não ofende quem faz parte do clube: "Lidamos bem com isso, toda a gente sabe que somos portistas, para nós seria um orgulho muito grande passar e ir jogar no Dragão, o que não quer dizer que lá fôssemos passear, não iríamos lá só para fazer a festa, iríamos querer jogar e mostrar o nosso futebol.".Dividido entre a presidência e o banco, Isaac conta com a "preciosa" ajuda de Francisco Duarte, o seu diretor desportivo, que é também o "braço-direito" e o "faz-tudo" do clube. O que é isso de "faz-tudo"? "É isso mesmo, faço o que é preciso para pôr as coisas as andar, para que eles, dentro do que é uma equipa amadora, possam ser o mais profissionais possível", explicou o diretor desportivo, lembrando que o orçamento de cem mil euros é "curto" para o Campeonato de Portugal: "É a nossa realidade, sabemos que é com sacrifício que as coisas são feitas, andamos sempre no fio da navalha, não há luxos, é só o essencial.".Também por isso ele se orgulha daquilo que têm conseguido na Taça. "O jogo com o Sertanense foi muito importante para a equipa, credibilizou a equipa e diluiu a imagem de equipa violenta", defendeu Francisco. E, apesar de admitir que houve "uma série de episódios" que ajudaram a construir a imagem de equipa violenta, garante que a realidade é mais ampla: "Uma entrada nossa é uma agressão, uma entrada de outra equipa é um lance viril. Eles enfrentam esse estigma e há que saber lidar com isso. Para os seniores, tudo bem, eles aguentam, mas para os miúdos da formação é que é pior, ouvem certas bocas e leva a que alguns desistam.".Treinador acredita na passagem."Orgulhoso" de chegar a esta etapa, o treinador Tiago Margarido quer "prolongar o sonho", após o apuramento histórico para os quartos-de-final da Taça de Portugal. O técnico da equipa gaiense evidenciou as qualidades do adversário de quinta-feira, o AC Viseu, e os fatores que poderão jogar contra o Canelas 2010. "Antevemos muitas dificuldades. É uma equipa muito intensa, com uma grande organização defensiva e que sai muito bem nas transições. É uma equipa muito equilibrada. Além disso, é uma equipa de um escalão superior e que não nos vai tornar a tarefa fácil", refere o treinador, salientando no entanto o facto de jogarem fora de casa..Tiago Margarido admitiu que a equipa está "a preparar muito bem o encontro", mantendo a esperança e a convicção de que é possível a equipa gaiense chegar ainda mais longe na prova: "Sabemos que vai ser muito difícil, mas estamos a preparar muito bem a partida. Acreditamos que seremos capazes de fazer história e que vamos estar na próxima fase da Taça de Portugal.".Ora, a próxima fase são as meias-finais e parece que todos sonham com um confronto com os dragões. "Nas meias-finais, queremos receber o FC Porto em Canelas e defrontar o FC Porto no Dragão, que é um sonho de todos os jogadores do Canelas. Esperamos conseguir ultrapassar o Académico de Viseu. Sabemos das dificuldades que iremos encontrar. É uma equipa muito boa, mas iremos lutar com as armas que tivermos para conseguir ultrapassá-la", disse há dias o capitão Fernando Madureira, líder dos Super Dragões e capitão de uma equipa avaliada em 50 mil euros pelo Transfermarket.