A Câmara Municipal de Lisboa não cumpriu um direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa e foi condenada a devolver o processo de reabilitação da piscina da Penha de França ao Estrelas São João de Brito..Esta obrigação surge depois de o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) ter considerado que a autarquia liderada por Fernando Medina tomou posse da infraestrutura de forma ilegal, apesar de na decisão ser reconhecida a validade dos argumentos da CML em vários pontos da sua contestação à ação judicial..Ou seja, a resolução do contrato-programa com o até então dono da obra, aprovada em 25 de junho de 2019, foi uma decisão ilegal pois não foi efetuada uma audiência prévia com o clube como mandam os regulamentos e está previsto como um direito fundamental na Constituição da República Portuguesa. No acórdão a que o DN teve acesso é ainda decidido que a Câmara de Lisboa tem de pagar 77 600 euros, mais IVA, de custas do processo..Perante esta decisão e questionado pelo DN fonte da autarquia respondeu que "como a decisão do Tribunal Arbitral do Desporto se refere a uma questão de forma (a não realização de uma audiência prévia), a Câmara Municipal de Lisboa está a ponderar proceder à referida audiência prévia. Não obstante, a CML mantém a contestação à competência do tribunal arbitral do desporto nestas matérias"..Esta deliberação, que segundo o clube não será suspensa mesmo que a câmara decida recorrer, é mais uma "acha para a fogueira" de um processo que começou em julho de 2013 e que tinha como objetivo a reabilitação da piscina da Penha de França que ficaria sob a tutela do Estrelas São João de Brito e disponível para os habitantes da freguesia lisboeta..O certo é que, até ao momento, a piscina não está concluída, o clube tem mantido um diferendo com a câmara relacionado com as obras e a forma como o projeto estava a ser cumprido, havendo também desacordo relacionado com os pagamentos ao clube dos trabalhos, o qual reclama uma dívida de 274 541,36 euros, no total de empreitada no valor de 775 mil euros..Neste cenário, a sentença do Tribunal Arbitral do Desporto - entidade a que autarquia, como refere na sua resposta ao DN, não reconhece competência para julgar este processo - é mais um ponto para acrescentar a este longo processo.Segundo o acórdão, a decisão favorável à Associação Centro Cultural e Desportivo Estrelas São João de Brito é justificada com o facto de a câmara não ter feito uma "audiência prévia" com os responsáveis do clube antes de ter aprovado a deliberação n.º 406/2019, segundo a qual "foi determinada a resolução do contrato-programa de desenvolvimento desportivo n.º 9/CML/DD/2013, de 30 de julho de 2013"..Na justificação o TAD recorre à Constituição da República Portuguesa para lembrar um "verdadeiro direito fundamental: 'Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa". Acrescenta que "na legislação ordinária, releva igualmente o artigo 308.º, n.º 2 do CCP, pelo qual se estabelece que '(...) a aplicação de sanções contratuais através de ato administrativo, (...) está sujeita a audiência prévia do cocontratante, nos termos previstos no Código do Procedimento Administrativo'"..Refira-se que ao apresentar a sua defesa a câmara alegou que a sua decisão não foi "tomada no âmbito de um procedimento administrativo stricto sensu (...)", tendo sido "tomada no âmbito e no exercício de um direito potestativo resolutivo"..Penha de França. Piscina mete água mas ninguém lá pode nadar. O engenheiro da obra que afinal não é .Na exposição ao tribunal, a autarquia alega que "a demandante [o clube] sempre ter contado com a cooperação e, até, tolerância, da entidade demandada [a câmara] com vista a ultrapassar todas as vicissitudes tidas como motivadoras dos sucessivos atrasos na conclusão da obra, não só nunca se traduziu em qualquer 'entendimento' ou 'acordo' com a mesma que legitimasse tais atrasos, como não pode ser interpretado de forma desresponsabilizante para aquela"..Garante também que "nunca elaborou ou contratou a elaboração de qualquer projeto para a requalificação da piscina da Penha de França, durante a vigência do contrato-programa e à revelia da demandante"..Alegam igualmente os responsáveis autárquicos que o clube reconhece que "desde outubro de 2016 - termo do prazo contratual para conclusão da empreitada - que a obra de requalificação que esta se obrigou a contratar e executar se encontra por concluir, por alegado incumprimento contratual do empreiteiro, o qual, segundo a própria [o clube], terá abandonado a obra"..Aos argumentos da câmara os responsáveis do Estrelas São João de Brito responderam que este não desrespeitou as "obrigações/deveres", do contrato defendendo que a não conclusão da obra "não pode ser imputada à demandante" mas sim "ao empreiteiro que não cumpriu desde logo a sua obrigação contratual de obedecer, na execução da empreitada, ao projeto de execução"..Frisam mesmo que esses alegados incumprimentos eram "do conhecimento do demandado, que inclusive participou em reuniões para ultrapassar os problemas em obra criados pelo empreiteiro"..Quando questionada pelo DN sobre o futuro deste processo fonte da autarquia sublinhou que "as obras de reparação dos danos e deficiências na piscina da Penha de França vão ser feitas de modo a que, no mais curto espaço de tempo possível, este equipamento seja utilizado pela população"..Contactado pelo DN, Nuno Lopes, presidente da direção da Associação Centro Cultural e Desportivo Estrelas São João de Brito, garantiu que o clube vai "tomar posse administrativa [da piscina] dentro dos prazos legais". O dirigente lembra que a câmara foi agora condenada pelo Tribunal Arbitral do Desporto por ter "violado a Constituição ao não nos dar direito a ter uma audiência prévia" antes de tomar a decisão pela resolução do contrato-programa.."Vamos fazer uma vistoria [à obra] quando tomarmos posse. O que está feito até agora não cumpre o projeto. Está tudo mal feito", acusa, ao mesmo tempo que garante ir levar este assunto à reunião de câmara desta quarta-feira (28 de outubro)..Na sua decisão assinada pelo presidente do colégio arbitral, Tiago Serrão, o TAD explica que apreciou e deliberou sobre a "validade jurídica de um ato administrativo (colegial) praticado no âmbito de uma relação contratual que une unicamente as partes processuais aqui em causa". Ou seja, apenas decidiu sobre a atitude da autarquia em anular o contrato-programa assinado com o clube, não analisando outras questões como as que envolvem a empresa responsável pela obra que se iniciou em 2016 e que ainda não está concluída..Nas suas conclusões - já depois de ter considerado que o clube tem responsabilidades no facto de a obra não estar concluída - o TAD frisa: "Verifica-se um incumprimento objetivo e definitivo do contrato-programa de desenvolvimento desportivo aqui relevante e, ainda, um incumprimento imputável à demandante [clube], pois a circunstância de ter sido celebrado um contrato de empreitada entre a demandante e um terceiro - ou seja, um sujeito alheio à relação contratual que une as partes em presença nestes autos - não desonera a demandante do cumprimento das suas obrigações contratuais, muito menos da sua obrigação central.".Apesar desta análise o tribunal deu razão no processo ao Estrelas São João de Brito devido ao facto de a câmara não ter cumprido uma parte considerada essencial da ação: a realização de uma audiência prévia à decisão de resolução do contrato.."[...] Assim o impõe, desde logo, a Constituição da República Portuguesa, devendo falar-se, neste âmbito, de um verdadeiro direito fundamental: 'Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa", pode ler-se no acórdão em que se acrescenta: "Ao não ter sido assegurado o direito à audiência da demandante, no contexto de um procedimento administrativo sancionatório, foi preterido pelo demandado, um direito fundamental da demandante - precisamente a posição jusfundamental com assento no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa - e, nessa medida, o ato impugnado neste autos é nulo [cfr. o artigo 161.º, n.º 1 e n.º 2, alínea d)] - nulidade que é do conhecimento oficioso, ou seja, que não tem de ser invocada pela impugnante.".E conclui o documento: "A nulidade do ato em crise é, assim, uma realidade, encontrando-se o entendimento aqui sufragado em linha com o decisório que tem vindo, desde há largos anos, a ser adotado na jurisprudência administrativa e fiscal.".A novela em torno da reabilitação desta piscina - as obras tinham um orçamento de 775 mil euros - começa em 2013, ano em que foi celebrado um protocolo entre o clube e a Câmara Municipal de Lisboa. Depois da intervenção do Tribunal de Contas e de uma alteração do projeto foi feita uma adenda ao acordo, o qual passou a incluir três entidades: clube, autarquia e Junta de Freguesia da Penha de França. Manteve-se o pagamento assumido pela câmara e o prazo de vigência do compromisso passou de 12 anos (renovável automaticamente por períodos de cinco anos) para quatro (renovável por um período único de três anos)..Ficou então previsto que a inauguração da obra deveria acontecer em novembro de 2016. Porém, chegada a data nada aconteceu. Na altura, o Estrelas São João de Brito acusou a empresa contratada (Tanagra Empreiteiros) de estar a entregar uma obra com defeitos - por exemplo, tem infiltrações e o chão da piscina não está feito de modo a que ao ser esvaziada a água escoe - e não regularizou as verbas que faltavam pagar..Perante a paragem das obras e o acumular de atrasos que o presidente do Estrelas São João de Brito imputava à câmara e à construtora - a primeira por não efetuar as transferências de verbas acordadas e a segunda por ter deixado a obra mal feita, o que vai levar a que seja feita uma nova intervenção -, a autarquia explicou numa reunião de câmara em julho de 2018, pela voz do então vice-presidente e atual secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares Duarte Cordeiro, que este era um "tema complicado, difícil e que exige cuidado, pois queremos preservar a continuidade da atividade do clube". Na altura explicou que a "Câmara Municipal de Lisboa celebrou um contrato para que o clube realizasse obras de reabilitação da piscina. Houve uma primeira versão e mais tarde, no anterior mandato, foi feita uma renegociação em que o risco foi transferido quase todo para o clube, ou seja, os trabalhos a mais são da responsabilidade do clube"..Certo é que o tema se foi arrastando até que a 25 de junho de 2019 a autarquia aprovou a resolução do contrato-programa, decisão essa que foi agora revertida pelo Tribunal Arbitral do Desporto.