Bruno, o guarda-redes que matou a ex-namorada voltou ao futebol em regime semiaberto
Bruno Fernandes das Dores de Souza era o guarda-redes titular do Flamengo, aos 25 anos uma das grandes promessas do futebol brasileiro, apontado à seleção canarinha, e até chegou a entrar no radar do Benfica. Mas em 2010 tudo se desmoronou. O guardião foi acusado de ser o mandante da morte de Eliza Samudio, uma modelo brasileira com quem tinha mantido uma relação extraconjugal, da qual nasceu um filho, foi detido e condenado a prisão efetiva de 22 anos e três meses por homicídio, ocultação de cadáver e sequestro. A pena, após vários recursos, foi reduzida em 2017 para 20 anos e nove meses.
A juíza considerou na altura o assassínio como uma trama diabólica com detalhes sórdidos, que envolveu ainda a mulher do guarda-redes, um primo (cujo depoimento foi decisivo para a acusação), um amigo e um polícia. Foram encontrados vestígios de sangue num carro e numa casa de Bruno, mas o corpo jamais apareceu. De acordo com o que foi escrito na acusação, terá sido esquartejado e dado aos cães. O Flamengo tomou imediatamente medidas e logo que o jogador foi preso despediu-o através de um telegrama enviado para a prisão.
Nove anos depois desta sórdida história, e atualmente com 34 anos, Bruno de Souza está de regresso ao futebol. E no passado fim de semana foi finalmente apresentado como novo jogador do Poço de Caldas FC (clube que atua na II Divisão do campeonato mineiro), ele que atualmente cumpre prisão em regime semiaberto, e que só depois de ter autorização da justiça brasileira pôde deslocar-se para ser anunciado - a apresentação chegou a estar agendada para 25 de setembro, mas foi adiada precisamente porque Bruno não tinha autorização para viajar de Varginha, onde reside, para Poço de Caldas.
Durante a apresentação, os jornalistas foram impedidos de fazer perguntas relacionadas com o homicídio. "Acho que as pessoas esperam o mesmo guarda-redes que atuou no Flamengo, no Corinthians, no Atlético-MG. Faço disso um desafio, e apenas o dia-a-dia, o trabalho diário, através da minha vontade, da força de vontade, vai mostrar onde eu posso chegar. Ainda tenho muita lenha para queimar. Há jogadores aí hoje chegando aos 40, tenho 34, e jogando na posição de guarda-redes ajuda", disse.
Neste mesmo dia da apresentação, Bruno teve a possibilidade de voltar a estar entre os postes. A equipa jogava um particular com o Independente, um clube amador, e o guarda-redes, depois de ter visto a primeira parte nas bancadas, equipou-se, pôs a braçadeira de capitão e foi colocar-se na baliza para os seus primeiros 45 minutos depois de muitos anos.
Apesar de ter sido contratado em agosto, só neste último fim de semana foi apresentado como reforço. E Bruno não vai para já poder representar a equipa a nível oficial, devido a questões judiciais, até porque nem sequer está autorizado a mudar de cidade. A ideia é treinar na cidade onde reside com um personaltrainer e juntar-se aos colegas de equipa assim que a justiça o permitir. O guarda-redes espera que pelo menos três vezes por semana isso possa acontecer.
"Pela primeira vez pude sair de Varginha. Ali sinto-me praticamente em casa. Da mesma forma que eu consegui conquistar aquelas pessoas, tenho certeza de que, se as pessoas me derem essa oportunidade de estar aqui em Poços de Caldas, tenho certeza de que a partir do momento que passarem a conhecer o Bruno mais de perto, ver o ser humano que é, tenho a certeza de que pode mudar a forma de pensar de muita gente. Vou ter uma grande oportunidade de mostrar este novo eu", referiu.
Bruno foi anunciado como reforço do Poço de Caldas FC em agosto. E nas redes sociais os adeptos dividiram-se entre os que estavam contra e os que estavam a favor, mas maioritariamente a decisão não foi bem acolhida. O clube, contudo, decidiu manter a aposta, ao contrário do que aconteceu em 2017, quando o Boa Esporte, de Minas Gerais, decidiu contratar o guarda-redes numa altura em que Bruno tinha recebido um habeascorpus. Mas a polémica nas redes sociais foi tanta que, aliado ao facto de os patrocinadores terem ameaçado deixar de apoiar o clube, o Boa Esporte decidiu desistir da contratação.
Nessa altura foi até criado um movimento contra a contratação de Bruno que reuniu milhares de seguidores no Facebook. "Um feminicida não pode continuar a ter uma vida aclamada pelos media. Bruno deixou de ser apenas um guarda-redes, a sua imagem e a sua fama carregam a prontidão de se aliviar violência de género, a facilidade de esquecer a vida de uma mulher em detrimento do trabalho num desporto reconhecido", podia ler-se na espécie de manifesto.
Bruno deixou a prisão de Varginha no dia 19 de julho deste ano, depois de a 1.ª Vara Criminal e de Execuções Penais da Comarca da cidade ter concedido ao jogador a possibilidade de cumprir o restante da pena em regime semiaberto, em casa. Mas foram-lhe aplicadas algumas condicionantes, como o facto de ser obrigado a permanecer na residência entre as 20.00 e as seis da manhã, incluindo fins de semana e feriados. Além disso terá de se apresentar mensalmente ao tribunal para dar conta de todas as suas atividades, ficando também obrigado a cumprir serviço numa entidade pública de pelo menos sete horas semanais. Em outubro de 2018, Bruno já tinha beneficiado de um regime idêntico, mas voltou para a prisão depois de ter sido apanhado num bar num horário em que estava expressamente proibido de sair de casa.