Boris: da "imunidade de grupo" ao medo do segundo pico
O primeiro-ministro britânico regressou esta segunda-feira ao trabalho, precisamente um mês e um dia após ter sido diagnosticado com o novo coronavírus, que o iria levar até à unidade de cuidados intensivos do hospital de St. Thomas. À porta do número 10 de Downing Street, Boris Johnson avisou que seria demasiado arriscado levantar já o confinamento e pediu aos britânicos para "conterem a impaciência".
"Se este vírus fosse um atacante, um assaltante inesperado e invisível, que posso dizer-vos de experiência própria que é, então este é o momento em que juntos começámos a atirá-lo ao chão", disse Boris Johnson, de 55 anos, que após sair do hospital passou duas semanas a recuperar as forças na casa de campo dos primeiros-ministros britânicos, em Chequers.
O primeiro-ministro considera que há melhorias na situação, que considerou a mais grave desde a II Guerra Mundial. Admitindo os problemas que o confinamento prolongado representa para a economia, Boris Johnson avisou contudo que é preciso "reconhecer o risco de um segundo pico, o risco de perder o controlo do vírus", porque isso "seria não apenas uma segunda vaga de morte e doença, mas um desastre económico".
O governo britânico está a ser pressionado pela oposição e pelos empresários a apresentar a estratégia para a saída do confinamento.
O primeiro-ministro pediu aos britânicos para "conterem a impaciência", dizendo acreditar que o Reino Unido está a chegar ao fim "da primeira fase deste conflito". Quando o país chegar à segunda fase, referiu, será possível ir gradualmente levantando os constrangimentos e voltar a "ligar os motores desta vasta economia".
Boris Johnson disse contudo que não é possível ainda dizer quando isso será ou quão rápidas ou lentas serão feitas as mudanças, prometendo que o governo dirá mais nos próximos dias.
"Se pudermos mostrar o mesmo espírito de união e determinação que mostrámos nas últimas seis semanas, então não tenho dúvidas de que vamos vencer juntos" o coronavírus, concluiu.
O discurso de Boris Johnson no regresso ao número 10 de Downing Street é muito diferente dos que proferiu no início da pandemia, quando defendeu a ideia da "imunidade de grupo" e demorou tempo em decretar a necessidade de confinamento. A mudança de tática deu-se quando as projeções apontaram para o risco de 250 mil mortes só no Reino Unido.
A ideia da imunidade de grupo (em inglês, herd immunity ou imunidade de manada) aplica-se normalmente quando um grande número de crianças é vacinada contra uma doença como o sarampo, reduzindo por isso as possibilidades de os outros desenvolverem a doença.
No domingo, as autoridades britânicas anunciaram a morte de mais 413 pessoas nos hospitais nas últimas 24 horas, o valor mais baixo no mês de abril, mas o número de óbitos já ultrapassou os 20 mil (20 732), um número que, no início da pandemia, o governo disse ser positivo se fosse possível ficar abaixo.
O problema é que estes dados (que colocam o Reino Unido como quinto país em óbitos atrás dos EUA, Itália, Espanha e França), são apenas referentes aos mortos nos hospitais, podendo a realidade ser ainda muito mais grave -- nos lares fala-se em milhares de mortos.
O confinamento foi declarado apenas a 23 de março, com o governo a ser criticado depois disso pela falta de testes e pela falta de material de proteção para os profissionais de saúde. No meio de tudo isto, Boris Johnson ficou infetado e após uma semana em isolamento, quando se dizia que os seus sintomas eram apenas ligeiros, acabaria por ser hospitalizado e colocado na unidade de cuidados intensivos, onde passou três noites (recebendo oxigénio, mas sem precisar de ser ligado ao ventilador).