"Bolsonaro é um psicopata", diz deputada a quem um dia chamaram "Bolsonaro de saias"

Joice Hasselman, deputada mais votada da história do Brasil, afirma que nunca conheceu "pessoa mais execrável na vida". "Quando o apoiei, sabia que era burro e ignorante, não sabia que era corrupto"
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Acabada de se transferir do PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro concorreu à presidência da República em 2018, para o PSDB, a histórica formação de Fernando Henrique Cardoso, entre outros, a deputada Joice Hasselman, 43 anos, classifica o presidente da República do Brasil como "psicopata".

Outrora apelidada de "Bolsonaro de saias", pela defesa acalorada em campanha eleitoral do hoje presidente, a parlamentar reconhece, em entrevista ao DN, que sabia que ele, a família e o núcleo mais próximo eram "burros". "Mas não que eram corruptos, e aí não dá".

Nas eleições de 2022 admite concorrer outra vez à Câmara dos Deputados - em 2018 tornou-se, com um milhão de votos, a mulher mais votada da história - ou ao Senado Federal. Para a presidência, apoia João Doria, o governador de São Paulo e correligionário no PSDB, mas admite ficar dividida caso Sergio Moro, ex-juiz e ex-ministro da justiça, concorra.

Dividida ficará também se à segunda volta chegarem Lula da Silva, o líder das sondagens, e Bolsonaro. "Seria como escolher entre morrer com tiro no coração ou tiro na cabeça".

Hasselman fala até do acidente (segundo ela, atentado) que sofreu em julho e a deixou com múltiplas fraturas.

Hoje, quando olha para o apoio acalorado que deu a Bolsonaro e para aquela alcunha "Bolsonaro de saias" sente constrangimento?

O "Bolsonaro de saias" foi uma alcunha que a esquerda tentou colar em mim mas que não existe mais porque hoje eu faço mais oposição ao governo do que a esquerda. Na altura, 2018, até adotei a alcunha. Pensei, "se apoio Bolsonaro, posso usar essa expressão na minha campanha". Pensei o mesmo depois, quando a extrema-direita me começou a chamar de Peppa Pig no momento em que, em 2020, concorri à prefeitura de São Paulo, usei a Peppa Pig na campanha. Também não cola mais essa alcunha porque eu hoje estou magrinha, linda e maravilhosa. Se eles, à esquerda e à direita, acham que me magoam dessa forma, coitados, teriam de nascer de novo para o conseguirem.

Passar de apoiante a crítica de Bolsonaro deve ter sido mais um processo do que um momento. Mas consegue lembrar-se de algum instante que tenha definido essa conversão?

Consigo. Eu era pelo impeachment da Dilma, era pro-Lava Jato e ao ver o Bolsonaro abraçando essas causas apoiei-o em campanha. Já deputada, fui líder parlamentar do governo na Câmara e todos os dias falava com a imprensa porque se fosse o filho do Bolsonaro ou outro qualquer desse tipo a falar com os jornalistas eles iriam dizer tanta besteira que prejudicariam as reformas que queríamos fazer. Mas o momento em que eu senti que tinha de dar um basta foi quando o Bolsonaro me coagiu a defender o ladrão do Flávio [primogénito do presidente, senador e investigado por desvio milionário de salários de assessores por décadas]. No gabinete dele, no Planalto, eu disse-lhe que não defendo bandido, de esquerda ou de direita, e ele foi até agressivo, fez um gesto de ameaça. Olhe que eu sou lutadora [de krav magá, muay thai e boxe] e na hora até pensei "é hoje que eu derrubo esse cara".

E depois?

Depois desci do gabinete dele e fui dizer à imprensa que defendia a investigação do Flávio e que segunda-feira sairia do governo. Ele antecipou-se e mandou-me embora no sábado para dar aquele ar de que foi ele que me demitiu.

Como define Jair Bolsonaro, do que conhece dele enquanto ser humano e enquanto político?

Um psicopata. A pessoa mais execrável que conheci na minha vida.

Como lidou com ele tanto tempo?

Como líder do governo na Câmara, eu era a única que lhe dava broncas, que o tratava como um moleque que fez asneira. Ele tinha até medo. Um dia, estava eu na residência do presidente da Câmara na época, o Rodrigo Maia, ele ligou-me depois de dizer mais uma besteira qualquer publicamente e eu repreendi-o. O Rodrigo ouviu e disse-me "Joice, você tem que ser a nossa ponte com o governo porque é a única que consegue dizer não a esse maluco". E lidei tanto tempo porque pensei que ele e a família fossem só burros, estúpidos, ignorantes. Não sabia que, além disso, eram corruptos. E aí não deu mais.

Ao romper com ele foi atacada pela "milícia digital" em torno do presidente. Que episódios mais a marcaram desses ataques?

O que me magoou foram as montagens com a minha foto no corpo de uma atriz pornográfica porque espalharam-nas na escola do meu filho mais novo. Com a minha filha não tenho problemas, é mais velha, já estuda medicina, sabe como as coisas funcionam. Mas eles foram no meu filho e depois ameaçaram até a minha mãe, ou seja, como a mim não me atingiam, foram magoar as pessoas à minha volta.

Daí partiu a investigação a essa "milícia"...

Aí comecei a investigar o Gabinete do Ódio, que parecia até então apenas uma expressão dos jornais para definir um bando de moleques que se reunia atrás de um computador a atacar pessoas. Mas não. Descobri que se tratava de uma organização criminosa, partindo sobretudo dos gabinetes do Carlos [vereador do Rio de Janeiro, segundo filho de Bolsonaro] e do Eduardo [deputado federal, terceiro filho de Bolsonaro] mas com o apoio do gabinete do Flávio e com mais dois elementos, vindos do Ceará, contratados pelo próprio gabinete do presidente.

Acabou de trocar o PSL pelo PSDB. O que pretende fazer em 2022? É candidata à reeleição como deputada?

Seria o mais natural. Mas o PSDB é muito grande, tem muitas alas, tanto que há gente que aplaude a minha chegada e há gente que torce o nariz. Uma dessas alas tenta convencer-me a concorrer ao Senado, substituindo o José Serra, em idade avançada, e buscando ter mais mulheres na bancada. Sinto uma pressão, mas uma pressão boa, nesse sentido. Vamos ver, deputada ou senadora, será por aí. Uma coisa para que não tenho vocação é para ser vice, já recusei ser vice, quero ter a mão na massa, quero ter a responsabilidade.

Disse que apoia [o governador de São Paulo], João Doria, na corrida presidencial. Mas e se Sergio Moro, de quem é próxima, concorrer?

Apoio o Doria para presidente mas, antes de tudo, temos de esperar pelas prévias do PSDB, claro, em que ele concorre com o [governador do Rio Grande do Sul] Eduardo Leite. Entretanto, sou biógrafa do Sergio Moro. Num caso desses admito que ficaria com o coração dividido e teria de servir de cupido entre os dois, de fazê-los fumar o cachimbo da paz. Mas duvido que o Sergio concorra, é apenas "achismo" mas acredito que ele vai concorrer ao Senado e, nesse caso, até de pantufas em casa sem sair para a rua ele seria eleito. E acredito que a mulher dele [a advogada Rosângela Wolff Moro] seja candidata a deputada, por exemplo. Mas temos de nos sentar todos e pensar.

Se à segunda volta chegarem Lula e Bolsonaro, quem apoia?

Está me perguntando se eu quero morrer de tiro na cabeça ou de tiro no coração? Nenhuma dessas desgraças. Se acontecer, pela primeira vez na vida, não iria votar, votaria nulo, em branco, sei lá. Por isso vou dar a minha vida por outra opção até porque quem chegar à segunda volta com qualquer deles, ganha. Para já, o Lula está bem à frente porque só mesmo um presidente muito ruim, como o Bolsonaro, conseguiria chegar mais desgastado a uma eleição, com apenas três anos no poder, do que um que esteve lá por uns 14. Mas enfim... Achávamos que estávamos a tratar de um cancro, o PT, mas estávamos a alimentá-lo e hoje temos mais desemprego, mais recessão.

No dia 18 de julho acordou, na sua casa, em Brasília, com fraturas e hematomas. A polícia investigou se teria sido acidente, atentado ou até caso de violência doméstica. Concluiu que foi acidente. Ficou convencida?

Não, não foi acidente. Se eu tivesse 110 anos de idade e caísse, mesmo assim a queda não explicaria cinco fraturas no rosto, na coluna, na cabeça, dentes quebrados, joelho magoado...

A polícia investigou mal?

Não sei se a polícia investigou mal, não é isso, mas pode ter sido tão bem planeado que não deu para descobrir, aquele prédio não tem câmaras de segurança, nada, mas continuo convencida de que foi atentado. Agora, sem provas, não posso afirmar. Quanto à violência doméstica, isso foi logo descartado, o meu marido é um santo, um fofo, nunca falou alto sequer comigo, era mais provável eu bater nele.

dnot@dn.pt

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