Os homens chegaram quando os alunos internos da escola secundária de Ciências na cidade de Kankara, no estado nigeriano de Katsina, se preparavam para dormir, no dia 11, sexta-feira. Aos primeiros tiros, houve alunos que tentaram fugir, outros que se esconderam. Mas os homens disseram que estavam ali para os proteger e acabaram por os juntar todos no mesmo espaço, antes de os dividirem em três grupos e levarem-nos a pé pela floresta para o estado vizinho de Zamfara..O ataque em que centenas de alunos foram levados foi perpetrado por grupos armados, mas reivindicado pelo Boko Haram, o grupo terrorista que está ativo há mais de uma década. O grupo, liderado por Abubakar Shekau, reivindicou na terça-feira o ataque, que ocorreu a centenas de quilómetros da zona onde tradicionalmente opera. O mesmo grupo que, em 2014, raptou 276 alunas de uma escola de Chibok; mais de uma centena continuam desaparecidas..Desta vez, ainda não é claro o número de jovens raptados (a escola era para alunos do sexo masculino). As autoridades nigerianas dizem que 333 adolescentes continuam desaparecidos, mas num vídeo divulgado nesta quinta-feira, em que se veem alguns dos jovens sequestrados, um dos rapazes diz que é um dos 520 que foram levados pelo grupo de Shekau..À AFP, fontes dos serviços de segurança nigerianos indicaram que o Boko Haram recrutou três grupos criminosos locais para esta missão. O grupo de Shekau terá feito uma aliança com Awwalun Daudawa, um assaltante e ladrão de gado que se transformou no líder de um gangue que há anos aterroriza as comunidades no noroeste da Nigéria, traficando armas da Líbia, onde recebeu treino. Daudawa terá agido em colaboração com Idi Minorti e Dankarami, líderes de dois outros grupos.."Depois de as crianças terem sido levadas, atravessaram a fronteira para o estado de Zamfara e foram divididas entre os diferentes grupos para serem "mantidas seguras". E alguns dos grupos estão em contacto com as autoridades para entregarem os rapazes", de acordo com outra fonte da agência francesa. Na prática isso significa que os adolescentes ainda não estão nas mãos do Boko Haram e que as autoridades ainda têm margem para negociar com os grupos criminosos..Oficialmente, o nome do grupo é Jama'tu Ahlis Sunna Lidda'awati wal-Jihad (que pode ser traduzido por "pessoas comprometidas com a propagação dos ensinamentos do profeta e da guerra santa"), mas ficou conhecido como Boko Haram, que significa "a educação ocidental é proibida". Foi fundado em 2002 no norte da Nigéria, de maioria muçulmana, uma das zonas mais pobres do país mais rico de África (mas com grandes diferenças regionais)..O fundador e líder espiritual, o clérigo Muhammad Yusuf, acusava os líderes do país de corrupção e de negligenciar as regiões muçulmanas, alegando que tudo o que de mal existia no país se devia aos valores ocidentais deixados pelo antigo colonizador, o Reino Unido. Na sua versão do islão, os muçulmanos estavam proibidos de participar em qualquer atividade política ou social ligada aos valores ocidentais, incluindo votar ou receber uma educação secular. O objetivo era instalar a sharia (lei islâmica)..Yusuf foi preso em agosto de 2009, já depois de um ataque das forças de segurança à mesquita e sede do grupo, em retaliação pelos ataques contra esquadras de polícia e edifícios governamentais em Miaduguri, capital do estado de Borno. Cerca de 800 pessoas morreram e a mesquita e sede do Boko Haram foi deixada em ruínas. Yusuf acabaria por ser morto, com as autoridades a alegar inicialmente que teria tentado fugir, quando na realidade terá sido executado em frente a uma multidão diante da esquadra. As autoridades alegaram que o grupo estava desfeito..Mas o seu sucessor, Abubakar Shekau, intensificou os ataques, optando por liderar campanha de violência. O mais famoso ataque, que lhes deu visibilidade internacional, foi o rapto das meninas da escola de Chibok, em 2014..DESTAQUE: Dois anos depois, Boko Haram pede resgate pelas raparigas de Chibok .Entretanto, os membros do grupo terão treinado com a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico, no norte do Mali, em 2012 e 2013, e aos poucos foram ganhando terreno no nordeste da Nigéria, com a violência a espalhar-se também para os vizinhos Camarões, Chade e Níger. Em agosto de 2014, Shekau terá mesmo proclamado um "califado" na cidade de Gwoza, no estado de Borno, e já em março de 2015 declarou a sua lealdade ao Estado Islâmico, no Iraque e na Síria..Desde o início do conflito, estima-se que três milhões de nigerianos tenham sido obrigados a abandonar as suas casas e mais de 36 mil pessoas tenham morrido..Há cinco anos, depois de uma campanha de força que contou com apoio internacional, o presidente nigeriano, Muhammadu Buhari, alegou que o Boko Haram estava "tecnicamente derrotado". Perderam território, mas nunca chegaram a desaparecer totalmente. E apesar de ter havido julgamentos em massa, a partir de outubro de 2017, muitos militantes foram libertados por falta de provas - cerca de uma centena foram condenados..Os ataques continuaram, a alvos militares, mas também civis - algumas das meninas de Chibok chegaram a ser usadas em atentados suicidas..Entretanto, em 2016, houve uma cisão no Boko Haram, com o aparecimento do grupo do Estado Islâmico da Província de África Ocidental (ISWAP, na sigla em inglês), formado pelo filho de Muhammad Yusuf, Abu Mus'ab al-Barnawi, que se revoltou com os ataques indiscriminados a civis. Terão tido o apoio do Estado Islâmico e empreenderam vários ataques contra alvos militares, além de terem raptado trabalhadores humanitários e cristãos..Este segundo grupo está particularmente ativo na região junto à fronteira com o Chade e o Níger. Alguns analistas acreditam que o Boko Haram não estaria na realidade por detrás do mais recente sequestro em Kankara, apenas estaria a tentar ficar com os louros da história, numa guerra interna para mostrar que teria mais poder do que o ISWAP..Os acontecimentos da passada sexta-feira foram contados por alguns dos alunos que conseguiram fugir ao sequestro. Um rapaz de 17 anos contou à BBC que foram empurrados e agredidos e passaram a noite a andar, sendo autorizados a dormir apenas alguns minutos antes do despertar do novo dia. "Depois de nos sentarmos, encostei-me e encontrei uma árvore onde me escondi", contou o jovem, dizendo que quando foi dada ordem para continuar a marchar, ficou escondido e só depois de todos se terem ido embora é que saiu do esconderijo e foi à procura de ajuda..À AFP, Umar Ahmed, de 18 anos, contou que inicialmente pensou que os homens eram vigilantes, mas que quando os tiros começaram fugiram. "Eles começaram a gritar que devíamos regressar, porque eles estavam na escola para nos salvar. E a maioria de nós regressou", contou. Depois de horas a caminhar, Ahmed disse que se conseguiu esconder atrás de um arbusto com um colega, aguardando em silêncio até terem o caminho livre para voltar para trás..No vídeo divulgado nesta quinta-feira, de seis minutos, um rapaz fala diante de dúzias de crianças. Numa mistura de inglês e de hausa, o jovem diz que foram raptados pelo grupo de Shekau e que alguns deles foram mortos pelos caças nigerianos, pedindo às tropas governamentais que foram enviadas para os ajudar para recuarem. Exige o fecho de escolas que não sejam escolas corânicas. Ao fundo, muitas crianças choram..Alguns excertos do vídeo foram partilhados nas redes sociais..Twittertwitter1339592486159708167