Bill Gates avisa: "Esperem 2 a 3 meses de fecho completo"
O co-fundador da Microsoft, Bill Gates, tem vasta experiência em questões globais de saúde pública graças ao seu trabalho na Fundação Bill & Melinda Gates e é uma das pessoas que tinha vindo a alertar nos últimos anos para uma pandemia como aquela que estamos agora a viver. Esta quarta-feira, Gates participou numa sessão de perguntas e respostas da rede social Reddit, recebendo várias perguntas sobre o SARS-Cov-2 (Covid-19) especificamente, mas também sobre epidemias em geral.
Gates anunciou que a fundação que tem com a mulher - e que tem como um dos maiores mecenas o seu amigo e investidor Warren Buffet - já se comprometeu com 100 milhões de dólares para ajudar na resposta global ao vírus, um valor a que somou 5 milhões de dólares focado só no seu estado, Washington, um dos mais fustigados nos Estados Unidos com casos de Covid-19 e mortes associadas à doenças.
Numa das explicações mais esclarecedoras, Bill Gates, que se tem rodeado de especialistas neste tipo de matérias nos últimas anos e é já um estudioso do tema, deixou dois tipos de alerta: primeiro que os países ricos se preparem para dois a três meses com tudo parado ou perto disso e isolamento completo; depois que quando chegar em força a países pobres o vírus pode ter efeitos ainda piores.
"A fase atual tem muitos casos em países ricos. Com as ações certas, incluindo os testes e o distanciamento social (que eu chamo de "shut down" - fecho do país) entre dois e três meses deverá permitir aos países ricos evitar os níveis elevados de infeção. Preocupa-me todo o dano que será feito à economia destes países, mas será ainda pior a forma como o vírus vai afetar os países em vias de desenvolvimento, que não conseguem cumprir o distanciamento social da mesma forma que os países ricos e cuja capacidade hospitalar é muito inferior."
Após o final da pandemia, Gates espera que os países possam trabalhar juntos para se preparar melhor para situações semelhantes, algo que admite nem sempre aconteceu no passado recente - incluindo o próprio executivo de Donald Trump. Diz mesmo que haverá a "necessidade de ter a capacidade de ampliar rapidamente diagnósticos, medicamentos e vacinas... as tecnologias existem para fazer isso bem se os investimentos certos forem feitos". Os 100 milhões em que a Fundação Bill & Melinda Gates está a investir é precisamente para combater o novo coronavírus com foco nessas três áreas.
Já sobre a vacina: um medicamento vai chegar primeiro
Um medicamento que ajuda a aliviar a doença Covid-19 deve estar disponível bem antes da vacina, como já se viu pelas notícias vindas da China. Gates admite que isso pode reduzir o número de pessoas que precisam de cuidados intensivos, incluindo os escassos (para tanta necessidade quando o vírus ataca muitas pessoas ao mesmo tempo) ventiladores.
A sua fundação organizou um chamado Acelerador de Medicamento precisamente para analisar todas as ideias mais promissoras e colocar em atuação de forma rápida todos os recursos da indústria. "Espero que saia algo de importante deste esforço, e tanto pode ser um medicamento anti-viral ou com anticorpos ou qualquer outra coisa", admitiu.
Uma das ideias mais prometedoras que está a ser explorada é usar o sangue (plasma) de pessoas que são recuperadas. Isso pode ter anticorpos para proteger as pessoas. Se funcionar, seria a maneira mais rápida de proteger os profissionais de saúde e pacientes com doenças graves.
Sobre a vacina muito concretamente, os 18 meses que costumam ser a norma para uma vacina eficaz e segura chegar ao mercado é um tempo demasiado longo para dar tranquilidade a qualquer um dos países. Gates admitiu que é um trabalho difícil, o de conseguir uma vacina num tempo mais curto.
"Existem mais de seis tentativas prometedoras diferentes para fazer a vacina neste momento", admitiu Gates, que é amigo do dono alemão da empresa que está a desenvolver uma das tentativas mais prometedoras. "Alguns usam uma nova abordagem chamada RNA, que não está comprovada. Teremos que fazer muitos testes e, depois, uma produção sem precedentes para as diferentes abordagens, sabendo que algumas delas não funcionarão. Precisamos literalmente de mais de mil milhões de vacinas para proteger o mundo", explicou o ex-líder da Microsoft.
O conselho mais prático que Gates deixou foi mesmo os típicos: "lave bem as mãos com frequência e fique em casa, mantendo o distanciamento social que esta altura pede".
Os sinais vindos da China são prometedores, admite Gates. "A China está a ter poucos casos agora porque os seus testes e esforços no distanciamento social foram muito eficazes", escreveu. "Se um país faz um bom trabalho fazem muitos testes para ver quem tem a doença e mantendo o tal distanciamento eficaz, então dentro de 6 a 10 semanas deve ver cada vez casos e ser capaz de ter medidas menos restritivas e mais abertas novamente".
Ideia semelhante transmitiu-nos esta quarta-feira o português Francisco Veloso, atual diretor (Dean) da Business School do Imperial College, em Londres - que elaborou uma análise que incentivou Donald Trump e Boris Johnson a tomarem medidas mais drásticas .
Veloso, ele próprio um homem da ciência (é físico, além de ter mestrados e doutoramentos em gestão e tecnologia), lembra precisamente o exemplo da China, que conseguiu abrandar ou mesmo parar o ritmo de número de novos casos de infetados com o SARS-CoV-2 (Covid-19).
O responsável cita o tal relatório científico: "a experiência na China e agora na Coreia do Sul mostra que a supressão é possível a curto prazo, resta saber se é possível a longo prazo e se os custos sociais e económicos das intervenções adotadas até agora podem ser reduzidos".
O Dean da Business School do Imperial College admite que as decisões em curso, embora importantes, "são muito difíceis". "As PMEs não têm sistemas financeiros para absorver a crise e podem haver implicações significativas na vida financeira das pessoas, do emprego à saúde, onde cada um ver a sua liberdade limitada pode ser o que é menos aflitivo", alerta o português.
Já sobre o facto da análise prever a necessidade de distanciamento ou isolamento social até existir uma vacina - um cenário que pode ir até 18 meses -, Francisco Veloso admite que terão de ser vistos outras hipóteses, de acordo com a evolução da doença para não trazer um caos mais permanente à economia mundial, nomeadamente ir aligeirando as medidas assim que os casos infetados começam a diminuir significativamente - uma opinião semelhante a Bill Gates, como vimos.
"Não é possível ter a atividade económica brutalmente cortada tanto tempo, senão vamos "acordar" num mundo económico radicalmente diferente", admite. Daí que, quando os hospitais e a propagação estiver mais controlada, "podemos ter outros instrumentos para maior atividade económico e menos isolamento, como está a acontecer na China"