Foi uma das convidadas da Festa do Cinema Francês. Mia Hansen-Love veio a Lisboa promover A Ilha de Bergman, esta semana nos cinemas. A história é a de um casal de cineastas que chega a Fårö, ilha sueca onde Ingmar Bergman filmou e viveu. Entre o fascínio e a veneração, ela aproveita para escrever um argumento e ele tem direito a uma retrospetiva da sua obra. O cinema, a vida e as inspirações. Um filme que tem também na segunda parte um pouco da materialização daquilo que a realizadora criou na ilha..Trata-se do primeiro filme de Love não falado em francês mas não deixa de ser bastante autobiográfico, como sempre, aliás..Na esplanada do São Jorge contou ao DN que a divisão que criou em Cannes era algo que já estava à espera: "Os meus filmes têm sempre essa qualidade de divisão... Não faço cinema consensual, mas a verdade é que este filme vai ser visto em todo o mundo, ao contrário dos anteriores. Este, claro, tem Bergman no título e as pessoas sacralizam-no, embora eu também... A Ilha de Bergman tem a minha influência, não tenta ir pela via de Ingmar Bergman. A minha maneira de o homenagear é não fazer uma cópia dos filmes dele ou imitar o seu estilo. Este é apenas um filme que lida com pessoas que o admiram". O casal do filme, interpretado por Tim Roth e Vicky Krieps, sente a presença de Bergman nos locais que visita. Um deles até embarca no Safari Bergman, que é uma espécie de turismo cinéfilo para os fãs do génio sueco. Tal safari não é uma invenção, é uma das particularidades da ilha. Aliás, gostando-se ou não do filme, qualquer fã do cinema de Bergman fica com vontade de rumar até Fårö.."Julgo que Bergman é eterno. Quando escrevi este filme andava a falar com dois jovens. Dois jovens fãs de Bergman e eles influenciaram muito o argumento. Creio que os maiores admiradores do seu trabalho são os mais jovens. Há algo no tempo dos seus filmes que atrai. Não estou preocupada se o cinema de Bergman vai sobreviver, ele até sobreviverá à morte do cinema", diz a rir e lembra que não é por acaso que a HBO apostou na série Cenas de um Casamento... Para Mia Hansen-Love, a viagem como fã a Fårö foi o óbvio ponto de inspiração para esta história mas depois há coisas que têm a ver com a sua vida de realizadora, coisas que estão nas personagens do casal de cineastas mas também na personagem feminina que o filme dentro do filme inventa. "O ponto de partida, é verdade, passa sempre pela vida real, mas depois olho para as personagens como elementos de ficção. Isso não quer dizer que esteja a trair a verdade, é antes uma reinvenção. De facto, o filme é sobre esse processo da ficção e da realidade. Enfim, quis fazer batota com a minha própria realidade...".Por fim, é a própria realizadora quem pede para esclarecer: "Há quem pense que sou crítica com este tipo de turismo cinéfilo que mostro no filme, mas não sou nada. Respeito quem vai em peregrinação cinéfila à ilha de Fårö e quer ver os locais onde Bergman filmou. Eu própria tinha ido muitas vezes e por ridículo que o Safari Bergman seja, vale a pena... Ao brincar com isso no filme, estou a gozar comigo própria. Como cineasta é muito reconfortante saber que há quem viaje para estar em contacto com o cinema de um realizador. As pessoas estão cada vez menos interessadas na figura do realizador e no cinema em geral. Ver alguém que veio de propósito do Japão para estar perto dos lugares de Bergman é qualquer coisa que me deixa tocada. Não concordo que seja a Disneylândia de cinéfilos, por acaso sente-se mesmo a presença de Bergman na ilha. Quando lá se vai percebe-se que é um lugar amaldiçoado e isso é tão agradável"..A realizadora fala dos seus filmes num percurso curto mas já aclamado. Em destaque na Festa do Cinema Francês..Um Amor de Juventude 2011."Traz-me boas memórias. Sinto-o sobretudo distante porque nunca olho de novo para os meus filmes. Há cenas que nem me lembro de ter filmado, mas tenho sempre uma má memória. É sempre assim... mas guardo sempre memórias afetivas dos filmes, são como se fossem meus filhos.".Eden .2014."Fazer cinema para mim é uma forma de tomar pulso ao tempo. Eden é uma marca no tempo, foi uma maneira de manter algo vivo e garantir que esse french touch da música eletrónica francesa não desapareça para sempre. Essa música foi particularmente vital para uma geração, em particular para a minha juventude. Por isso era importante ter tantas canções. As canções trazem memórias para o espetador.".O Que Está por Vir.2016."Desse filme lembro-me que depois do prémio em Berlim recebi tantas mensagens no telefone, mesmo de pessoas que não via há anos. Um prémio muda realmente tudo... Pensava que seria um filme escuro e pesado e depois acabou por ficar luminoso. Isso é o que torna interessante o cinema, um cineasta nunca sabe como o seu filme vai ficar ou como será percecionado.".dnot@dn.pt