O dérbi lisboeta deste sábado vai entrar para a história dos eternos duelos entre os rivais da 2.ª Circular. É o primeiro Benfica-Sporting oficial do futebol feminino e promete bater recordes. O jogo da 4.ª jornada da Liga BPI tem honras de ser jogado no relvado principal do Estádio da Luz e, como a entrada é livre, deve ser presenciado por mais de 15 mil espectadores, adivinhando-se assim um novo recorde de assistência em Portugal num jogo entre mulheres..O atual recorde também é da responsabilidade das duas equipas. Foi num particular, para ajudar Moçambique, que Sporting e Benfica se juntaram no Restelo, a 30 de março, naquele que foi o jogo que teve mais pessoas (15 204) a assistir a uma partida de futebol feminino, embora o recorde em jogos oficiais seja o da final da Taça de Portugal do ano passado: o Benfica-Valadares foi visto por 12 632 pessoas no estádio..À qualidade das equipas e à dimensão social e desportiva dos emblemas envolvidos junta-se a oportunidade de promover o futebol feminino, que não para de crescer(ver números abaixo). Empatados no primeiro lugar do campeonato com nove pontos (três jogos, três vitórias), Benfica e Sporting procuram a liderança isolada..A importância do jogo é de tal ordem que as capitãs Darlene (Benfica) e Ana Borges (Sporting) se juntaram a convite do Canal 11 da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) para abordar o jogo e trocar elogios. A benfiquista revelou estar "ansiosa" e esperar "que ganhe o melhor". Já a leoa lembrou que "é destes jogos" que as atletas gostam..O treinador do Benfica, Luís Andrade, está "convencido de que vai ser um grande jogo". "São duas equipas que gostam de jogar à bola. Têm uma identidade igual", disse o treinador encarnado sobre o jogo entre os eternos rivais numa época em que o Benfica se estreia na Liga principal e o Sporting cumpre a quarta temporada, tendo no palmarés dois títulos de campeão, em 2016-17 e 2017-18..Andrade desvalorizou a ideia de que a luta pelo título se faça a três (Benfica, Sporting e Sp. Braga). "Não podemos pensar que é uma luta a três. Olhamos jogo a jogo, cada campeonato tem a sua história. Não podemos passar essa mensagem às nossas atletas", explicou o técnico, garantindo que a sua equipa "está preparada" para não falhar e surpreender um Sporting que qualificou de bem organizado, com um plantel no qual figuram nove habituais internacionais portuguesas..Já Susana Covas, treinador das leoas, admite que o ambiente que antecede a partida é diferente do habitual no campeonato feminino. Mas isso não alterou as rotinas de trabalho do grupo. "Até hoje tem sido dos jogos mais fáceis de gerir emocionalmente com este grupo. Quem é que não quer jogar, fazer boa figura ou contribuir para o processo e o sucesso da sua equipa?", referiu a treinadora do Sporting, lembrando que a equipa "gosta muito" de jogar estes jogos..Sporting com passado, Benfica de primeiras águas.Ressuscitado por Bruno de Carvalho, o futebol feminino nasceu em Alvalade em outubro de 1991 pela mão do então presidente Sousa Cintra. A ideia partira de Diamantino Batista (treinador), que já tinha treinado várias equipas e que levou consigo algumas jogadoras, mas, como não eram em número suficiente para constituir o plantel, o clube recorreu a anúncios num jornal desportivo para arranjar jogadoras. O sucesso da iniciativa levou muitas raparigas aos treinos de captação e rapidamente foi formado um grupo de 23, que se estreou no dia 24 de novembro de 1991, no Campo do Arroios, com uma derrota por 3-2 frente ao Académico de Alvalade, em jogo do Campeonato Regional..Apesar de ter a grande instituição Sporting por detrás, o futebol feminino leonino nunca conseguiu impor-se. E, depois de quatro temporadas de atividade, o clube anunciou a extinção da modalidade. As mulheres só voltaram a Alvalade em 2016-17, a convite da FPF. Foi já com Bruno de Carvalho no comando dos destinos do clube que os leões apostaram forte na modalidade, contratando várias jogadoras internacionais - entre elas, Ana Borges, uma das melhores atletas da atualidade e que jogava no Chelsea - e um treinador experiente, Nuno Cristóvão..Com a base da seleção nacional no plantel o título não fugiu. Logo na primeira época após o regresso, as leoas festejaram a conquista do campeonato. Depois de nunca ter conseguido vencer o Boavista nos anos 90, a equipa leonina conquistou o título após um triunfo folgado (6-1) sobre as axadrezadas, em jogo da 25.ª e penúltima jornada da liga. Com 71 pontos, mais três do que o Sp. Braga, e com vantagem no confronto direto com as minhotas, o Sporting assegurava assim o seu primeiro título, sucedendo ao Futebol Benfica (Fofó), vencedor das duas últimas edições. No ano a seguir, novo triunfo leonino. Em 2017-18, mais uma vez as leoas levaram a melhor sobre as guerreiras do Minho, que só em 2018-19 conseguiram o desejado título..Após falhar o tri, o clube de Alvalade fez uma minirrevolução na equipa e trocou de treinador. Susana Cova sucedeu a Nuno Cristóvão, técnico que orientou a equipa desde a sua criação. Patrícia Morais, Rita Fontemanha, Ana Borges, Diana Silva, Carolina Mendes e Ana Capeta são alguns dos destaques num plantel com quatro estrangeiras (Hannah Wilkinson, da Austrália, Carlyn Baldwin, dos EUA, Wibke Meister, da Alemanha, e Nevena Damjanovic, da Sérvia). Hoje, além da equipa principal, os leões têm equipas sub-13, sub-15 e sub-19, num total de 94 atletas federadas..A história do Benfica é diferente. Depois de perderem o comboio no arranque, as águias começaram por baixo, na II Divisão, na temporada passada. Com contratações de jogadoras internacionais e alguns "roubos" internos, a equipa da Luz construiu uma superequipa a pensar na subida. As goleadas foram uma constante e a brasileira Derlene assumiu-se como o principal rosto do Benfica goleador..No dia 16 de setembro de 2018, com o presidente Luís Filipe Viera nas bancadas - antes do início da partida fez questão de ir cumprimentar o plantel e a equipa técnica ao balneário -, as jogadoras encarnadas estrearam-se na II Divisão com a camisola do Benfica com uma goleada histórica. Ao vencer por 28-0 a equipa do Ponte de Frielas, as águias conseguiram um novo máximo nacional no futebol sénior em Portugal, que pertencia ao Sporting (21-0 na antiga Taça de Portugal, em 1971). Marca que bateriam na mesma época com um resultado de 32-0 ao Casa do Povo do Pego. O início prometeu aquilo que o campeonato iria comprovar. Um domínio absoluto e avassalador da equipa encarnada, que se sagrou campeã da II Divisão com 361 golos marcados e apenas um sofrido, e haveria ainda de vencer a Taça de Portugal e a Supertaça. Foi apenas um teste para a entrada em cena no maior campeonato..Apesar da subida mais do que esperada, o clube encarnado dispensou o técnico Pedro Marques e apostou em Luís Andrade. Com o ex-jogador de leões e águias ao leme, a equipa encarnada confirmou no campeonato principal a fama construída na segunda liga. E no jogo de estreia na Liga BPI (1.ª Divisão) bateu o A-dos-Francos por 24-0..Com nove portuguesas e 12 brasileiras no plantel - o destaque vai para Darlene e para Nycole, da seleção do Brasil -, uma espanhola (Pauleta), uma canadiana (Cloé Lacasse) e uma cabo-verdiana (Evy Pereira), o Benfica leva três vitórias em três jogos e 38 (!) golos marcados - oito deles de Darlene, a melhor marcadora do campeonato - e nenhum sofrido. O Sporting tem três vitórias em três jogos, 25 golos apontados e dois sofridos..A clube da Luz também apostou na formação. Além da equipa principal, os encarnados têm duas equipas de sub-15 e duas de sub-10 num total de cerca de cem atletas..Os primórdios e o crescimento brutal da modalidade.A história do futebol feminino em Portugal é relativamente recente e data da década de 70, no pós-25 de Abril, embora a primeira prova de que há memória seja a Taça Nacional, que se jogou oficialmente de 1988 a 1992. A prova criada pela Federação Portuguesa de Futebol disputava-se por eliminatória e foi a competição que determinou o campeão nacional até à época de 1992-93. A partir de 1993-94, o torneio a eliminar foi substituído pelo Campeonato Nacional de Futebol Feminino, uma competição com dez equipas a jogar a duas voltas a pontos corridos. Neste formato, as equipas classificadas do 1.º ao 4.º lugares na fase inicial jogavam num grupo de apuramento de campeão e as equipas classificadas do 5.º ao 10.º lugares num grupo de manutenção. O clube vencedor do grupo de apuramento de campeão era sagrado campeão e qualificava-se para um lugar na Liga dos Campeões de Futebol Feminino da UEFA. Os dois últimos lugares do grupo de manutenção eram despromovidos ao Campeonato de Promoção Feminino..Na época 2016-2017, as equipas do principal escalão de futebol masculino foram convidadas a entrar num campeonato de futebol feminino. O Sporting, Sp. Braga, Estoril Praia e Os Belenenses responderam ao convite e assim foi criado um novo formato, constituído por 14 equipas, disputado num campeonato por pontos corridos. O Benfica perdeu o comboio inicial da Liga BPI, mas embarcou na época 2018-19... na II Divisão..A entrada de clubes com equipas femininas na I Liga ajudou à evolução e mediatismo da modalidade amadora, na qual Futebol Benfica, 1.º de Dezembro, Valadares, Gatões, Albergaria e Boavista já tinham um papel importante. O crescimento é brutal e mede-se em números de praticantes. Segundo dados da Federação Portuguesa de Futebol, o número de atletas federadas (inscritas) em 2010 era de 1836 e passou para 2448 em 2013 e para 3067 em 2016. Neste ano, são já 5493 as mulheres a jogar futebol em Portugal, um valor que significa um aumento de 199% nos últimos nove anos..Com a modalidade a dar os primeiros passos rumo à profissionalização, a formação ganhou maior destaque e são cada vez mais as jovens praticantes. Se em 2010 eram apenas 1091, em 2019 são já 4446, o que dá um aumento de 308% nos últimos nove anos.