Um dos principais elementos do projeto político da direita portuguesa tem sido reduzir o papel do Estado. Justificam-no com o chavão "menos Estado, melhor Estado", como se a sua diminuição conduzisse necessariamente à melhoria da qualidade. Não melhora, como é óbvio. E no caso dos serviços públicos até acontece quase sempre o inverso, pois a redução da oferta leva à crescente incapacidade para corresponder à procura, com prejuízo dos cidadãos..Mas claro que, respeitando a ideologia liberal, a direita tem uma boa solução para isso: como os mercados tendem a regular-se, quando a qualidade dos serviços públicos é má, quem pode pagar recorre ao privado. Com a vantagem adicional de a diminuição da procura no setor público levar também à redução da despesa. Parece uma solução mágica!.Foi assim durante o último governo PSD-CDS. A pretexto da crise (que efetivamente existia), escolheram "ir além da troika" e aplicaram a sua receita para a modernização do país: reduzir os serviços públicos, empurrando as pessoas para o privado..Foi assim no setor da saúde, como em tantos outros. Um corte de 1300 milhões de euros (algo nunca visto) e a redução de 7000 funcionários no Serviço Nacional de Saúde (SNS) tiveram severas consequências. E, claro, a subscrição de seguros de saúde privados aumentou em flecha, logo acompanhada da abertura de novas unidades..Tudo estaria bem se os cidadãos não tivessem ficado pior. Os custos das famílias com a saúde aumentaram drasticamente, prejudicando fortemente a classe média, ao mesmo tempo que o SNS continuava a deteriorar-se e levava muitos profissionais à saída..Foi um SNS em degradação que o novo governo teve de recuperar. Aumentou-se o orçamento bem acima dos cortes anteriores e contrataram-se profissionais. Mas, como sabemos, destruir é sempre mais fácil e rápido do que construir. O investimento leva tempo a produzir resultados e os médicos, depois de saírem para o privado, não voltaram a correr assim que abriram novas vagas..Ainda assim, paulatinamente, o SNS foi recuperando e apresentava em 2019 indicadores bem melhores do que os de 2015. Mas, então, eis que chegou a pandemia..Nenhum sistema de saúde do mundo está preparado para uma pandemia. Graças ao incrível empenho dos seus profissionais, tem conseguido responder, mas é óbvio que a sua capacidade tem limites. Estes têm sido progressivamente alargados - abertura de novas camas, hospitais de campanha, recurso ao setor privado quando necessário -, não sendo infinitos. Mas são incomparavelmente superiores aos que foram deixados por uma direita que diz agora, pela voz de Rui Rio, que o governo "deixou degradar o SNS"..Aposta certamente na falta de memória dos portugueses. Mas é gato escondido com o rabo de fora, pois não perde uma oportunidade para sair em defesa dos privados, acusando o governo de ter "um preconceito" contra estes..Não é preconceito, é bom senso. É usar o dinheiro público nos serviços públicos, e ter os privados como complementares. Porque é o SNS, que é de todos e para todos, que merece um cuidado especial. E é o SNS que tem salvo milhares de vidas..Eurodeputado