BE avança com projeto para clarificar crime de violação

Bloquistas defendem que a lei deve dizer expressamente que a prática de ato sexual sem consentimento do outro é violação
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O Bloco de Esquerda vai avançar com um projeto de lei para clarificar, no Código Penal, o enquadramento legal do crime de violação. Os bloquistas querem que fique expresso na lei, sem margem para segundas interpretações, que a prática de ato sexual sem consentimento é violação.

"Neste momento nós temos um crime de violação com dois artigos em que é ainda dada prevalência à existência de uma violência extra ao próprio ato de violação. Isto não nos faz muito sentido. O ato de violação é, já, por si, um ato de violência", diz a deputada bloquista Sandra Cunha, sublinhando que "a lei tem que mudar".

A parlamentar lembra as alterações que foram introduzidas ao Código Penal, num processo de revisão iniciado em 2014, e que já então tinham como objetivo acomodar na lei nacional o que "está previsto na Convenção de Istambul - "o não consentimento como critério para a existência do crime de violação". "As alterações que foram feitas foram importantes, mas não foram suficientes. Esse critério não ficou claro", diz Sandra Cunha ao DN, acrescentando que a realidade tem vindo a mostrá-lo - "percebemos isso nos acórdãos que vêm a público, e os que vêm a público são apenas a ponta do icebergue".

"O que acontece é que há um grande recurso à figura do abuso sexual, para os crimes não serem julgados enquanto violação. Os juízes estão, muitas vezes, perante violações - que qualquer pessoa considera uma violação -, mas esses casos acabam por ser julgados como abuso sexual, que tem socialmente, e judicialmente também, um peso menor. Surge como um crime menor, que não é tão grave como uma violação", diz a deputada, que defende, aliás, que "neste momento o Código Penal está um bocadinho esquizofrénico" na tipificação de crimes sexuais.

"Uma salgalhada que permite que os juízes possam recorrer a estes subterfúgios de julgar uma violação como abuso sexual e darem este peso enorme à existência de violência", conclui.

O BE ainda não tem o projeto de lei escrito e, com o Orçamento quase a entrar na Assembleia da República, o tema ficará remetido para depois da discussão parlamentar das contas públicas para 2019 - que termina no final de novembro.

O governo avançou que está a trabalhar numa proposta de alteração ao Código Penal, que deverá também pôr o assento no não consentimento como critério, por si, para a tipificação do crime de violação.

O que diz a Convenção de Istambul

A Convenção de Istambul estabelece, no artigo 36, que os países signatários "deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalização da conduta de quem, intencionalmente":

a) Praticar a penetração vaginal, anal ou oral, de natureza sexual, de quaisquer partes do corpo ou objetos no corpo de outra pessoa, sem consentimento desta última;
b) Praticar outros atos de natureza sexual não consentidos com uma pessoa;
c) Levar outra pessoa a praticar atos de natureza sexual não consentidos com terceiro.

O número dois do mesmo artigo estabelece que "o consentimento tem de ser prestado voluntariamente, como manifestação da vontade livre da pessoa, avaliado no contexto das circunstâncias envolventes".

E o número três impõe que as disposições previstas no número um também se apliquem a "atos praticados contra os cônjuges ou companheiros ou contra os ex-cônjuges ou ex-companheiros".

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