Um centro cultural de cinema. Só a frase é música para os ouvidos de quem vive e ama cinema. Mas o Batalha - Centro de Cinema, nova encarnação do velhinho Batalha, da Praça da Batalha no Porto, vai ser mais do que isso. Será um polo das artes cinemáticas do Porto para o mundo. A sua recuperação de mais de 5 milhões de euros já compensou: os tais frescos censurados de Júlio Pomar que as obras destaparam são de uma beleza pungente e todo o visual clássico e moderno das novas salas e fachadas desconcertam pela positiva..Já com uma procura de bilhetes muito boa, este novo Batalha inaugura esta sexta-feira com uma programação de autor que integra encomendas, concertos, performances, biblioteca e arquivo. Muito mais do que um cinema para dar ao Porto um novo peso na balança da oferta cinéfila no país. Depois da Casa de Cinema Manoel de Oliveira em Serralves, do sucesso contagiante das salas Trindade e Passos Manuel e dos ciclos da Medeia, o Porto impõe-se como alternativa de respeito às ofertas da capital..O primeiro fim-de-semana é marcado por um acontecimento: a estreia mundial de A Sibila, de Eduardo Brito, feito para celebrar o centenário Agustina Bessa Luís. Pelas primeiras imagens já mostradas, espera-se um filme capaz de confirmar todas as potencialidades de Eduardo Brito, cineasta com um trabalho curiosíssimo nas curtas-metragens e autor de argumentos como A Espera pode dar Flor (ainda por estrear) e Hálito Azul, ambos de Rodrigo Areias. Trata-se de uma produção de Paulo Branco onde Maria João Pinho é a protagonista, interpretando esta heroína romântica em diversas idades. A sessão é às 17.15 deste sábado e terá em seguida debate com o produtor e realizador, bem como Mónica Baldaque..Desse fim-de-semana de abertura, fazem parte duas visitas guiadas por este belo cinema e a abertura do ciclo da integral de Claire Denis (sábado às 21.15), com Chocolat (a realizadora não estará presente mas em janeiro deverá ir ao Batalha). Já para não falar de uma festa no encantador espaço da cafetaria e bar com DJ sets de Jackie b2b MVRIA e Juliana Huxtable.."Estamos a tentar resolver uma equação: por um lado o cinema como fonte de conhecimento e de pensamento sobre as sociedades de hoje, por outro, através da revisitação histórica do cinema clássico, propor leituras. Tudo isso com uma relação forte expandida com o cinema fora da sala, seja por projetos formativos e formas de encontros onde as pessoas se possam conhecer fora das redes sociais, bem como a proposta de uma reflexão crítica de um cinema que desafia as pessoas de forma intelectual mas sem perder uma ideia de diversão. Isso, sei, é difícil - será a nossa cavalgada. O nosso desafio é que entendam este centro de forma não fraccionada, ou seja, as pessoas aqui não vêm ver apenas um filme: podem ir a um curso, ver uma exposição, um filme de artista, tomar um copo a um bar, ler um livro ou uma revista na biblioteca - pode-se estar no Batalha, não é só vir", começa por dizer o seu diretor artístico, Guilherme Blanc, o benjamim do cinema dos mandatos de Rui Moreira, o presidente do município que aposta forte neste espaço..Blanc afasta também outras vocações destes dois ecrãs e múltiplos espaços: ser uma cinemateca e uma casa de antestreias, mesmo quando a programação já anuncia filmes de peso como Avec Amour et Acharnement e Stars at Noon, de Claire Denis, bem como The Eternal Daughter, jóia da coroa do ciclo de Joanna Hogg que aí vem: "É claro que vamos passar cinema de vocação comercial, mas a maior parte dele será aquele que não teve estreia em Portugal. Isso será inerente a retrospetivas e outros ciclos. Há muita coisa que nem chega aos festivais, muitos desses filmes serão fabulosos"..Para além dos ciclos temáticos, focos e retrospetivas, o Batalha dará um destaque grande aos Coletivos, experiências coletivas de realização e produção de cinema, desde os anos 70, bem como à secção Cinema com História, uma série de programas contínuos que "olham para a História por trás das histórias do cinema" e ainda as sessões de Família, destinadas a todas as idades, embora a jóia da coroa pareça ser as Luas Novas, sessões nas luas novas de cada mês em que se destaca a prática dos novos cineastas portugueses (de David Pinheiro Vicente a Tomás Paula Marques, passando pela dupla Alexandra Ramires e Laura Gonçalves, Helena Estrela, Welket Bungué, Laura Carreira e Marta Sousa Ribeiro). Estimulante também é o foco na escrita: edições previstas como folhas de sala escritas por críticos internacionais e nacionais, edições focadas em autores portugueses, etc. Um projeto que pretende promover o pensamento e a criação escrita em torno das áreas da imagem em movimento.."O nosso trabalho a nível de programação é muito em grupo e em horizontal. Um exercício franco e de colaboração verdadeira. Trabalhamos de forma muito dialógica. Uma coisa que quis trazer era a noção de debate! Cada um traz as nossas referências. Eu, por exemplo, tenho uma relação próxima com o cinema de artista, a arte contemporânea e o moving image, mesmo que o meu percurso como programador tenha muito mais cinema de outras áreas, sobretudo quando trabalhei em Inglaterra. Por outro lado, tenho uma relação muito confortável com a História do cinema. No final, ficámos surpreendidos quando percebemos que tínhamos mais clássicos do que estávamos à espera. Quando se programa sabe-se onde podemos começar mas não como terminamos...", refere também Guilherme Blanc, alguém que no programa deste arranque confessa que este projeto é movido pelo amor ao cinema e a sua vontade de contaminação. Uma contaminação que por estas linhas de curadoria reivindica um ideal de futuro para esta arte que, afinal, não está parada. "A nossa vocação é ser uma instituição disponível para as múltiplas linguagens do cinema, sabendo que hoje temos públicos muito diferentes. Mas é importante compreender que o cinema permite muitos públicos. Nós queremos e devemos ter esses muitos públicos"..Ana David, roubada ao IndieLisboa e atualmente ainda a colaborar na Berlinale, é uma das programadoras da equipa de Blanc, responsável pelas escolhas do momento Políticas do Sci-Fi, onde se tenta mostrar como o género da ficção-científica absorve discussões culturais e políticas. Mas Ana sublinha a importância da retrospetivas em torno de Claire Denis: "Está lá o cinema todo dela e vamos poder mostrar nove filmes em cópias de 35mm e três cópias restauradas! Queremos que as pessoas cheguem à primeira sessão, o Chocolat, com curiosidade e, partir daí fiquem para os restantes"..A mesma programadora é responsável, em conjunto com Alejandra Rosenberg Navarro pelo ciclo Domesticidade(s), onde se aborda a vivência doméstica num contexto de representação social através de obras de 1945 a 2020 numa polivalência de registos de filmes que se querem "sempre políticos, sempre emocionais"..Para além desta fartura que pode desorientar o mais glutão dos cinéfilos, o Batalha abre a porta a uma série de festivais. A partir de agora, o Rivoli e o Trindade deixam de ser as casas-mãe de festivais como o Fantasporto, Porto/Post/Doc ou o IndieJúnior - tudo cabe no Batalha. Além desses, cabem ainda o Porto Femme, o Multiplex, o Arquiteturas, o Beast, o Queer Porto, o Family Film Project, o Micar e as sessões FilmaPorto, a comissão de cinema da cidade..Para daqui a um ano, o primeiro aniversário já tem filme para a estreia: um projeto de Duarte Coimbra: Os Amigos de Gaspar: Uma Reunião na Cidade, revisitação cinematográfica da série formada pelas letras de Sérgio Godinho. Uma obra com dimensão performática e fílmica comissariada por esta casa de cinema. Venham as marionetas!.No fim, ainda sobre a questão da ciumeira que este centro de cinema está já a provocar em Lisboa, Guilherme Blanc é claro: "os ciúmes se forem doseados são saudáveis!"..dnot@dn.pt