Bataclan e rapper islamista fazem rima explosiva
Médine Zaouiche tem 35 anos, é um cidadão francês, de ascendência argelina, nascido em Le Havre, e está no centro da mais recente controvérsia política francesa. O rapper que se reclama pertencer à "islamo-escumalha" e é conhecido pelas letras que podiam pertencer a uma prédica de um imã extremista tem dois concertos agendados para o Bataclan, um dos palcos dos atentados de 13 de novembro de 2015. Há petições e uma ação judicial para anular os espetáculos, mas o primeiro-ministro diz que se tem de respeitar a liberdade de expressão.
De vários temas com letras que dão azo a discussão, Don"t Laïk ganha o concurso.
Publicado dias antes do atentado terrorista que matou 12 pessoas na redação do Charlie Hebdo, é um hino contra os valores da república francesa, em particular o laicismo: "Vamos crucificar laicos como no Gólgota" ou "Eu atiro fatwas às cabeças dos idiotas/Estou bem com Alá, não preciso ser laico." Na altura, explicou-se: "Don"t Laïk está para os fundamentalistas laicos como as caricaturas do Charlie Hebdo estão para os fundamentalistas religiosos". Com a diferença, notam os críticos, de que os "fundamentalistas laicos" como os cartoonistas Charb, Cabu ou Wolinski acabaram mortos e outros vivem sob proteção policial permanente.
Médine conta que decidiu ser rapper quando se deram os atentados de 11 de setembro de 2001. Porquê? "Devido a tudo o que se seguiu na guerra contra o terrorismo, na interpretação e estigmatização da comunidade muçulmana." É a defesa da comunitarismo perante a integração, da religião perante a república, e dos subúrbios perante a urbanidade. Por isso se define um "islamo-escumalha" e, pela força da palavra, tem como missão arrebanhar o maior número de pessoas que, como ele, não se reveem nos valores republicanos.
Próximo dos Irmãos Muçulmanos
Perante o ruído levantado inicialmente pela Geração Identitária (um grupo de jovens nacionalistas), o cantor de voz gutural reagiu condenando "os abjetos atentados de 13 de novembro de 2015 e de todos os ataques terroristas", disse que há 15 anos que combate todas as formas de radicalismo e depois questiona: "Vamos deixar a extrema-direita ditar a programação das nossas salas de concerto ou, pior, limitar a nossa liberdade de expressão?"
Próximo da Havre de Savoir, uma associação de propaganda islâmica com ligações aos Irmãos Muçulmanos e, por exemplo, a Hassan Iquioussen, um islamista que qualificou os atentados de "falso problema", Médine tanto posa para as fotos com um gesto antissemita como publica fotos da sua filha, de tenra idade, com véu.
Dois advogados representantes de familiares de vítimas mortais e sobreviventes do atentado do Bataclan interpuseram uma ação para impedir os concertos agendados para outubro, tendo em conta a "perturbação da ordem pública" e a ameaça à "ordem pública moral".
Essa é a tese defendida por Marine Le Pen, líder da União Nacional, que aproveitou para lembrar que o atual proprietário do Bataclan é o Qatar, via grupo Lagardère, e denunciou o primeiro-ministro por "defender um fundamentalista islamista".
Questionado no parlamento, Édouard Philippe invocou a "liberdade de expressão". Curiosamente, enquanto presidente da Câmara de Havre, o político apoiou o grupo de pugilismo Don"t Panik team, fundado por Médine. Philippe é praticante de boxe.
O líder de Os Republicanos, Laurent Wauquiez, também reagira, ao afirmar que os concertos serão um "sacrilégio para as vítimas e uma desonra para França".