Bastonária dos enfermeiros."Anjo da Morte" e "incendiária" ou "inconformada" e do "bem"?

A Bastonária da Ordem dos Enfermeiros está a viver entre dois polos: os profissionais seguem-na com fervor, Governo e opinião pública oscilam entre a estupefação e o receio que os hospitais colapsem. Quem é Ana Rita Cavaco?
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Chegou a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros há três anos e desde então tem angariado cada vez mais seguidores entre os profissionais que representa. O mesmo não se pode dizer do Governo, utentes e opinião pública. Quem a conhece bem diz que é "determinada" e "essencialmente inconformada", terá como único objetivo combater as injustiças. Também há quem lhe chame "incendiária" e "quezilenta", inclusive no seio do partido no qual é filiada, o PSD.

A greve dos enfermeiros que atinge os blocos operatórios - já foram adiadas seis mil cirurgias - valeu-lhe a alcunha de "Anjo da Morte" nas redes sociais. Ao que Ana Rita Cavaco reagiu citando Roosevelt: "A única coisa que devemos temer é o próprio medo".

"Uma mulher de pelo na venta", é assim que a descreve o amigo, advogado e antigo deputado social-democrata José Eduardo Martins, que a conhece desde os tempos da JSD em Almada, cidade onde nasceu, a 21 de abril de 1976. Ana Rita Cavaco tinha 16 anos e sabia que queria ser enfermeira: "Tinha uma ligação especial com uma avó, que era enfermeira", conta o advogado. A atual Bastonária seguiu-lhe os passos.

"A Ana Rita foi de facto enfermeira, trabalhou no Porto e em outros locais", diz José Eduardo Martins. Formada em Enfermagem na Escola Superior de Enfermagem Calouste Gulbenkian de Lisboa e na Escola Superior de Enfermagem D. Ana Guedes, no Porto, é especialista e mestre em Saúde Comunitária e Saúde Pública e pós-graduada em Gestão pela Católica Lisbon School of Business and Economics.

Começou no Serviço de Urgência do Hospital dos Capuchos, mas também passou por vários centros de saúde - no Porto e em Lisboa - onde coordenou cuidados continuados e equipas de enfermagem antes mesmo de chegar ao cargo de enfermeira supervisora da Linha Saúde 24.

Ao mesmo tempo era adjunta do Secretário de Estado da Saúde no Governo de Durão Barroso. Antes de ser eleita Bastonária dos Enfermeiros, em 2015, trabalhava na Autoridade Antidopagem de Portugal. Os cargos que ocupou constam do seu currículo público, publicado na página da Ordem dos Enfermeiros, e estão descritos com mais pormenor na sua página na rede social/profissional Linkedin.

O que lá não está é o feitio. "É tão aborrecida com as coisas que acha que estão mal, que ela mesma chega a ser aborrecida", admite José Eduardo Martins, que conta outras curiosidades: "A Ana Rita é como o professor Marcelo [Rebelo de Sousa]: tem a mania de receitar. Não estou doente sem que ela contrarie a prescrição [do médico]", revela.

É reivindicativa, mas chamam-lhe "incendiária", sobretudo a classe médica, que considera "um erro terrível" o que Ana Rita Cavaco está a fazer ao incentivar esta greve dos enfermeiros. A Bastonária está acostumada. "Muitas vezes dentro do PSD ela não tem sucesso porque é bruta. Como é bruta no resto das coisas, mas eu aprecio muito as pessoas que são brutas mas não são más, é o caso da Ana Rita", diz o deputado social-democrata.

"Pessoas como eu e a Ana Rita não subimos no PSD"

"Conheço poucas pessoas que se revoltem contra a injustiça como a Ana Rita Cavaco", diz José Eduardo Martins. "Somos os dois brutos, uma conversa entre nós mete gritos e coisas como 'não sabes o que estás a dizer' ou 'não tens razão nenhuma'", diz o antigo deputado.

Há quem acuse a atual Bastonária da Ordem dos Enfermeiros de usar estas greves para atacar o Governo e subir dentro do PSD. José Eduardo Martins considera ambas as teorias "hilárias": "Pessoas como eu e a Ana Rita não subimos no PSD. Ela é um espírito livre e os partidos não gostam assim tanto de pessoas desta maneira", defende.

Isso não significa que concorde com tudo o que Ana Rita Cavaco está a fazer. "Houve uma altura ou outra em que achei que ela se deveria resguardar um pouco mais, às vezes há uma espécie de omnipresença da Ordem, imagino que os que votaram nela se sentem representados e contentes com isso".

Sim, Ana Rita Cavaco "não é uma pessoa nem paciente nem condescendente". Deveria ter mais paciência? "Está num papel [de Bastonária da Ordem dos Enfermeiros] que não é fácil", diz o ex-deputado do PSD, que garante não esquecer "o cuidado, o quão incansável a Ana Rita foi" na doença do seu pai. E reforça: "A Ana Rita Cavaco é uma pessoa boa, do bem".

Até quem a critica diz que é "uma mulher tesa". Fonte próxima da classe médica reconhece-lhe a "vertente de combate", mas acusa-a de ser "populista".

"Neste aspeto está a cometer um erro terrível. Está a ser incendiária", disse um dos médicos que tem acompanhado o percurso da Bastonária e que acredita que Ana Rita Cavaco está "deslumbrada com o poder que tem, com toda esta força".

Se vai ser um tiro no próprio pé, os médicos, que a acusam de incentivar uma "greve trombose" -em que um reduzido número de trabalhadores pode paralisar um serviço -, não acreditam muito nisso. "Vai ter uma votação como nunca teve, não nos podemos esquecer quer os últimos tempos são do populismo", frisa o referido médico.

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