No ano passado, Banksy inscreveu uma peça na exposição de verão da Royal Academy, em Londres, mas usou um pseudónimo: Bryan S Gaakman (um anagrama de "Banksy anagram"). A obra foi recusada. O artista falou disso nas redes sociais e, pouco depois, foi convidado pela organização da exposição para apresentar a peça. Tratava-se de um cartaz da campanha para o referendo do Brexit com o apelo "Vote to leave", só que com um coração pintado de forma a ficar "Vote to love"..Neste ano, já sem pseudónimo, Banksy voltou a inscrever uma peça na exposição de verão e mais uma vez tem como tema o Brexit: trata-se de uma porta como as dos aeroportos: a porta para os que chegam da União Europeia está fechada e tem as palavras "Keep Ou" (o t está a ser usado por um rato como martelo para tentar partir o cadeado que mantém a porta fechada)..Neste caso, Banksy optou por mostrar a peça numa exposição. Mas nem sempre isso acontece. Por exemplo, a exposição que nesta semana será inaugurada em Lisboa, no dia 14 na Cordoaria Nacional, é assumidamente uma mostra não autorizada de obras de Banksy, ou seja, não tem o aval do artista e ele não ganha nada com ela. As mais de 70 peças provenientes de várias coleções privadas foram reunidas pelo curador Alexander Nachebija e já estiveram expostas em Moscovo, São Petersburgo e Madrid, onde foram vistas por mais de 600 mil pessoas..Em agosto do ano passado, o artista fez-lhe uma referência na conta de Instagram. Com grande ironia, como é seu hábito. Sim, esta é uma exposição não autorizada e, sim, cobravam cerca de 22 euros na entrada, e, sim, não concordava com isso. Mas o que poderia fazer? "Não sei se serei a melhor pessoa para me queixar por as pessoas usarem desenhos sem autorização", brincava. Afinal, ele é o artista que se tornou especialista em driblar as autoridades e desenhar onde não é permitido..De Bristol para o mundo.Quem é Banksy? Essa é a pergunta que todos fazem. Tanto quanto sabemos, o artista terá nascido em Bristol, Inglaterra, em meados da década de 1970, o que significa que terá crescido ao lado de gente como o graffiter Inkie e os músicos Tricky, Beth Gibbons e os outros Portishead, Robert Del Naja e os outros Massive Attack - uma das teorias mais interessantes é precisamente aquela que diz Banksy é Del Naja, mas sobre isso não vamos especular aqui..O que sabemos é que ele começou a grafitar ainda na juventude e que uma das óbvias influências do seu trabalho foi o artista francês Blek le Rat, que se celebrizou a espalhar ratos pelas paredes de Paris e foi pioneiro no uso do stencil em graffiti. Também Banksy optou por essa técnica: "Eu era muito desajeitado com a lata de spray, por isso comecei a usar moldes de stencil", explicou numa entrevista. Os ratos são, ainda hoje, tal como os chimpanzés, uma das suas imagens de marca. Desde o início Banksy deixou claro que o seu seria, maioritariamente, um trabalho de "guerrilha" - produzido em locais não autorizados, com um estilo provocatório e com uma mensagem política..Um dos primeiros exemplos disto é Mild Mild West, desenho pintado numa parede de Bristol em 1999 que mostrava um urso de peluche a atirar um cocktail molotov a um grupo de polícias de choque. Numa entrevista em 2001, falou um pouco das suas motivações: "Há um lado do meu trabalho que quer esmagar todo o sistema, deixando um rasto de cadáveres de juízes e polícias, azuis e sem vida, atrás de mim, levando a cidade a ajoelhar-se enquanto grita o meu nome. Depois há um outro lado mais sombrio." Entretanto, o artista mudou-se para Londres e, com a ajuda da internet, os seus desenhos começaram a internacionalizar-se..A partir daqui Banksy pôde espalhar as suas ideias sobre a globalização, os refugiados e o capitalismo. O facto de insistir em manter o anonimato, de procurar locais simbólicos e de o seu trabalho ser cada vez mais político despertava a atenção dos media. Cada nova obra tornou-se uma notícia e o mito de Banksy como um mascarado (aparece sempre com um capuz na cabeça e a cara tapada), a denunciar os podres do sistema, uma espécie de Robin Hood da cidade, começou a ganhar forma. "Os graffiti são dos poucos instrumentos que tens quando não tens quase nada", diz o artista..A "arte de guerrilha" não passa só pelo facto de pintar paredes sem autorização. As "partidas" tornaram-se também uma das suas imagens de marca como, por exemplo, em outubro de 2003, quando entrou disfarçado na Tate Britain e colocou na parede, ao lado de uma pintura de uma paisagem do século XIX, uma obra sua com a indispensável legenda: "Esta nova aquisição é um belo exemplo do estilo neo-pós-idiota". O quadro ficou ali durante várias horas até que a cola cedeu e acabou por cair no chão com grande estrondo. Em 2005, Banksy foi ainda mais longe e grafitou uma das paredes mais famosas do mundo: o muro da Cisjordânia. Colocou-se do lado da Palestina e fez desenhos satíricos criticando o militarismo e a opressão de Israel: os nove desenhos mostravam buracos no muro através dos quais os muçulmanos viam como era boa e colorida a vida do outro lado..Ignorando as galerias tradicionais, Banksy começou a organizar as suas próprias exposições de arte urbana em locais pouco comuns, como armazéns abandonados. Foi o que aconteceu em maio de 2008, com o Cans Festival, quando colocou murais de 30 artistas num túnel de Londres. "Quando se vai a uma galeria é-se simplesmente um turista a olhar para os troféus de alguns milionários", diz Banksy. Ele queria a arte acessível a todos..Quanto vale um Banksy?.Em meados dos anos 2000, Banksy já se tinha tornado uma celebridade e o seu trabalho era vendido por valores astronómicos. Como se vende um desenho numa parede? Retirando esse bocado de parede. E a quem pertence essa obra de arte, ao artista ou ao dono da parede? Ao dono da parede, é o que defende Banksy. Ou seja, sempre que uma obra deste género é vendida o artista não ganha absolutamente nada. É assim que ele quer que seja. E é assim que tem sido..Em 2012, pintou numa parede de Londres um desenho a que chamou Slave Labour - um menino a costurar uma fileira de bandeiras do Reino Unido. Esta era uma obra de protesto contra o trabalho infantil em fábricas que produziam memorabilia para o Jubileu da Rainha e os Jogos Olímpicos. Meses depois, a obra desapareceu e apareceu num leilão nos EUA. Mas os habitantes de Green Wood protestaram, diziam que a obra lhes pertencia. A peça acabou por ser devolvida ao Reino Unido e foi vendida num leilão em Londres por mais de um milhão de euros. Na altura Banksy comentou como ficou "muito envergonhado" por as suas peças serem vendidas por valores tão elevados. Disse que queria que as obras ficassem nos lugares a que pertenciam, nas paredes, e pediu às pessoas para não comprarem os murais. Mas pelos vistos ninguém o ouviu..Foi por isso que, no ano passado, decidiu pregar mais uma das suas partidas: no momento em que a serigrafia de Girl with a Baloon foi comprada num leilão na Sotheby's por mais de 1,1 milhões de euros, ela começou a autodestruir-se, saindo em tiras pela parte de baixo da moldura. Há quem diga que ele estava na sala quando isso aconteceu. "A urgência em destruir é também uma urgência criativa", explicou o artista..No entanto, o mercado rapidamente adotou aquela nova obra, semidestruída, chamando-lhe Love Is in the Bin, que é agora exposta em museus e, caso seja novamente vendida, de certeza que valerá muito mais. "Adoro o modo como o capitalismo consegue encaixar até os seus inimigos", comentou ele, com ironia. Neste momento, Banksy já é tão famoso que as suas obras, independentemente do que sejam, vão sempre ser vendidas por uma fortuna..Apesar de não ganhar dinheiro com estas vendas, o artista encontrou uma maneira de rentabilizar a sua arte. Em 2001 lançou o site Pictures on Walls que foi, até fechar em 2018, a única galeria autorizada a vender impressões das obras de Banksy. Organiza as suas próprias exposições, lança livros e até produziu o filme Exit through the Gift Shop, que se estreou no Festival de Sundance em 2010 e esteve nomeado para o Óscar de melhor documentário. Neste momento, as suas peças (na maioria impressões) são vendidas através da agência online Pest Control (controlo de pragas) - que tem como imagem um rato e como principal função validar a autoria das várias peças que, um pouco por todo o mundo, são atribuídas a Banksy. A praga que é preciso controlar, obviamente, é a exploração indevida do seu trabalho. Até quando conseguirá ele manter-se anónimo e autêntico ao mesmo tempo que é uma das maiores estrelas pop do nosso tempo? Até quando conseguirá criticar o sistema e aproveitar-se do sistema, sem ser engolido por ele?. Banksy: Génio ou Vândalo? Exposição de obras de Banksy Cordoaria Nacional, Lisboa 14 de junho a 27 de outubro Bilhetes de 13 a 32 euros