Uma linguagem visual que deve tanto à BD de ficção-científica como aos épicos do cinema clássico. Já era assim no primeiro Avatar, recordista de bilheteiras e bandeira estandarte de um cinema de possibilidades estéticas e tecnológicas. Os detratores falavam em conto de fadas para gamers mas o amor chegou à Academia e o filme foi multinomeado (inclusive melhor filme). Mais de uma década depois chega a sequela e a mesma polarização e também a provável inclusão na corrida dos Óscares (para já está nomeado para melhor filme e melhor realização nos renovados Golden Globes). A grande surpresa é que este novo "grande espetáculo" de cinema é ainda superior ao primeiro, é outra coisa: mix de entretenimento do amanhã com a magia de uma vertigem de inovação que simboliza uma nova crença nas formas do storytelling em Hollywood, a saber: uma permanente busca por tirar o fôlego ao espectador. James Cameron permanece então fiel ao caráter de experimentalista: um cineasta-cientista que aqui consegue o trunfo de recuperar o prazer de se ver em sala uma experiência de cinema total. E num ano em que Top Gun Maverick, de Joseph Kosinski, mesmo com a sua factualidade de estética pub, voltou a tornar a sala de cinema cúmplice com a escala do conteúdo de um filme, a chegada deste novo Avatar acaba com o dominante monopólio do filão dos filmes Marvel..A pujança de Avatar - O Caminho da Água não está apenas nos prodígios tecnológicos (sim, é para ser visto no maior ecrã possível e com os óculos 3D) e nas suas relações com a sua forma de intriga, mas sobretudo com uma inteligente e estimulante continência ao poder da fantasia em cinema. Nesse capítulo, é um hino à causa. Uma causa cujos princípios firmes de criar um mundo novo, tão distante mas com um espelho explícito a temas como as formas terroristas de colonização contemporânea e ao desastre ecológico do nosso planeta. Pandora pode ser um alerta para a nossa situação, mesmo que não seja por aí aquilo que de mais exaltante o filme passe - muitas das mensagens ambientalistas têm algo de recado hippie, quase inocente....E neste regresso a Pandora, voltamos aos mesmos protagonistas: o casal Neytiri e Jake Scully, agora com filhos e tentar fugir de um reencarnado coronel Quaratich, atirado aos bosques do planeta ridiculamente belo para ajudar os humanos no seu plano de conquista dos recursos naturais. Uma colonização feroz e sem precedentes numa altura em que se planeia uma debandada da Terra. Para proteger os seus, Jake escolhe fugir para as terras da água e refugiar-se com as tribos aquáticas de Pandora..Uma aventura servida com uma inovação visual verdadeiramente límpida graças ao recurso do High Frame Rate, algo que Ang Lee já andava a tentar nos últimos filmes mas que aqui tem um aperfeiçoamento espetacular, dando a nítida sensação de proximidade das personagens, mesmo em contexto de combate. Em suma, tudo é mesmo novo, inclusive o tratamento do 3D e as cenas aquáticas..Se James Cameron hoje é mais visto como um messias disruptivo da nova tecnologia no cinema de larga escala, Avatar - The Way of the Water está aí para nos fazer lembrar que estamos na presença de um cineasta sempre cheio de ideias de cinema. Um cineasta que não é um mero engenhocas ou virtuoso visual, mas sim um artista que expõe uma soberana vontade de rebentar com escalas e ser majestoso no colosso da tentativa de oferecer uma nova viagem. Pandora é o seu Oz, onde tudo tem essa dimensão gigante e indomável e na qual a monumentalidade é uma última fronteira sem limites. Triunfa ainda mais porque é orgulhoso desse seu porte e capaz de nos convencer que estamos a ver algo de novo com estes novos efeitos visuais. O resultado é tão estonteante como esmagador, conforme manda a regra dos génios. Afirmar que Jim é um génio visionário é preguiça grossa, tornando-se sempre preferível ver nele um profeta de uma inovação de fusão entre técnica e coração, perícia digital e sonho puro. Um mago que encontrou nesta saga uma patente perfeita para ir experimentando esse desejo de alquimia de baralhar o lugar do ator com o do "boneco" da captação de computador..Surpreendentemente, é um filme capaz de servir como súmula de todo o trabalho de Cameron. Será fácil ver o travo de risco que já vinha de A Verdade da Mentira ou a claustrofobia maquinal de Aliens, embora ainda sejam mais notórias as citações trágicas a Titanic ou a vénia à proximidade das personagens de Abismo, sempre sem se perder a pedalada de Terminator (o coronel Quaratich é um prolongamento de Schwarzenegger a perseguir Sarah Connor), precisamente numa história em que se fala da dinâmica entre emoção e espiritualidade. Este Avatar é um portento da soma das grandes emoções com esse ideal do gesto espiritual. Não importa se no último terço se sinta que poderia ser mais resumido. Em última instância, pede-se que respiremos debaixo de água. Coisa de fôlego, portanto, lá está....Depois de Spielberg, Cameron é o maior fabricante de sonhos de Hollywood, não deixando de ser irónico que nesta temporada de prémios estejam ambos a competir com filmes tão nos antípodas....dnot@dn.pt