Foi condenada a quatro anos de prisão, horas depois os militares comutaram a pena para metade, mas ainda tem acusações suficientes para permanecer presa até ao fim dos seus dias. A ex-líder birmanesa Aung San Suu Kyi, de 76 anos, foi dada como culpada de ter incitado à revolta pública contra os militares que a depuseram no dia 1 de fevereiro, bem como de ter violado as regras da covid-19 (durante a campanha eleitoral de 2020, por ter saído à rua, munida de máscara e viseira, acenar a apoiantes que passavam de carro). Os militares planeiam apagar a grande referência democrática no país - ainda que não tenha levantado um dedo contra os abusos sofridos pelas minorias e pelos ativistas -, mas uma nova geração promete continuar a dar luta..A vida da filha do general Aung San, considerado o pai da Birmânia independente, tem sido o espelho da vida do país, aprisionado pelos militares com uma breve e controlada incursão pela liberdade. Desde o seu regresso ao país, em 1988, e até 2010, esteve presa durante 15 anos. No entanto, a prisão domiciliária permitia-lhe manter-se como a líder ativa da oposição - inclusive fazia breves discursos à porta de casa e recebia diplomatas..Agora, porém, a tática dos militares é mais dura. Está detida em parte incerta desde o dia do golpe, não comunica com o exterior e foi alvo de quase uma dúzia de acusações a um tempo graves, como sedição e corrupção, e ridículas, como ter em casa walkie-talkies (punível com quatro anos de prisão)..De walkie-talkies ilegais a corrupção: as doze acusações contra Aung San Suu Kyi.Na segunda-feira recebeu as duas primeiras sentenças, que lhe valeram quatro anos de condenação pelo tribunal militar - tendo posteriormente o chefe da Junta, Min Aung Hlaing, ter reduzido a pena a dois anos de prisão, segundo um comunicado lido na televisão estatal..O presidente deposto de Mianmar - nome imposto pelos militares em 1989, não reconhecido pelos EUA nem Reino Unido -, Win Myint, e o antigo presidente da câmara de Nepiedó, Myo Aung, também foram condenados. Estes altos dirigentes da Liga Nacional para a Democracia de Suu Kyi receberam sentenças de dois e quatro anos, respetivamente..Prova de que a junta vai continuar ostracizada pela comunidade internacional, horas depois da condenação de Suu Kyi, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução que adiou sem data o reconhecimento do governo estabelecido em Nepiedó. O mesmo tratamento é dado aos talibãs em Cabul, pelo que ambos os países vão continuar sem representante diplomático em Nova Iorque..De forma não oficial, porém, a China, tem estado a apostar as fichas no regime militar depois de ter visto ocorrer ataques a fábricas chinesas e temer pela segurança de um oleoduto e gasoduto em que investiu. Em maio, foi aprovado um projeto de gás natural de financiado por Pequim e no valor de 2,2 mil milhões de euros. Em agosto, a China investiu diretamente em vários projetos - um sinal de apoio à junta. Segundo especialistas ouvidos pela Foreign Policy, Pequim vê os militares como os prováveis vencedores, ainda que isolados internacionalmente e sem apoio popular..Do outro lado da barricada está o Governo de Unidade Nacional, um grupo opositor e pró-democrático liderado no exílio. Este, tendo como referência Suu Kyi, não se revê totalmente numa líder que sempre advogou a resistência pacífica. Prova disso é que em setembro declarou uma "guerra popular" contra a junta..Segundo dados da oposição, as Forças de Defesa Populares contarão com 2000 desertores das forças armadas e da polícia, que têm feito ataques a figuras do regime. Além disso, e em clara divergência com a ex-chefe do governo, o grupo defende a igualdade de direitos dos rohingyas, grupo étnico vítima de perseguição brutal dos militares.."A paisagem mudou completamente. A política dominante, os atores, a consciência política do povo - é tudo muito diferente", comentou ao New York Times Khin Ohmar, um ativista birmanês exilado nos EUA..cesar.avo@dn.pt