Assim não, Sr. Presidente

Publicado a
Atualizado a

Um ditado popular ensina-nos que quem cala consente. Um adágio que, adaptado ao comportamento do Presidente da República, aponta no sentido inverso: com ele, quem fala consente. E António Costa tem beneficiado deste consentimento.

Marcelo Rebelo de Sousa insiste em contrariar quem nele votou com a esperança de que funcionasse como contrapeso ao poder tentacular do PS. Eleitores que se enganaram redondamente. O chefe de Estado fala, fala, fala e já poucos o escutam. Porque sabem que o resultado é sempre o mesmo: no essencial, Marcelo nunca se demarca do governo.

O primeiro-ministro, com ele, pode dormir descansado. E até fazer graçolas, como aconteceu no 5 de Outubro, quando António Costa se permitiu fazer comparações entre ele próprio e o chefe de Estado aos jornalistas: "Nós não falamos. Nós agimos, fazemos, resolvemos. É essa a função fundamental do governo." Como se o Presidente fosse figura decorativa.

Em boa verdade, Marcelo Rebelo de Sousa tem feito por merecer este sarcasmo. Porque, no essencial, transformou o Palácio de Belém numa câmara de ressonância do palacete de São Bento.

Facilitar o percurso governativo parece ser um propósito do Presidente, que devia assegurar o regular funcionamento das instituições. De tal maneira que nem exigiu à "geringonça" um compromisso escrito entre os parceiros desta coligação informal, ao contrário do que fez o seu antecessor. Com isto, abdicou de uma importante parcela da sua autoridade como árbitro institucional.

Se este lapso do chefe de Estado já merecia crítica, tem-se acentuado desde as legislativas de Janeiro, quando o PS passou a comportar-se como se fosse dono disto tudo, sem prestar contas a ninguém. Ao ponto de vetar por sistema a comparência de ministros e outros responsáveis políticos no Parlamento, como se o governo não devesse explicações à Assembleia da República, da qual depende politicamente.

Um cenário de pré-mexicanização do regime, simbolizado naquela deputada do PS que quis apagar da acta parlamentar a intervenção de Carlos Guimarães Pinto, deputado do Iniciativa Liberal.

Neste contexto sucedem-se declarações inaceitáveis, como a da ministra da Agricultura a criticar a CAP por não recomendar o voto no PS ou dois secretários de Estado a desautorizarem o ministro da Economia, seu superior hierárquico, condenando-o à irrelevância. Além de cenas dignas de surrealismo político, como quando o primeiro-ministro revogou um despacho sobre o novo aeroporto emitido na véspera pelo ministro das Infraestruturas, tendo este permanecido no governo como se nada tivesse acontecido. Sem esquecer as recentes trapalhadas protagonizadas pela ministra da Coesão Territorial e pelo novo ministro da Saúde.

Com Mário Soares, o PS meteu o socialismo na gaveta. Com António Costa, parece ter metido a ética republicana no mesmo lugar. E o que faz Marcelo Rebelo de Sousa? Declarações inócuas sobre "abusos e omissões dos poderes", num discurso redondo próprio de quem não quer melindrar o chefe do governo, que, aliás, foi o primeiro subscritor público da sua recandidatura a Belém.

O Presidente parece comportar-se demasiadas vezes não como árbitro, mas como apoiante. Fala, mas consente.

Como quando ameaçou enviar para o Tribunal Constitucional as 35 horas, caso aumentasse a despesa pública. Falou, mas consentiu.

Quando recentemente foi lesto a promulgar o decreto do governo que mentia nas pensões e IVA da electricidade. Consentiu e falou depois.

É tempo de dizer com toda a clareza: assim não, Sr. Presidente.

Deputado do Iniciativa Liberal.

Escreve de acordo com a antiga ortografia.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt