Assembleia do Livre quer retirar confiança política a Joacine. Saiba todas as acusações

Órgão máximo do partido entre congressos, a Assembleia diz não poder "manter a confiança política em quem, por opção própria, reiteradamente prescindiu" de representar o Livre. Resolução tem de ser ratificada no congresso deste fim de semana.
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A Assembleia do Livre, o órgão máximo do partido entre congressos, vai propor ao congresso deste fim de semana do partido, em Lisboa, a retirada da confiança política à deputada eleita pelo partido, Joacine Katar Moreira.

"Considerando que a eleição para a Assembleia da República de uma representante do LIVRE é uma responsabilidade que transcende a Deputada eleita, e porque não se vislumbra da parte da Deputada, Joacine Katar Moreira, qualquer vontade em entender a gravidade da sua postura, nem intenção de a alterar, a Assembleia do Livre delibera retirar a confiança política à deputada, pelo que deixa de reconhecer o exercício do seu mandato como sendo exercido em representação do LIVRE", lê-se na resolução da 42ª Assembleia do partido, aprovada por unanimidade esta quarta-feira (15 de janeiro). Toda a parte relativa à deputada foi omitida no comunicado que o partido colocou online sobre a 42ª Assembleia.

"É com profundo pesar que tomamos esta deliberação, na plena consciência das consequências gravosas que daí advêm para a capacidade do Livre marcar a atual legislatura da Assembleia da República", prossegue o documento: "Não podemos manter a confiança política em quem, por opção própria, reiteradamente prescindiu de representar o partido".

"Vários dos problemas que prometemos ajudar a resolver estão a ser esquecidos e as causas pelas quais queríamos lutar não estão a ser representadas pela nossa atividade parlamentar", queixa-se a Assembleia do Livre, acrescentando que o trabalho que o partido prometeu fazer nas últimas legislativas "não está a ser efetivado".

A resolução da Assembleia, com 12 páginas, é um vasto libelo acusatório à deputada do Livre (que o DN tentou, em vão, contactar, através do seu assessor de imprensa, Rafael Esteves Martins). "A deputada Joacine Katar Moreira impôs condições, regras e ultimatos aos órgãos do LIVRE, revelando uma postura de intransigência, isolamento e desrespeito pelos mesmos", lê-se no documento: "Sabotou repetidamente a primeira competência estatutária da Assembleia do LIVRE, que é a definição da ação politica e estratégica do partido."

Todas as (20) acusações

1. "Reduzida comunicação com o GC [Grupo de Contacto, ou seja, a direção executiva do partido] no que concerne às negociações com o Governo relativas ao Orçamento Geral do Estado 2020, doravante designado por OGE 2020, e no desinteresse demonstrado no trabalho preparatório desenvolvido pelos Círculos Temáticos na preparação das propostas do LIVRE relativas ao OGE 2020."

2. "A deputada não foi recetiva e ignorou o apoio técnico disponibilizado pelo partido para elaboração e apresentação de iniciativas legislativas, nomeadamente na proposta da Lei da Nacionalidade, da qual o GC só teve conhecimento no próprio dia de entrega na Assembleia da República."

3. "A deputada não comunica pessoalmente com nenhum outro membro do GC, sendo os contactos realizados por meio do seu gabinete parlamentar."

4. "A deputada nunca explicou à Assembleia as razões para esse corte de comunicação, que foi unilateral e contribuiu para a crise, tornada pública, em torno da abstenção no voto n.º 54/XIV/1.ª, apresentado pelo PCP sob o título "De condenação da nova agressão israelita a Gaza e da declaração da Administração Trump sobre os colonatos israelitas."

5. "A Deputada desrespeitou o compromisso institucional, assumido previamente pelo Grupo do Contacto, em relação à composição da comitiva que representaria o partido numa reunião de alto nível e não se mostrou disponível para a preparação desta reunião, nem para a construção de uma mensagem pública convergente sobre a mesma."

6. "O GC propôs uma forma de articulação semanal que foi rejeitada pela deputada com a justificação que a articulação se faria nas reuniões semanais do GC. Não obstante, a deputada não esteve presente nas reuniões subsequentes, nem indicou justificação para essa ausência."

7. "Não comparência da deputada ou de qualquer elemento do gabinete parlamentar, em sua representação, na reunião agendada pela Assembleia do Livre (Grupo de Trabalho Programa) para articulação de trabalho sobre o OGE 2020, para a qual foram convocadas todas as estruturas envolvidas na preparação deste trabalho, nomeadamente o GC e os Círculos Temáticos Esquerda, Europa, Liberdade, e Ecologia."

8. "Falta de contributos apresentados pela deputada sobre o OGE 2020 na 42ª Assembleia, que tinha este assunto como ponto da ordem de trabalhos."

9. "A deputada comprometeu, reiteradamente, processos de escrutínio democrático por parte da Assembleia." Um dos exemplos: "Uma reunião realizada entre a deputada e o Governo, sobre a negociação para o OGE 2020, da qual o GC só teve conhecimento no dia seguinte, apesar de ter reiteradamente solicitado a marcação desta reunião e indicado o interesse em estar presente, como havia estado em ocasiões anteriores. Quando interrogada sobre o teor da reunião em questão por membros da Assembleia respondeu sobre o processo de marcação da mesma, recusando desenvolver as propostas concretas que foram discutidas nessa reunião."

10. "Na 39ª Assembleia, em plena crise política no partido, afirmou que teria de se ausentar mais cedo por motivos de deslocação em trabalho. Quando lhe foram oferecidas várias soluções alternativas de transporte recusou e ausentou-se, não ouvindo, nem respondendo às questões preparadas por diversos membros da Assembleia."

11. "Na 40ª Assembleia, a deputada impôs previamente um limite temporal para a sua participação na Assembleia (duas horas), padrão de comportamento reiterado em todas as Assembleias em que esteve presente, condicionando a possibilidade de diálogo e debate sobre os assuntos em discussão."

12. "A deputada sabotou repetidamente a primeira competência estatutária da Assembleia do Livre, que é a definição da ação politica e estratégica do partido, quer pelos seus processos de trabalho, quer pelo seu relacionamento com a Assembleia, em relação à qual recusa partilhar informação, dar conta das obrigações e tempos da Assembleia da República ou cooperar para atingir objetivos e propostas políticas comuns."

13. "Na 40ª Assembleia, lançou um ultimato relativo à presença de uma assessora na reunião de caráter reservado, recusando-se a estar presente se não pudesse estar acompanhada pela mesma.

14. "Ainda na 40ª Assembleia, a deputada recusou expressamente ouvir a intervenção de um dos membros da Assembleia, ausentando-se da sala durante essa intervenção."

15. "A deputada insurgiu-se, repetidamente, contra vários membros que participavam dos trabalhos [da 40ª Assembleia], quebrando a cultura de respeito mútuo e de urbanidade que norteia o partido, recusou assumir as consequências das suas ações e omissões, e responsabilizar-se pelas mesmas, perante a Assembleia."

16. "Na 42ª Assembleia, a deputada recusou, num primeiro momento, apresentar a sua avaliação política do OGE 2020 e quando a Mesa lhe explicou a importância de a Assembleia ouvir a deputada para decidir sobre os seus posicionamentos políticos, a deputada saiu da Assembleia sem justificação. Após o seu regresso, a deputada fez algumas considerações políticas gerais, mas não deu conta da sua avaliação política sobre este OGE, nem do consequente sentido de voto."

17. "Não mostrou disponibilidade e abertura para trabalhar com os órgãos do partido com vista a uma prestação política positiva no OGE 2020 e para o qual muito foi produzido, através de trabalho anterior e atual desenvolvido pelos Círculos Temáticos, pela Assembleia, pelo GC, através de moções específicas apresentadas em Congressos, comunicados e programas eleitorais, e por muitos outros contributos de membros e apoiantes do partido."

Por outro lado, "em vários momentos da atual legislatura, a deputada cometeu erros políticos que seriam evitáveis com uma relação colaborativa com os outros órgãos e estruturas do partido e, de forma mais geral, a quantidade e qualidade das iniciativas parlamentares do partido, assim como a coerência dos seus sentidos de voto, sofreu com a ausência dessa relação". Exemplos:

18. "O chumbo da Lei da Nacionalidade, sem pedido para baixar à especialidade, que se deveu à completa falta de coordenação com os órgãos do partido na sua produção e que tornou o LIVRE irrelevante na discussão parlamentar sobre um dos seus principais compromissos eleitorais."

19. "A falta de preparação revelada nas intervenções no plenário e nas comissões parlamentares em relação à matéria em discussão, designadamente nas intervenções no debate sobre o OGE 2020 e na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, na interpelação ao Ministro do Ambiente e da Transição Energética sobre a mineração de Lítio, quando muito trabalho específico sobre este temas foi realizado no partido com o conhecimento da Deputada"

20. "A recusa em declarar (pela sua voz ou do partido) o sentido de voto do LIVRE no OGE 2020 antes da votação na generalidade, contra o conselho do GC. O facto de a explicação do sentido de voto ter sido pública já após a votação constituiu mais uma oportunidade perdida de afirmação dos posicionamentos e propostas políticas do Livre."

"Autonomia" versus "desresponsabilização"

O partido diz que "respeitou sempre a autonomia da deputada Joacine Katar Moreira".

Mas "existe, no entanto, uma diferença fundamental entre autonomia e desresponsabilização, diferença essa que a deputada não tem respeitado".

"Joacine Katar Moreira não exerce o seu mandato como independente: não só foi eleita nas listas do Livre, como é membro do partido e até da sua direção, e está na Assembleia da República também nessa qualidade". Porém, a sua relação com os órgãos do partido "tem sido de antagonismo e polarização, ao adotar a partir de São Bento, uma postura de constante e reiterado confronto com estes órgãos".

Ou seja: "O Livre respeitará sempre a autonomia dos seus eleitos e eleitas, como faz com os demais representantes do partido, mas não poderá aceitar que estes adotem uma atitude que tem como consequência o atropelamento dos órgãos internos, também eles democraticamente eleitos, e dos processos colaborativos e colegiais que caracterizam a ação política do partido."

Uma moção setorial apresentada ao Congresso do Livre, subscrita por militantes do norte - nenhum dos quais dirigente nacional - já desafiava Joacine a renunciar ao mandato (ou então, caso o recusasse, que o partido lhe retirasse confiança).

Agora, com esta resolução do órgão máximo entre congressos, fica claro que a rutura está consumada: ou Joacine renuncia deliberadamente (ninguém lhe pode retirar o mandato) ou passa a independente.

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