As turbinas da discórdia entre Kiev, Berlim e Otava
A Ucrânia apelou ontem ao Canadá para que cancele a devolução à Alemanha das turbinas do gasoduto Nord Stream 1, por onde entra grande parte do gás natural russo, dizendo que isso será uma violação das sanções à Rússia. Moscovo alega que está à espera da chegada das peças, que estavam em manutenção, antes de aumentar o fornecimento de gás à Europa, algo que Kiev nega ser verdade, acusando Berlim de ceder à "chantagem" russa. No palco da guerra, pelo menos 15 pessoas morreram num ataque com um míssil contra um edifício residencial em Chasiv Yar.
O ministro dos Recursos Naturais canadiano, Jonathan Wilkinson, anunciou no sábado que o governo vai emitir uma "autorização revogável e por tempo limitado" para permitir a devolução das turbinas, que estiveram em manutenção numa fábrica da Siemens em Montreal e cuja entrega tinha sido suspensa por causa das sanções interpostas pela invasão russa da Ucrânia. As peças serão entregues aos responsáveis alemães e não diretamente à Rússia, como originalmente previsto. A chefe da diplomacia, Mélanie Joly, anunciou entretanto mais sanções contra os setores do petróleo e do gás russos.
Wilkinson lembrou que Otava apoia "a capacidade da Europa de aceder a energia confiável e acessível, enquanto continua a afastar-se do petróleo e gás russo". E que "na ausência do fornecimento necessário de gás natural, a economia alemã irá sofrer dificuldades significativas e os próprios alemães correrão o risco de não serem capazes de aquecer as suas casas no inverno". Wilkinson acusou ainda o presidente russo, Vladimir Putin, de querer "semear divisões" entre os aliados ocidentais.
A Rússia tinha dito no mês passado que o atraso na devolução das turbinas era a razão para o corte no fornecimento de gás natural através do Nord Stream 1 à Alemanha, dizendo que este estava a funcionar a apenas 40% da capacidade. O Kremlin afirmou na sexta-feira que aumentaria o fornecimento se as turbinas fossem devolvidas. A entrada em funcionamento do Nord Stream 2, que corre paralelo ao 1 e ficou concluído no ano passado, foi suspenso devido à guerra.
Os ministérios da Energia e dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, num comunicado conjunto, dizem considerar o acordo entre canadianos e alemães para a devolução das turbinas como uma manipulação das sanções para atender aos caprichos russos. "Este perigoso precedente vai contra o princípio do Estado de Direito e terá apenas uma consequência: fortalecer a sensação de impunidade de Moscovo."
Os ucranianos alegam que a Rússia poderia continuar a enviar o gás natural acordado à Alemanha pelo Nord Stream 1 sem a turbina que estava no Canadá - três estarão desligadas sem justificação - ou usar outros gasodutos alternativos. "A Ucrânia providenciou explicações abrangentes aos alemães e canadianos. Ambos os lados confirmaram perceber que a exigência russa não tem fundamento técnico. Contudo, a decisão de ceder às exigências infundadas da Rússia foi tomada na mesma", indicaram.
No terreno, as forças russas continuam os ataques na região de Donetsk, no leste da Ucrânia. Um míssil atingiu um edifício de apartamentos em Chasiv Yar, causando a morte a pelo menos 15 pessoas. Ao final do dia de ontem, os socorristas tinham conseguido retirar cinco pessoas com vida dos escombros, mas havia ainda 30 desaparecidos, segundo o governador de Donetsk, Pavlo Kyrylenko.
No sábado à noite, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, criticou os bombardeamentos russos "totalmente deliberados" a áreas residenciais. "Estas ações terroristas só podem ser travadas com armas, modernas e poderosas", afirmou, agradecendo o último pacote de armas dos EUA, no valor de 400 milhões de dólares.
susana.f.salvador@dn.pt