Jared Kushner, o genro de Donald Trump, apresenta nesta terça e quarta-feira em Manama, no Bahrein, a primeira parte do plano anunciado há mais de dois anos pelo presidente norte-americano para revitalizar o processo de paz no Médio Oriente. Porém, nem israelitas nem palestinianos estarão presentes, sendo que muitos dos outros países árabes à volta não irão fazer-se representar ao mais alto nível. Enviarão apenas ministros, secretários de Estado ou representantes económicos. Aquilo que começou por ser anunciado como uma grande conferência internacional, acabou resumido a um workshop de dois dias, que decorrerá no hotel Four Seasons sobre uma ilha artificial ao largo da capital do Bahrein..O workshop, intitulado Paz e Prosperidade, visa apresentar a parte económica do plano. Como aconteceu na origem com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, que se centrou primeiro na economia, deixando a política para depois, Kushner acredita que é preciso primeiro desenvolver economicamente os territórios palestinianos e os países da região para depois, mais tarde, se chegar a uma solução política que resolva a disputa entre israelitas e palestinianos. Estes não compram a ideia e muitos analistas alertam para o facto de isto esconder o facto de os norte-americanos quererem deixar cair a solução dos dois Estados, vivendo lado a lado e em paz, que ainda é a que reúne o apoio da maioria da comunidade internacional..Num preview concedido à agência Reuters, o marido de Ivanka Trump, que é judeu, avança que o seu plano económico prevê um fundo de investimento de 50 mil milhões de dólares, ou seja, 43,9 mil milhões de euros para desenvolver as economias palestiniana e dos países árabes à volta. Metade dessa verba seria gasta nos próximos dez anos nos Territórios Palestinianos. O resto seria absorvido pelos vizinhos Líbano, Egito e Jordânia. Entre as 179 infraestruturas e propostas de negócios incluídas no plano de Kushner está, por exemplo, a velha ideia de criar um corredor de transportes entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Para isso o plano prevê uma verba de 5 mil milhões de dólares, ou seja, 4,3 mil milhões de euros. O financiamento de todo este plano económico, segundo a administração Trump, viria dos países árabes ricos.."Haverá elogios de algumas partes, haverá críticas de outras partes, mas espero que seja construtivo. Prefiro sempre que as pessoas partilhem aquilo a que são a favor do que aquilo a que são contrárias. Se as pessoas tiverem um criticismo construtivo, dar-lhe-emos as boas-vindas, tentaremos fazer alterações, mas a expectativa é que consigamos juntar pessoas diferentes da Europa, da Ásia, do Médio Oriente e concordar que este será um bom caminho a seguir se conseguirmos resolver as questões políticas", disse, à Reuters, Jared Kushner, antes do seu workshop Paz e Prosperidade. O genro de Trump depara-se, porém, com várias pedras nesse caminho e estas podem, desde logo, inviabilizar o seu plano..As questões que permanecem por resolver.Com o processo de paz israelo-palestiniano paralisado, sem quaisquer avanços, há várias questões que permanecem em aberto, como o estatuto final de Jerusalém, que inclui locais sagrados para o judaísmo, o islão e o cristianismo, como o estabelecimento de fronteiras por mútuo acordo, como o fim dos milhares de colonatos judaicos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, o fim dos ataques de grupos armados palestinianos contra o Estado de Israel, uma solução para os milhões de refugiados palestinianos espalhados pelo mundo, um acordo sobre recursos naturais importantes como a água, por exemplo. Outro pomo da discórdia é o Vale do Jordão, zona ocupada pelos israelitas na Cisjordânia, na fronteira com a Jordânia. Israel não abdica dessa zona fértil e os palestinianos querem que essa zona seja parte do seu futuro Estado. O Vale do Jordão representa cerca de 30% da Cisjordânia e é considerado um celeiro e um ponto de acesso à Jordânia.."A Palestina não está à venda".Há vários dias que os palestinianos protestam contra este plano norte-americano, tanto na Cisjordânia como na Faixa de Gaza, sendo a primeira controlada pela Autoridade Palestiniana de Mahmud Abbas e a Fatah e a segunda pelos islamitas do Hamas. Apesar das divergências intrapalestinianas, no que toca à rejeição do plano de Kushner, os palestinianos estão unidos. "Abaixo o Bahrein, abaixo Trump, abaixo a conferência de Manama", gritavam manifestantes palestinianos em Gaza, segundo uma reportagem de Nidal al-Mughrabi para a Reuters. Alguns queimaram cartazes com o rosto de Trump, nos quais escreveram "acordo do demónio". Isto porque o presidente norte-americano prometera um "acordo do século".."O dinheiro é importante. A economia é importante. Mas a política é mais importante. A solução política é mais importante. Agradecemos a todos quantos nos queiram ajudar, quer seja em Manama quer seja noutro sítio qualquer. Mas, por agora, rejeitamos este acordo do século. O que é que os norte-americanos estão a propor de original? 50 ou 60 mil milhões de dólares? Estamos habituados a este tipo de coisas absurdas. Não vamos continuar a mentir mais uns aos outros. Ninguém vai viver o suficiente para ver esses 50 ou 60 mil milhões de dólares chegarem", declarou o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas. "A Palestina não está à venda", afirmou, por sua vez, Ismail Rudwan, porta-voz do Hamas..Não se sabe quando Kushner e Trump preveem divulgar a segunda parte, a política, do plano. Nem onde. Jason Greenblatt, enviado dos EUA para o Médio Oriente, indicou que essa parte seria adiada até novembro pelo menos, por causa das eleições legislativas antecipadas de setembro em Israel - as segundas no espaço de seis meses. Os palestinianos recusam qualquer diálogo patrocinado pelos EUA, país que acusam ser pró-Israel, sobretudo depois de decisões como o reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel, o reconhecimento da soberania de Israel sobre os Montes Golã ou o cancelamento do financiamento para a Agência da ONU para os Refugiados Palestinianos (UNRWA)..O único palestiniano que confirmou que irá assistir ao workshop de Kushner é Ashraf Jabari, um empresário de Hebron, de 45 anos, que tem negócios com colonos judaicos. "Se Deus quiser, irei", disse, citado pelo Times of Israel. Jabari, que é um antigo membro da Autoridade Palestiniana, criou o seu próprio partido, defendendo parcerias comerciais entre israelitas e palestinianos para além da Linha Verde (fronteira da Cisjordânia definida antes de 1967 durante as negociações para a criação de um Estado palestiniano)..Netanyahu sem certezas de conseguir formar governo.Israel indicou que irá escutar o que tem a dizer o genro de Trump, mas frisou, desde logo, que todas as suas exigências se mantêm intocadas. "Vamos ouvir a posição dos americanos, de forma justa e aberta. Não entendo como os palestinianos, ainda antes de ouvirem o plano, já o rejeitaram. Em qualquer acordo de paz, a nossa posição será a de que a presença israelita deve continuar [no Vale do Jordão], para garante da segurança de Israel e de todos", afirmou, no domingo, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, do Likud..A 29 de maio, Netanyahu falhou em conseguir formar um governo maioritário, depois de ter ganho as legislativas de 9 de abril por apenas 14 489 votos a mais em relação à Coligação Azul e Branca, do rival Benny Gantz. Os israelitas deverão agora regressar às urnas a 17 de setembro..No centro desta mais recente crise política em Israel está o facto de um dos aliados de coligação de Netanyahu, o líder do partido de extrema-direita e laico Yisrael Beitenu, o ex-ministro da Defesa Avigdor Lieberman, ter repescado uma exigência antiga em Israel: que o serviço militar obrigatório passe a ser igual para todos e se acabe com a isenção concedida aos estudantes seminaristas judeus ultraortodoxos, a qual é entendida, por grande parte da população, como uma injustiça..O problema é que os outros parceiros que o primeiro-ministro queria incluir na sua coligação são formações ultraortodoxas que representam os cerca de 10% de israelitas que seguem de forma rigorosa as regras do judaísmo. O mais intransigente desses partidos é o Judaísmo Unido da Torah, liderado por Yaakov Litzman..Lieberman foi ex-chefe de gabinete de Netanyahu entre 1996 e 1997 e é considerada uma personalidade muito influente junto das centenas de milhares de israelitas oriundos da antiga URSS. Lieberman considera que os homens ultraortodoxos devem partilhar o fardo do serviço obrigatório com os outros judeus israelitas, em vez de estarem isentos do recrutamento, como tem acontecido desde a fundação do Estado de Israel, em 1948..Não é, porém, certo que o Likud de Netanyahu consiga maioria absoluta desta vez. As últimas sondagens dão-lhe 39 deputados, apenas mais quatro do que os 35 da Coligação Azul e Branca. Para a maioria absoluta é preciso formar um governo de coligação que garanta uma maioria absoluta de 61 dos 120 deputados do Knesset. O impasse poderá, mesmo depois de setembro, manter-se em Israel..Trump entre o segundo mandato e a tensão com o Irão.Se Netanyahu está embrenhado em campanha eleitoral, Trump também acabou de lançar a sua campanha para um segundo mandato na Casa Branca, nas eleições presidenciais de 2020..Até agora só tem um rival, o republicano libertário William Weld, ex-governador do Massachusetts. Apesar de ilibado pela comissão que investigou o conluio com os russos aquando das eleições de 2016, a pressão do Congresso em relação a este assunto não dá mostras de aliviar..Do lado democrata, a corrida está mais concorrida, com 20 candidatos pelo menos. Estes participarão num debate, divididos em dois grupos de dez, na próxima quarta e quinta-feira..Trump encontra-se também a jogar um perigoso jogo de tensão com o Irão dos ayatollahs. Na sequência de uma série de incidentes desde que o presidente norte-americano decidiu retirar, no ano passado, os EUA do acordo sobre o nuclear iraniano, Trump esteve para ordenar - mas recuou à última hora - um ataque ao Irão na semana passada. Isto depois de um drone norte-americano ter sido abatido pela força aérea iraniana. O chefe do Estado norte-americano justificou o recuo dizendo que não quis tomar uma ação desproporcionada que resultaria em pelo menos 150 mortos do lado iraniano..Nesta segunda-feira, Trump assinou uma ordem executiva a impor mais sanções ao Irão em resposta ao drone abatido. Minutos depois, informa a Reuters, o presidente afirmou que as sanções já iriam ser aplicadas de qualquer forma independentemente de ter havido ataque ao drone ou não. O presidente norte-americano disse que as sanções - que podem manter-se "durante anos" - vão atingir em particular o guia supremo da República Islâmica, Ali Khamenei..Os vizinhos árabes e a questão dos refugiados palestinianos.A maioria dos refugiados palestinianos vive na Jordânia e a própria rainha Rania é de origem palestiniana. São dois milhões de pessoas, segundo dados da UNRWA. Daí a cautela com que os jordanos participam neste workshop de Kushner, desconfiando sempre de qualquer proposta que torne permanente em solo jordano a situação daqueles refugiados. Tal como o Egito, a Jordânia far-se-á representar pelo ministro das Finanças. A Arábia Saudita enviará o ministro da Economia mas já prometeu que não aceitará concessões prejudiciais às posições dos palestinianos. O mesmo garantiu os Emirados Árabes Unidos. Marrocos ficou de confirmar a presença. O Koweit enviará uma mera equipa técnica. O Líbano e o Iraque não participarão..Do lado da China, a administração Trump diz esperar ainda a confirmação. Da parte da Rússia, irá o líder do fundo soberano russo, Kirill Dmitriev. Isto apesar de Moscovo criticar o workshop como "uma tentativa inaceitável de desviar a atenção do processo de paz do Médio Oriente e do enquadramento legal internacional". O FMI e o Banco Europeu de Reconstrução indicaram que se farão representar. Tal como a ONU, que irá enviar Jamie McGoldrick, o coordenador humanitário das Nações Unidas para a Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental..Curioso que, na mesma altura do workshop de Kushner no Bahrein, sublinha a Reuters, realiza-se em Nova Iorque a conferência anual da UNRWA para angariar fundos. Isto depois de os EUA de Trump terem cortado as suas contribuições para esta agência. Segundo o jornal Israel Hayom, o plano do genro de Trump contempla a hipótese de Israel retirar à UNRWA a autorização para trabalhar na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Estabelecida em 1949, a UNRWA fornece ajuda fundamental aos palestinianos em Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia, no Líbano e na Síria.