Há 30 anos abria-se a primeira brecha na Cortina de Ferro, expressão cunhada por Winston Churchill para se referir à divisão da Europa em duas partes, uma oriental, sob influência da União Soviética, outra ocidental, sob a alçada dos EUA (divisão que depois seria fisicamente traduzida naquilo que veio a ser o Muro de Berlim). A 19 de agosto de 1989, 15 mil pessoas reuniram-se em Sopron, perto da fronteira austro-húngara, para um piquenique pan-europeu destinado a assinalar o fim da Guerra Fria..Seiscentos alemães de Leste conseguiram escapar para o outro lado do muro sem que as autoridades usassem a violência (desde 2 de maio que a Hungria tinha desmontado as cercas de arames farpado e desligado os alarmes na sua fronteira com a Áustria). Um mês depois do piquenique, a Hungria abriu as fronteiras a 30 mil refugiados da Alemanha de Leste a residir no país. E três meses mais tarde, a 9 de novembro, caía o Muro de Berlim..Nesta segunda-feira, 19 de agosto de 2019, os líderes da Alemanha e da Hungria assinalaram o acontecido em Sopron. A chanceler alemã recordou que teve receio quando naquela altura viu anunciado o piquenique e enalteceu a coragem e a humanidade dos guardas fronteiriços húngaros da altura. Angela Merkel considerou que aquele piquenique é uma prova dos valores "da solidariedade, da liberdade e de uma Europa humana". Apesar de ter crescido na ex-RDA, a líder democrata-cristã sempre considerou que a economia de mercado livre e uma política de valores liberais eram a melhor opção..Orbán recorda a libertação do jugo soviético."Os 'acampamentos' húngaros estavam cheios de cidadãos da República Democrática Alemã (RDA) e também aí foram distribuídos os folhetos. Centenas de pessoas partiram rumo a Sopron, deixando tudo para trás para alcançar a liberdade do outro lado da fronteira. O piquenique tornou-se na maior fuga em massa da RDA desde a construção do Muro de Berlim, em 1961. Foi um evento histórico mundial", sublinhou a chanceler, em Sopron..O primeiro-ministro húngaro, por seu lado, enalteceu o facto de os acontecimentos de há 30 anos terem "aberto o caminho para a reunificação alemã" e lembrou que, para o seu povo, "a libertação do jugo soviético só seria definitiva com a Alemanha unida". Viktor Órban era, em 1989, um centrista liberal, chegando a ter uma bolsa de estudo da Fundação Soros, da qual é hoje um acérrimo crítico e contra a qual lançou nos últimos anos uma espécie de purga na Hungria..Hoje, o chefe do governo húngaro é o rei dos nacionalistas e dos populistas europeus e autoproclamado líder de uma democracia iliberal na Hungria. Anti-imigração, Orbán recusa as políticas europeias de repartição de migrantes e refugiados e mandou erguer uma vedação ao longo de 600 quilómetros da fronteira do seu país, com o objetivo de impedir a entrada destes, nomeadamente através da chamada rota dos Balcãs..Orbán foi, aliás, um dos maiores críticos de Merkel quando esta abriu as portas a 1,5 milhões de refugiados. Essa decisão custou basicamente a carreira política à chanceler, que viu o seu partido cair nas eleições e nas sondagens, muito à custa do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha. Em 2017 foi a primeira vez, desde a II Guerra Mundial, que a extrema-direita entrou no Bundestag. A Europa ficou em sobressalto. Este partido tem capitalizado o descontentamento dos alemães. Primeiro, em relação às grandes coligações, entre a CDU/CSU e SPD, estando os sociais-democratas numa crise profunda. Segundo, em relação aos benefícios sociais que são concedidos aos migrantes e aos refugiados. E, curiosamente, é na ex-Alemanha de Leste que a AfD mais eleitores tem conseguido ganhar. À crise política junta-se agora o espetro da recessão económica, com avisos até do Bundesbank. E a Europa volta a ficar novamente em sobressalto. Afinal de contas, a Alemanha é a maior economia da União Europeia..Uma coisa é certa, tanto Merkel como Orbán são dois dos poucos sobreviventes da política europeia, estando a primeira no poder desde 2005 e o segundo desde 2010. Este encontro entre eles foi um acontecimento raro. A última grande reunião bilateral entre ambos foi em julho de 2018, quando Orbán visitou Berlim pela primeira vez no espaço de três anos. Depois do encontro entre a líder alemã e o seu homólogo húngaro, de manhã, em Sopron, à tarde foi a vez do encontro entre Emmanuel Macron e Vladimir Putin, na residência de verão do presidente francês, no forte de Brégançon, departamento de Var. A última vez que se tinham visto foi na cimeira do G20 em Osaka, no Japão, em junho..Macron quer apoio russo para lidar com iranianos.A poucos dias da cimeira do G7, em Biarritz, o chefe do Estado francês procura o apoio do presidente russo para resgatar o acordo assinado entre Teerão e as grandes potências em 2015, mas abandonado pelos EUA de Donald Trump, em 2018. Também a guerra na Síria e a situação na Ucrânia foram abordadas pelos dois líderes. Macron espera que Putin aproveite a oportunidade dada pelo novo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para um novo tipo de diálogo..Depois de receber o líder russo naquele forte histórico - e antes de prosseguirem para um jantar -, Macron disse aos jornalistas que espera uma cimeira sobre a situação na Ucrânia nas próximas semanas. Putin, porém, disse não ver que um outro formato negocial possa substituir o chamado Quarteto da Normandia (França, Alemanha, Rússia e Ucrânia). Com este encontro, Paris oferece uma abertura ao diálogo com a Rússia, excluída do G7 (ex-G8) desde 2014, depois da anexação da Crimeia à Ucrânia.."Duelo ou dupla?", questionou o jornal francês Libération, referindo que Macron quer tentar estabelecer uma outra relação com a Rússia, a qual considera "um parceiro necessário". "Macron quer reconciliar Putin e a Europa", titulou, por seu lado, o Le Monde. Mas a solução tem de ser de win-win. "Em Brégançon, Putin espera influenciar o G7, graças a Macron", escreveu o Les Echos. No sentido de eliminar pontos de crispação, a justiça russa libertou o banqueiro francês Philippe Deal, detido desde fevereiro sob acusação de fraude, notou a AFP..Com a anexação da Crimeia - e outras aventuras -, Putin, há 20 anos no poder, quis fazer a Rússia grande outra vez. Mas a verdade é que está a ser alvo de forte contestação a nível interno. Manifestantes, muitos deles muito jovens, têm saído insistentemente à rua para protestar contra o facto de a oposição ter sido impedida de participar nas eleições locais do próximo mês em Moscovo. Andrew Roth, do The Guardian, em Moscovo, escrevia nesta semana que, depois de duas décadas no poder, Putin conseguiu produzir uma nova geração de opositores..Nas declarações aos jornalistas, indicou a Reuters, Macron fez questão de sublinhar a importância do respeito pela liberdade de expressão e de eleições livres na Rússia. "Neste verão apelamos à liberdade para protestar, à liberdade de opinião, à liberdade de concorrer a eleições. Isso deve ser respeitado na Rússia, como em qualquer outro membro do Conselho da Europa", declarou o chefe do Estado francês, rematando: "Porque eu acredito numa Rússia europeia. Porque a Europa vai de Lisboa a Vladivostok." Líderes de outros países da UE, como a Polónia ou a Estónia, terão, porém, outra opinião em relação à Rússia. Sobretudo à Rússia de Putin..A isso Putin respondeu que, na Rússia, não quer protestos como os dos coletes amarelos em França. Mas que nada tem contra manifestações pacíficas. E referiu que se a oposição está impedida de participar nas eleições, é porque as autoridades competentes determinaram que as suas candidaturas apresentaram assinaturas falsificadas..Boris continua a prometer Brexit, a 31 de outubro, com ou sem acordo.Depois destas reuniões, Merkel e Macron reúnem-se com Boris Johson, que fará a sua estreia neste G7 como primeiro-ministro do Reino Unido. Ela na quarta-feira, ele no dia seguinte. Nesta segunda-feira, no tom que o caracteriza, Boris avisou: "Espero que venham preparados para fazer um compromisso.".Falando aos jornalistas em Truro, no sudoeste de Inglaterra, o novo chefe do governo britânico e líder do Partido Conservador reiterou, nesta segunda-feira, que o Reino Unido vai sair da União Europeia a 31 de outubro com ou sem acordo.."Estamos preparados para sair a 31 de outubro. Com acordo ou sem acordo. Os nossos amigos e parceiros do outro lado do canal [da Mancha] estão a mostrar um pouco de relutância em mudar a sua posição. Tudo bem. Estou confiante de que mudarão", declarou, confessando-se esperançado em que, à última hora, a UE aceite renegociar o acordo do Brexit..Para aumentar ainda mais a pressão, o governo britânico confirmou, nesta segunda-feira, que em caso de No Deal a livre circulação de pessoas cessará de forma imediata.."A livre circulação que existe atualmente vai terminar a 31 de outubro, quando o Reino Unido sair da UE. Por exemplo, vamos introduzir imediatamente regras mais rigorosas em matérias criminais para as pessoas que entram no Reino Unido", indicou uma porta-voz do executivo, citada pelas agências..A mesma fonte adiantou que o governo conservador pretende introduzir um sistema de pontos, similar ao implantado pela Austrália para controlar a imigração..A acontecer, esta medida é um endurecimento da posição na matéria, visto que a negociação da ex-primeira-ministra Theresa May com a UE previa um "período de transição" de dois anos, que permitia viagens em trabalho ou para estudar de cidadãos europeus para o Reino Unido, mesmo em caso de saída sem acordo..Porém, esse acordo foi chumbado - por várias vezes - no Parlamento britânico e, a menos que outro arranjo seja alcançado, o país sai da UE sem acordo, a 31 de outubro..No mesmo dia, falando em Corby, o líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, prometeu tudo fazer para travar uma saída do Reino Unido sem acordo, ou seja, um No Deal Brexit.."Sejamos claros. Nós [os trabalhistas] faremos tudo o que seja necessário para travar um desastroso Brexit sem acordo, para o qual este governo não tem legitimidade", declarou o líder do Labour..Segundo o líder trabalhista, o governo pretende aproveitar-se da falta de acordo com a UE para "criar um paraíso fiscal para os super-ricos às portas da Europa e assinar um acordo comercial com [o presidente norte-americano] Donald Trump"..Corbyn admitiu mesmo apresentar uma moção de censura contra o governo de Boris Johnson. Esta contaria, além dos trabalhistas, com o apoio dos liberais-democratas, dos Verdes, do Partido Nacionalista Escocês e, até mesmo, de alguns rebeldes conservadores contrários ao No Deal Brexit. Mas como Corbyn também não é uma figura propriamente consensual, outra figura poderia ir para primeiro-ministro. Jo Swinson, a nova líder dos liberais-democratas, admitiu aceitar nomes como os de Kenneth Clarke ou Harriet Harman..O golpe de Salvini e um imbróglio chamado Open Arms.À boleia da luta contra migrantes e refugiados, Matteo Salvini, ministro do Interior italiano e líder do partido populista Liga, tem subido a pique nas sondagens e, na sequência disso, tentado fazer cair o governo de coligação - entre o seu partido e o Movimento 5 Estrelas de Luigi Di Maio. O seu objetivo é provocar eleições antecipadas em outubro. E ganhá-las, aliando-se depois à Força Itália de Silvio Berlusconi e aos Irmãos de Itália de Giorgia Meloni, num governo de ultradireita..Mas tiro pode sair pela culatra. Na semana passada, a Liga quis fazer votar uma moção de censura contra o primeiro-ministro Giuseppe Conte, um tecnocrata. Mas viu a proposta rejeitada. O Senado italiano adiou a decisão sobre o futuro do governo para esta terça-feira, dia 20. É esperado um discurso forte de Conte, que não deverá poupar a Liga. E a sua demissão..Neste momento fala-se de uma possível aliança entre o Partido Democrático e o 5 Estrelas para formar um governo alternativo, impedindo, assim, Salvini de levar o seu plano a bom porto. Matteo Renzi, ex-primeiro-ministro de Itália, estará disponível para regressar ao poder. Mas o novo líder do PD, Nicola Zingaretti, não vê com bons olhos uma aliança ao 5 Estrelas, sobretudo numa altura em que o partido está a tentar recuperar e arranjar uma estratégia própria. "Matteo Salvini tem de ser travado. É importante enviar uma mensagem forte - a de que há uma alternativa", disse Renzi, citado pelo The Guardian neste fim de semana..A posição de Itália, nesta cimeira do G7, em Biarritz, estará altamente fragilizada qualquer que seja o dossiê em negociação. Mas Salvini não quer saber e prossegue a sua batalha anti-imigração, garantindo que as suas políticas reduziram em 80% as chegadas de migrantes e de refugiados a Itália..As suas políticas consistem, sobretudo, em impedir que navios como migrantes resgatados no Mediterrâneo atraquem em Itália. Isso já lhe valeu várias guerras com outros países, sobretudo com a Espanha, o país que mais se tem disponibilizado para ajudar e para receber essas pessoas. O caso mais recente é o do navio da Open Arms, com 107 migrantes a bordo..Salvini impediu o navio de ir para Lampedusa, Espanha ofereceu Algeciras, mas a ONG Open Arms recusou, porque isso demoraria sete dias e a situação no navio é insustentável. Houve já casos de migrantes desesperados a atirarem-se ao mar. Segundo o jornal italiano La Repubblica, o navio será acordo escoltado até Menorca. Mas também aqui não há consenso. "Após 18 dias de impasse, Itália e Espanha parecem ter chegado a um acordo para designar Menorca, nas Baleares, como porto de desembarque. Uma decisão que nos parece totalmente incompreensível", denunciou a ONG, num comunicado citado pela AFP..Vários países europeus, incluindo Portugal, ofereceram-se para acolher os migrantes, uma vez que estes cheguem a terra. No meio da confusão, a vice-primeira-ministra do governo espanhol em funções, Carmen Calvo, do PSOE de Pedro Sánchez, denunciou que o navio da Open Arms "pôde entrar em Malta e não quis, preferindo ir para Itália". A afirmação poderia acabar por dar alguma razão a Salvini, que classifica as ONG que recolhem migrantes como máfias e quer penalizar com avultadas multas a atividade das mesmas..O diretor da Open Arms Itália, Ricardo Gatti, citado pela Europa Press, acusou a vice-primeira-ministra espanhola de estar a "deturpar a realidade". Gatti explicou que chegou a estar previsto um transbordo para uma embarcação maltesa de uma parte dos migrantes, mas que devido a desacatos a bordo, gerados por ansiedade e stress dos migrantes que estavam há mais dias no navio, a operação teve de ser abortada. Para o responsável, "as soluções de Espanha" são "ridículas" e "denunciam uma verdadeira ausência de intenção" por parte do governo..A Espanha continua sem governo, depois de Sánchez ter falhado a investidura como primeiro-ministro, na sequência das eleições legislativas de 28 de abril. Nestas, o PSOE não teve maioria absoluta e não conseguiu, entretanto, um acordo de coligação ou de apoio parlamentar para garantir a formação de um novo executivo.."Para dar dignidade aos resgatados, eles podiam transferi-los para Catania, na Sicília, e daí levá-los para Madrid. Alugar um Boeing para 200 pessoas tem um custo de 240 euros por passageiro", disse Riccardo Gatti, chefe de missão da Open Arms em Itália, aos jornalistas presentes na doca de Lampedusa.