As "lebres" e as "tartarugas" da recuperação económica pós-covid
Na melhor das hipóteses, a recuperação da economia vai começar no início do segundo semestre deste ano. Na pior, só no final do ano ou início de 2021. Tudo vai depender da duração, intensidade da doença e capacidade de achatamento da curva para conter o número de casos. E poderá haver uma segunda ou mesmo terceira vaga da pandemia nos meses do outono e do inverno.
A crise, por ser externa e por atingir todo o mundo, afeta sobretudo as atividades que estão mais expostas à evolução da economia mundial e ao ritmo de recuperação dos principais destinos das exportações nacionais e, claro, dos países que alimentam o turismo com peso crescente nos últimos anos.
Este é o setor com impacto imediato mais violento e será o que mais devagar deverá sentir a sua retoma. A desconfiança e o medo dos turistas serão o principal motor (ou travão) de deslocações internacionais, mesmo que os governos aliviem as medidas de confinamento.
A economia, como um todo, pode recuperar em 2021, mas muitos setores ficarão para trás e, como já referiu o ministro da Economia, haverá empresas que não vão resistir, acabando por fechar portas.
O setor do turismo (que inclui alojamento e restauração) tem sido até agora o mais fustigado pela crise pandémica. Na segunda semana de abril, quase 6% das empresas desta área tinham encerrado definitivamente e mais de metade fechou de forma temporária.
No ranking dos setores de atividade mais afetados surge o comércio, onde quase 2% das empresas inquiridas responderam ter fechado portas de forma definitiva e 15% suspenderam a atividade. Os resultados constam do inquérito rápido semanal do INE e Banco de Portugal para avaliar os impactos económicos da covid-19.
"As microempresas e as empresas do setor do alojamento e restauração referiram mais frequentemente reduções superiores a 75% quer do volume de negócios quer do pessoal ao serviço", indica o estudo. Os dados permitem também perceber a flexibilidade de cada setor em adaptar a sua capacidade de produção às novas circunstâncias, mantendo pelo menos parte da atividade.
"Uma nova questão do inquérito revela em que medida as empresas adaptaram a sua atividade em resultado da pandemia, sendo que quase 30% respondentes referiram a diversificação ou modificação da produção e 21% referiram a alteração ou reforço dos canais de distribuição", aponta o estudo. No caso do setor do alojamento e restauração, apenas 16% das empresas responderam ter feito uma diversificação ou modificação parcial, sendo a proporção mais baixa do universo. E 8% indicaram que conseguiram adaptação total da produção.
Mais uma vez, as empresas ligadas ao setor do turismo aparecem como as que apresentam menor capacidade aparente de adaptação. Mais de 70% disseram que a diversificação ou modificação da produção não se aplicava ou simplesmente não o tinham feito. O mesmo se passa com as empresas ligadas ao setor dos transportes e armazenagem onde é mais difícil adaptar a estrutura de produção.
Partindo de um estudo da Deloitte para a economia espanhola - muito assente no turismo, imobiliário e construção - é possível fazer um paralelo com a estrutura económica de Portugal.
De acordo com as previsões da consultora, as viagens e deslocações serão as atividades que mais tempo de recuperação vão precisar. O turismo internacional, por exemplo, só deverá retomar os níveis de 2019 no final deste ano e início de 2021, surgindo como o mais lento (estando no grupo das "tartarugas").
Já no caso da restauração, a retoma será a mais rápida, tal como as lojas (à exceção do retalho alimentar que mantém níveis acima do ano passado), surgindo no grupo das "lebres". Os congressos e eventos só deverão começar a retoma em novembro ("tartarugas"). Antes, a meio do verão, a hotelaria começa a recuperar, mas apenas com recurso ao turismo interno.
Paulo Ribeiro Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo