Arquitetos alertam contra transformação da Baixa do Porto numa Disneylândia
A evidente transformação da Baixa do Porto na última década foi claramente exponenciada pela aposta no turismo. Aposta essa ilustrada pelo aumento em 292% do número de hotéis que transformou o Porto numa "cidade-negócio" e que tem em pouca consideração quer as especificidades locais, quer os seus residentes. O alerta foi lançado por um grupo composto por arquitetos, economistas e geógrafos num debate organizado pela Ordem de Arquitetos da Secção Regional Norte. "A sustentabilidade da cidade alicerçada no Turismo pode estar em causa."
A Baixa do Porto transformou-se muito e a uma velocidade vertiginosa nos últimos dez anos: esta foi a ideia chave do debate e que gerou consenso entre todos os intervenientes.
Impulsionada por um claro investimento no turismo, a configuração da cidade alterou-se "muito rapidamente" e de uma forma "muito pouco respeitosa para com os locais" nas palavras de Jorge Ricardo Pinto, doutorado em Geografia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e co-autor do livro "A Baixa do Porto" - livro que foi apresentado no início do debate e funcionou como mote para a discussão.
Segundo dados avançados por Pedro Marques Figueiredo, arquiteto, formado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, um quarto da estrutura económica da baixa do Porto alterou-se a cada seis meses, ou seja, uma em cada quatro lojas da baixa do Porto mudaram a sua atividade económica levando à conclusão de que "o turismo é a causa e a consequência da transformação da cidade".
O fenómeno turístico fez com que muitos dos residentes abandonassem a zona da Baixa. A especulação imobiliária, aliada ao aumento natural dos preços devido ao novo tecido económico da zona, estiveram na origem deste abandono.
Apesar disso, todos os intervenientes assumiram uma premissa clara: sem o turismo a cidade, e mais concretamente a Baixa, estariam numa situação muito pior.
292% é a percentagem de aumento do número de hotéis da cidade do Porto entre 2010 e 2019. O Turismo, de facto, funcionou como alavanca para impulsionar o desenvolvimento da cidade do Porto, mas há o risco de se ter ultrapassado o limite sustentável para a cidade.
Rio Fernandes, geógrafo e professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, criticou a ausência de gestão - quer camarária quer do governo central - para este fenómeno económico que está a tornar a baixa do Porto um local de passagem e não de fixação de habitantes.
Já António Figueiredo, economista, contrapôs a ideia de Rio Fernandes alertando para a existência de um modelo de gestão turística: o modelo "cidade-negócio". O economista não tem dúvidas que a recomposição da baixa foi fruto de políticas pensadas e desenhadas para o efeito de tornar a cidade do Porto atrativa para o investimento estrangeiro, que não tem em consideração as especificidades locais da região.
As críticas ao modelo de gestão turística da cidade foram, também elas, transversais a todo o painel. Para o arquiteto Nuno Grande, "as novas construções em bloco" que estão a invadir a cidade não consideram nem reaproveitam as características locais da região: o turismo é massificado e os hotéis portuenses "tanto podiam ter sido construídos aqui como em Viena".
"Veneza é agora uma Disneylândia e não mais uma cidade e não é isso que eu idealizo para a cidade do Porto", rematou Rio Fernandes.
"Os edifícios devolutos na Rua da Alegria e na Rua Santa Catarina bastavam para albergar duas vezes as pessoas que se encontram em lista de espera para habitação social", ouviu-se, a determinado momento da plateia, quando esta foi convidada a intervir. Esta constatação abriu o debate para uma questão central na cidade do Porto: a habitação.
As políticas públicas, orientadas para a atração de investimento estrangeiro e fomento do turismo não têm em conta os habitantes locais, onde os hotéis e alojamentos substituem a residência e fixação de portuenses. O problema da habitação, transversal a várias zonas do país "só se resolve quando se trouxerem os habitantes para o centro" e quando "existir vontade política para o fazer" - comentou Conceição Melo, moderadora do debate.
No futuro, António Figueiredo vê duas possibilidades para a cidade do Porto. Ou os decisores políticos optam por um modelo que promova a competitividade e a internacionalização e, como consequência, a contínua aposta na "cidade-negócio". Ou, por outro lado, a cidade aposta numa "transição climática-social", onde existe uma relação harmoniosa entre o turismo, os habitantes locais e os restantes setores de atividade económica. Os dois modelos são incompatíveis na sua opinião.
Turismo sustentável, habitação social e aproveitamento das especificidades da região. Estas foram as três grandes ideias que emergiram no debate e que lançaram as premissas para o futuro da cidade do Porto.