No princípio era um rosto assustado. Aquele da rapariga de A Bruxa (2015), em que a família é ameaçada pela magia negra que emana da presença dela. Esse filme de Robert Eggers sobre a feitiçaria na Nova Inglaterra dos anos 1630 foi a rampa de lançamento para Anya Taylor-Joy, a rapariga de olhos grandes que condensam, ao mesmo tempo, um estranho sortilégio e o terror de compreender o seu desígnio. Os mesmos olhos que depois, em Fragmentado (2016), de M. Night Shyamalan, davam conta de outra forma de espanto ao testemunhar o fenómeno das múltiplas personalidades de James McAvoy - aí ela é uma das jovens raptadas pelo protagonista e a única capaz de criar empatia com o "monstro". Um mistério com pestanas largas que se prolongou na sequela Glass (2019), aperfeiçoou na série Peaky Blinders e ganhou uma nova dimensão com a personagem genial de Beth Harmon na minissérie Gambito de Dama, o palco definitivo do seu êxito como atriz, que passa por esses olhos atentos às jogadas de xadrez e com sombras difíceis de interpretar..Aqui já estamos perante a mulher feita, de aparência segura e estilo para dar e vender, que atravessa os corredores até à mesa do torneio como se os homens à sua volta fossem torres, cavalos e peões a derrubar. Mas se é verdade que Gambito de Dama fez explodir um talento, também se percebe que os sinais estavam todos lá atrás, desde a jovem feiticeira até à rica casamenteira do filme Emma. (assim mesmo, com ponto final), de Autumn de Wilde, a mais recente adaptação do clássico de Jane Austen que é imediatamente anterior ao estrondoso sucesso da Netflix, embora só agora chegue aos canais TVCine (sábado, 21h30)..CitaçãocitacaoSeja como for, ainda vamos ouvir falar muito de Anya Taylor-Joy. A completar 25 anos em abril, a jovem promessa com nacionalidade repartida entre Estados Unidos, Argentina e Inglaterra, que em 2017 tinha sido nomeada para o BAFTA de melhor ator/atriz em ascensão, neste momento é uma das mais atarefadas estrelas de Hollywood, com vários projetos na calha ou anunciados..Seja como for, ainda vamos ouvir falar muito de Anya Taylor-Joy. A completar 25 anos em abril, a jovem promessa com nacionalidade repartida entre Estados Unidos, Argentina e Inglaterra, que em 2017 tinha sido nomeada para o BAFTA de melhor ator/atriz em ascensão, neste momento é uma das mais atarefadas estrelas de Hollywood, com vários projetos na calha ou anunciados. Caso de Last Night in Soho, do realizador coqueluche de Baby Driver, Edgar Wright, e The Northam, mais uma colaboração com Robert Eggers, que desta feita trocou as bruxas pelos vikings e convidou Nicole Kidman, Alexander Skarsgård, Ethan Hawke e Willem Dafoe para a batalha. Já o anúncio de Furiosa, um spin-off de Mad Max assinado por George Miller, será uma nova oportunidade para Taylor-Joy brilhar, e há também Laughter in the Dark, projeto de um dos criadores de Gambito de Dama, Scott Frank, que quer fazer render o maior trunfo da minissérie..Talvez se possa (re)começar pelos olhos de Anya Taylor-Joy. É daí que vem primeiro a graça e depois o toque dramático de Emma., a "saborosa" longa-metragem de estreia da fotógrafa Autumn de Wilde que não perde um único detalhe da expressão vívida e predatória da atriz. Desde logo porque este é um filme de incontáveis detalhes visuais que parecem abrir o apetite ao espetador - foi a própria realizadora quem disse, numa entrevista à The New Yorker, que através do uso e abuso das cores quis tornar as imagens "comestíveis". Confere..Tal como outros romances de Jane Austen, Emma já teve algumas adaptações ao ecrã, sendo a mais famosa aquela de 1996 protagonizada por Gwyneth Paltrow. Por sua vez, a versão de De Wilde, com argumento de Eleanor Catton (a autora mais jovem a vencer o Man Booker), traz uma frescura que vai além do impecável design de produção e guarda-roupa, a saber, um gosto refinado pela comédia "romântica", que colhe tanto de Duas Feras, de Howard Hawks, como do absurdo social retratado nos livros de Austen. É uma espécie de confeção açucarada a que Taylor-Joy dá um travo amargo com a sua Emma Woodhouse (muito superior a Paltrow no requinte), que espelha um divertimento egoísta enquanto casamenteira com intenções de se manter longe da troca de alianças, preservando para si a liberdade que identifica nos homens e que só pode ser garantida pela posição social..Por aqui se mede não só uma capacidade de conservar o lado pouco adorável da personagem - Jane Austen considerava-a a menos simpática das suas criações - mas também a intemporalidade da política de género, de resto, bem viva noutra adaptação recente de um clássico de Louisa May Alcott, o Mulherzinhas, de Greta Gerwig, com a heroína Jo March a evitar o casamento..Apesar dos esquemas e enganos de Emma, está escrito que ela acabará no altar com o amigo e vizinho Mr. Knightley (um excelente Johnny Flynn). E o que, no fundo, De Wilde nos mostra é uma dança perfeita de encontros e desencontros, ao longo das estações do ano, que vão destapando a deliciosa tensão carnal entre os dois. O par Flynn e Taylor-Joy é um daqueles casos em que a química aquece a possível frieza do quadro. Qualquer troca de olhares faz estalar o verniz dos preceitos e insinua o desejo franco escondido debaixo de um vestuário cinco estrelas. Será a mais justa adaptação de Emma? Provavelmente. E não pelo invólucro de filme de época que remete para a obra de 1815, mas pelo charme moderno nos olhos irrequietos de Anya Taylor-Joy.