António Ribeiro Telles com aromas de Romero

Miguel Ortega Cláudio faz a crítica da corrida de toiros de Coruche, na semana passada
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A noite de 7 de julho de 2018 ficará marcada na história da Monumental de Coruche. Conjugação de múltiplos fatores, foi uma noite plena de arte, beleza e emoção que ficará gravada na memória de todos os aficionados que se deslocaram à capital do Sorraia.

Uma corrida de Gala à Antiga Portuguesa, evocação das touradas reais do século XVIII, a homenagem a uma das referências vivas do toureio equestre João Moura, patriarca de uma notável dinastia toureira, e inúmeros momentos de bom toureio e de grandes pegas tornaram a segunda corrida da temporada em Coruche um marco na temporada.

Com a praça devidamente engalanada, desfilaram pela arena o Neto, os Pajens do Neto, os Pajens dos Cavaleiros, os Charameleiros, os Timbaleiros, os Porta-Estandartes e Alabardeiros, os coches com a respetiva tripulação, que transportaram os cavaleiros atuantes e a mula das farpas, conduzida pelos Moços de Forcado... um verdadeiro quadro evocativo do do século XVIII que contou com um entradão por parte do público.

Cabe aqui louvar o jogo extraordinário dados pelos toiros da ganadaria David Ribeiro Telles, com trapio e grande apresentação, sérios, bravos na generalidade com destaque para terceiro e quarto da corrida. Transmitiram e deram grande emoção ao espectáculo, sem facilitar, antes exigindo, pedindo cartas, impondo-se e quase todos crescendo ao longo da lide. Os ganaderos João e Manel deram volta à arena no segundo mas também o deviam ter feito no terceiro, um toiro de bandeira. Também foram lidados dois toiros nas lides a duo de Vale de Sorraia, bem apresentados mas mansotes.

João Moura continua a escrever um livro de uma glória, continua ele a escrevê-lo com uma insuperável maestria, um saber único, a raça com que se supera a si próprio, os tempos passam e as modas mudam, mas ele fica e permanece. Uma boa lide abriu a noite de Coruche, boa brega, bons ferros na noite em que a aficion local lhe quis dar os parabéns pelos seus 40 anos de alternativa, tirada ali tão perto em Santarém num 11 de junho do ano de 1978.

António Ribeiro Telles esteve soberbo, enorme no segundo da noite com o magnífico cavalo"Alcochete" , com aquela arte e aquela classe que são só dele e nos ensinam, por mais que pensemos que já sabemos, que assim é que se toureia e assim é que se cumprem os tempos da lide, que assim é que se colocam os ferros, tourear a cavalo também é beleza, também é poesia e também é o arrojo, a graça, a verdade. Assim se toureia! António atravessa um momento invencível, não perde nem a feijões a sua lide foi classicismo e de momentânea inspiração, uma espécie de "romerismo", "estranha arte" das faenas mágicas do grande Curro Romero.

Manuel Telles Bastos abriu simplesmente o compêndio nos compridos e com a simplicidade e a classe que o caracterizam. Houve alguns "pecados" nos curtos mas tudo o que fez foi com gosto, com solenidade. Bregou com saber, entrou pelos toiros dentro com decisão e cravou ferros emotivos, de alto a baixo, vencendo sempre o piton contrário, como vem escrito nos livros. Uma atuação muito sóbria e plena de verdade e de arte.

Miguel Moura, em dia de aniversário, teve toda a vontade do mundo, mas teve também o azar de bailar com a mais feia. Enfrentou um bom toiro mas não se entendeu com ele, fez das tripas coração para dar a volta - que deu mesmo mas só no fim da lide.

A corrida terminou com a lide a duo dos dois últimos toiros. Que se pode resumir desta forma: tio e sobrinho Ribeiro Telles empolgaram pela perfeição e pela conjugação, uma vez mais se destacando a casta enorme de António, com ganas de vencer e convencer. Toureiro Grande!

Famílias de luxo

Os Moura improvisaram, sem demonstrar propriamente a mesma sintonia dos Telles, o que não impediu uma lide agradável na arena. Um verdadeiro mano-a-mano de pai e filho que galvanizou o público e encheu as medidas a quem gosta de ver tourear bem.

os Ribeiro Telles a duo pintaram um quadro de Malhoa, trouxeram o campo à praça, tudo foi bem feito e até o manso de Sorraia já parecia bravo no final da lide. António, reafirmando que este é o seu melhor momento, ensinando, outra vez, como se toureia de verdade a cavalo, coisa única, momento fantástico, público de pé, arte, arte e mais arte. Um Mestre. Respondia Manel ao tio crescendo a cada ferro, impondo a sua raça, entrando pelo toiro dentro, cravando ferros de antologia. Olé!

Grandes, grandes, os Forcados de São Manços e Coruche com toiros de verdade e de emoção, houve grandeza, senhorio, toureria e a usual valentia na nobre arte de pegar toiros.

Pelos Alentejanos abriu praça Rui Pelado com raça, grande técnica, imenso valor e muita alma à primeira tentativa com o grupo e em especial o primeiro ajuda Diogo Rodrigues a ajudar muito bem.

Pedro Fonseca fez um pegão ao terceiro toiro da noite. Esteve muito bem a citar e a recuar, fechando-se com técnica e sendo depois muito bem ajudado pelos companheiros.

A quinta pega da noite foi executada pelo cabo dos Amadores de São Manços, João Pedro Fortunato, e foi um hino à arte de pegar de toiros, fechou-se com decisão e esteve brilhante a recuar, o grupo ajudou na perfeição e o público levantou-se a aplaudir aquela que foi a mais emotiva pega da noite.

Fábio Casinhas foi o primeiro eleito da noite para bater as palmas aos toiros pelos Amadores de Coruche e à segunda tentativa consumou uma valente pega de caras.

Roberto Graça à terceira tentativa num toiro bravo que não permitiu deslizes ao forcado da cara e ao grupo.

Citou com galhardia, recuou com saber e fechou-se com um par de braços de ferro, aguentando os derrotes, até que o grupo entrou a ajudar. João Prates fechou a intervenção dos Amadores de Coruche com chave de ouro, pegando à primeira o toiro.

Dirigiu a corrida João Cantinho, assessorado pelo médico veterinário José Luís Cruz.

Síntese da corrida:

Toiros: David Ribeiro Telles, quatro, bem apresentados e bravos. Os ganaderos deram volta no segundo. Dois de Vale de Sorraia para a lides a duo, bem apresentados e mansos.

Cavaleiros: João Moura (Volta e Volta); António Ribeiro Telles (Volta e Volta com chamada aos médios); Manuel Ribeiro Telles (Volta e Volta com chamada aos médios); Miguel Moura (Silêncio e Volta)

Forcados Amadores: São Manços - Rui Pelado (Volta); Pedro Fonseca (Volta); João Pedro Fortunato (Duas voltas); Coruche - Fábio Casinhas (Volta); Roberto Graça (Palmas); João Prates (Volta com chamada aos médios)

*As voltas à arena no final das lides são concedidas pelo diretor de corrida como prémio à qualidade da performance artística dos intervenientes ou pela bravura dos toiros.

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