Antero Henrique deixou, sem glória, o Paris Saint-Germain, na sequência de uma série de conflitos que acabaram por traçar o seu destino como diretor desportivo do clube francês. Quando em junho de 2017 foi apresentado em Paris pelo catari Nasser Al-Khelaïfi, presidente e representante do fundo de investimentos do Qatar que adquiriu o PSG em 2011, apresentava no currículo um trabalho muito elogiado na gestão desportiva do FC Porto que o levaram a ser escolhido..Os parisienses tinham acabado uma época dececionante, na qual tinha perdido o campeonato francês para o Mónaco de Leonardo Jardim e, mais grave do que isso, tinham sido afastados pelo Barcelona na Liga dos Campeões com uma goleada humilhante de 6-1 em Camp Nou, depois de terem vencido em casa por 4-0..A administração do PSG queria dar um novo rumo ao clube e projetá-lo para, definitivamente, assumir-se como um grande da Europa, fixando como grande objetivo a conquista da Champions. E para isso foram buscar Antero Henrique para dar maior dinamismo à política desportiva, otimizando a competitividade no plantel e reforçando a capacidade de detetar e contratar talentos de grande futuro. A tarefa não era fácil, mas o facto de os parisienses terem recursos financeiros quase ilimitados permitia encarar o desafio com otimismo..As milionárias contratações de Neymar e de Mbappé.Assim que chegou ao Parque dos Príncipes, o dirigente português ficou desde logo com um dossiê importantíssimo, que passava pela finalização das negociações com o Barcelona para a contratação de Neymar. As conversações estavam muito adiantadas, mas foi Antero que as concluiu, tendo a estrela brasileira sido contratada por uma verba recorde 220 milhões de euros..Mas o salto de qualidade do plantel não ficou por aqui, pois Antero Henrique avançou para outro meganegócio com o Mónaco para garantir a jovem estrela Kylian Mbappé. Uma operação complexa que acabou por ser finalizada através de uma engenharia financeira que garantiu o avançado francês no PSG por empréstimo dos monegascos, com a obrigatoriedade de acionarem a compra do seu passe um ano depois por 135 milhões de euros. Tudo isto para que fossem cumpridas as regras do fair play financeiro da UEFA, que ficaria em risco se as duas contratações fossem consumadas no mesmo ano..O impacto de Antero Henrique no clube foi extraordinário, embora a relação com o treinador espanhol Unai Emery não fosse a ideal, até porque o técnico já vinha da época anterior e não tinha sido escolhido pelo dirigente português. Ainda assim, tudo indicava que o PSG estava, afinal, na rota do sucesso que tinha como grande objetivo a conquista da Liga dos Campeões, uma vez que a qualidade do plantel permitia antever que o campeonato francês seria um passeio..Confirmou-se o domínio interno, com a conquista de todos os troféus em disputa, mas a Champions voltou a ser uma pedra no sapato. Após uma fase de grupos quase imaculada (cinco vitórias e uma derrota com o Bayern Munique), os parisienses veriam interrompido o sonho aos pés do Real Madrid de Cristiano Ronaldo..Treinador chega sem aval de Antero.Unai Emery ficou então com o destino traçado e para a época 2018-19 a administração do PSG avançou para a contratação do treinador alemão Thomas Tuchel (ex-Borussia Dortmund), num processo efetuado à revelia do diretor desportivo Antero Henrique, que preferia André Villas-Boas ou Sérgio Conceição. E é aí que começam os verdadeiros problemas para o dirigente português..Tuchel pediu uma série de reforços, sobretudo para o meio-campo, que considerava estar deficitário de jogadores de qualidade, depois da saída do argentino Giovani Lo Celso e de Thiago Motta, que pusera termo à carreira. Contudo, os três alvos definidos pelo treinador alemão não foram concretizados por Antero. O PSG não conseguiu a contratação de N'Golo Kanté, Milinkovic-Savic e Renato Sanches e o marcado de verão fechou sem o tão desejado reforço..Por essa altura, Antero Henrique viu-se envolvido numa polémica que também deixou marcas, quando tentou contratar o defesa alemão Jerome Boateng ao Bayern Munique. Uli Höness, presidente do clube bávaro, veio mesmo a público insurgir-se contra a forma como o diretor desportivo do PSG conduziu as negociações que acabariam por fracassar. "Aconselho o PSG a despedir o seu diretor desportivo. Esse homem não é uma boa carta de apresentação para o clube. Se querem ser um clube de topo mundial, não podem ter um diretor desportivo como esse senhor", afirmou o líder do clube da Baviera..O ataque do capitão Thiago Silva.Não demorou muito tempo até Antero Henrique voltar a viver outro momento complicado. A estreia do Paris Saint-Germain na Liga dos Campeões 2018-19 ficou marcada por uma derrota em Liverpool, por 3-2, com o golo do triunfo dos ingleses a chegar já depois do minuto 90. Tuchel foi obrigado a pôr a jogar o defesa Marquinhos no meio-campo por não ter opções disponíveis para aquela posição, uma vez que Marco Verratti estava castigado. E foi então que o capitão Thiago Silva no final da partida teve uma declaração corrosiva que atingiu o diretor desportivo quando questionado sobre a razão de terem jogado defesas no meio-campo. "Perguntem ao Antero Henrique", atirou..Por essa altura, já as relações entre Thomas Tuchel e Antero estavam bastante deterioradas, praticamente não se falavam, e já se tinha iniciado uma luta entre os dois pelo poder. No final de outubro a capa do jornal desportivo L'Équipe apresentava as fotos de ambos com o título "Braço de ferro". O interior do PSG estava a ser minado, ambos reclamavam por mais poder, com o alemão a ganhar força por causa das dez vitórias consecutivas com que a equipa tinha arrancado no campeonato e que iria chegar às 14..Tuchel fazia questão de se queixar à administração do clube sobre a ausência dos reforços pedidos no início da época e pretendia ter mais peso no setor de recrutamento de jogadores, que era pelouro de Antero Henrique. O alemão ainda uma outra frente de batalha, pois pretendia a contratação de um homem da sua confiança para o departamento clínico do clube..O castigo a Adrien Rabiot.No meio desta autêntica guerra, eis que surge, em fevereiro deste ano, um novo problema que fragilizou o português. O médio Adrien Rabiot recusou-se a renovar contrato, dizia que tinha o Barcelona interessado. As negociações ficaram num impasse, em muito por causa da má relação de Antero com o atleta e o seu empresário e nem a intervenção do presidente Nasser Al-Khelaïfi desbloqueou a situação. E foi então que Antero Henrique tomou a decisão de castigar o jogador, que passava a treinar à parte, agravando ainda mais a crise de opções no meio-campo, apesar da contratação do argentino Leandro Paredes ao Zenit, no mercado de inverno..A necessidade de ter um médio fez então Tuchel pedir a contratação de Frenkie de Jong, jogador que impressionava no Ajax, já tendo em vista a próxima época. Só que apesar de o PSG ter oferecido comissões mais altas aos empresários envolvidos no negócio, eis que o jovem jogador é anunciado pelo Barcelona. Aí terá ficado definitivamente traçado o destino de Antero Henrique....Com o título de campeão francês no bolso, tão grande era a vantagem para a concorrência, o PSG apostou tudo na Liga dos Campeões. Mesmo sem Neymar devido a lesão, o apuramento para os quartos-de-final parecia muito bem encaminhado depois da vitória por 2-0 em Old Trafford. Contudo, no Parque dos Príncipes aconteceu o impensável, quando um penálti marcado por Rashford nos instantes finais permitiu aos ingleses vencer por 3-1 e garantir um impensável apuramento. Nova frustração parisiense na Champions..262 milhões em vendas e 500 milhões em compras.Era o consumar do fracasso desportivo de Antero Henrique, que foi acusado que não conseguir impor a sua autoridade, sobretudo com Neymar, e ter sido demasiado severo com Rabiot, enfraquecendo a própria equipa para desespero do treinador. Ainda assim, ao português foram creditados importantes méritos de negociador na venda de futebolistas..Num clube que raramente conseguia vender bem os seus atletas, Antero Henrique permitiu um significativo encaixe financeiro com as transferências de Jean-Kevin Augustin (13 milhões de euros) para o RB Leipzig, Yuri Berchiche (20 milhões) para o Athletic Bilbau, Javier Pastore (24) para a AS Roma e Lucas Moura (28) para o Tottenham, Gonçalo Guedes (40) para o Valência, entre outros. Em duas épocas de Antero Henrique como diretor desportivo o PSG encaixou qualquer coisa como 262 milhões de euros em vendas de futebolistas, tendo assim amenizado os efeitos de um investimento de 500 milhões de euros em reforços nesses dois anos, permitindo assim que fossem cumpridas as regras do fair play financeiro da UEFA..Leonardo, um sucessor já com prova de fogo.É caso para dizer que Thomas Tuchel ganhou a tal luta de poder com Antero Henrique. Agora, o senhor que se segue na direção desportiva do clube de Paris é o brasileiro Leonardo. Um antigo jogador do clube que já tinha desempenhado este cargo no PSG entre 2011 e 2013, tendo estado na época passada no AC Milan. E o primeiro grande teste do novo patrão do futebol será duro: tentar contratar o defesa central holandês Matthijs de Ligt ao Ajax..Um negócio que não se afigura muito fácil de concretizar, uma vez que na corrida estão outros grandes clubes europeus, entre os quais o Barcelona, que quer juntar De Ligt a Frenkie de Jong para a próxima época. O sucesso desta transferência poderá, em boa medida, ditar o futuro de Leonardo de um clube obcecado com a conquista do trono europeu, que é como quem diz, a Liga dos Campeões..Antero Henrique vai ficar à espera de um novo projeto, ficando com o consolo de ter recebido um agradecimento público de uma das estrelas que contratou para o PSG: Kylian Mbappé. O avançado francês utilizou as redes sociais para agradecer ao dirigente português. "Obrigado senhor por tudo o que fez por mim aqui", escreveu.