A quarentena não está a atrasar os projetos literários de Ana Maria Magalhães e de Isabel Alçada, até porque a próxima Uma Aventura já ficou escrita antes da pandemia e milhares de livros estão impressos, à espera da normalidade pós-covid-19. Ana Maria Magalhães (AMM) revela o nome da próxima história, Uma Aventura Voadora, mas também confirma que "como trabalhamos sempre juntas, à distância torna-se mais complicado". Isabel Alçada (IA) acrescenta que já escreveram outro livro, que está em fase de revisão e ainda não tem título: "Posso revelar que as personagens principais são agentes secretos.".Entretanto, nestes dias em que não se podem encontrar pessoalmente, trabalham usando os recursos da comunicação à distância. "Mas é mais complicado e atrasa o trabalho", explica Isabel Alçada, enquanto a parceira lamenta que a única forma seja conversarmos pelo telefone "porque, teimosamente, nunca aderi às novas tecnologias e agora estou arrependida". Alçada acrescenta uma das maiores dificuldades: "À distância não podermos trocar mensagens implícitas nas expressões faciais, por isso falamos todos os dias pelo telefone o tempo que for preciso." Desde que ficaram confinadas em casa já se "reuniram" várias vezes para trabalhar, conseguiram escolher e definir personagens e combinar a estrutura de uma história que está na calha..Este confinamento obrigatório vai inspirar alguma das aventuras no futuro ou vão preferir esquecer a temática? A.M.M. - Uma pandemia não é propriamente Uma Aventura. Por mim vou tentar esquecer estes dias de reclusão. No entanto, confesso que tive de aprender a viver de outra maneira e toda a aprendizagem enriquece..I.A. - Esta terrível pandemia, que tanto afeta o mundo, não me inspira, mas sei que me marca e não vou conseguir esquecer. Nos nossos livros, mesmo sem nos apercebermos, deixamos sinais do que nos afetou e transparecem as nossas experiências..Conhecem bem o vosso público leitor. Acham que a juventude vai ficar marcada por esta pandemia? A.M.M. - Vai, certamente. Para gente nova é muito difícil ficar preso em casa, sem poder conviver com amigos, primos, colegas, sem poder ir à escola, ao ginásio, e sem poder fazer as atividades habituais.I.A. - Foi uma calamidade que se abateu de surpresa. Ninguém estava preparado. Os jovens, embora se adaptem melhor do que os mais velhos aos imprevistos, também estão a sofrer e o sofrimento deixa sempre marcas..Já sentem falta do contacto com os leitores em sessões nas escolas e nas livrarias como era hábito? A.M.M. - Sinto a maior falta de encontros com os meus leitores, sempre tão vivos, que me transmitem alegria e energia.I.A. - Desejo muito poder retomar os nossos encontros com leitores, mas provavelmente só será possível no próximo ano letivo..Esta será apenas uma história para os jovens contarem aos filhos ou ficará mais profunda nas vossas memórias? A.M.M. - É uma história que passará à História com agá grande. Quando, daqui a muitos anos, os netos fizerem perguntas sobre este período, vão poder dizer "eu vivi essa experiência" e cada um contará à sua maneira o que lhe aconteceu e como reagiu.I.A. - As crianças também assistem ao que se está a passar através dos noticiários. Forçosamente irão fixar imagens e guardar sentimentos. Mas em tudo, mesmo naquilo que é terrível, há sempre episódios positivos. Certamente cada uma terá vivido momentos de descontração e descoberta, por exemplo nas aulas online, nos contactos através dos ecrãs dos tablets e ter-se-á rido dos trocadilhos e das anedotas que circulam com abundância nas redes sociais..Terão agora em atenção determinados pormenores na escrita dos livros tendo em conta que de um momento para o outro toda a humanidade pode ficar sem uma vida normal? A.M.M. - Dependerá do tipo de livro.I.A. - Por acaso escrevemos uma história que foi ilustrada pelo nosso querido amigo e grande artista Nuno Feijão. Demos-lhe o título - "O Nuno escapa ao vírus" - e está disponível gratuitamente (https://auladigital.leya.com). A intenção foi explicar aos mais pequenos o que está a acontecer e ajudá-los e aos pais a tomar as necessárias precauções..Até que ponto os leitores jovens estavam preparados para se confrontarem com o confinamento e sem escola? A.M.M. - Ninguém estava preparado. Nem os leitores, nem os professores, nem os pais. O confinamento não é a nossa maneira de estar, é preciso um esforço para nos adaptarmos porque sabemos como é essencial.I.A. - Ser forçado a não ir à escola, ficando confinado em casa, é uma exigência que colheu todos de surpresa. Ninguém estava preparado. Mas nós, os seres humanos, somos muito adaptativos. Mal fecharam as escolas começou tudo a tentar encontrar as melhores alternativas para que a aprendizagem pudesse continuar. Recorreu-se imediatamente ao digital para manter a comunicação entre os professores e os alunos. Contudo, a solução não é igual para todos, porque há muitos alunos que não dispõem de tablets ou de computadores e, infelizmente, ainda há zonas no nosso país onde as operadoras não disponibilizam acesso à internet com a velocidade adequada à utilização das plataformas que permitem interação. Há ainda um outro problema que é preciso considerar. Muitas casas não têm espaço suficiente para permitir a concentração adequada ao trabalho escolar. Imagino que será preciso muito autodomínio para seguir uma aula online numa sala onde estão outras pessoas..Os pais criticavam a imensa "dedicação" dos mais novos à comunicação virtual. Esta crise vai fazer que os pais mudem de opinião sobre o isolamento social em que as novas gerações já viviam? A.M.M. - Os pais vão ver a comunicação virtual de outra maneira. Vão aperceber-se das vantagens. Os filhos vão aperceber-se de quanta falta lhes faz a comunicação ao vivo.I.A. - Os pais, mesmo aqueles que não utilizavam comunicação virtual, estão a aperceber-se das vantagens do digital para a aprendizagem. E certamente vão reconhecer que a facilidade com que os filhos se movimentam nesse ambiente representa um benefício. Mas têm razão quando se preocupam com o isolamento a que alguns jovens se remetem devido a um uso excessivo do virtual..O gap que existe entre gerações vai diminuir com esta partilha do isolamento social? A.M.M. - Não sei exatamente quais vão ser as consequências, mas acredito que haverá alterações profundas no relacionamento entre gerações e no estilo de vida social.I.A. - Permanecer dias a fio num espaço fechado e reduzido pode trazer complicações. O confinamento pode significar maior proximidade ou maior tensão. Quando o relacionamento familiar é positivo, os mais novos e os mais velhos terão mais facilidade em evitar que os momentos de fricção se transformem em zangas, geradoras de afastamento. Se na família pais e filhos se entendem mal, o risco de entrarem em rotura é maior. Sei que alguns psicólogos têm disponibilizado serviços de aconselhamento online para ajudar..Alguma vez imaginaram viver uma situação assim ou pandemias como esta mais não eram do que bons argumentos para livros de terror? A.M.M. - No início, o que senti foi que estava dentro de um livro ou de filme de terror, imaginado por alguém com uma mente doentia. A pouco e pouco fui-me conformando.I.A. - Nunca imaginei nada de semelhante, nem na realidade nem na ficção. Custa-me até descrever o que se tem passado em Espanha, em Itália e, infelizmente, em Portugal e no resto do mundo. Mas confio nos cientistas e na ciência e que as medidas tomadas pelo Presidente da República e pelo governo são, e continuarão a ser, as mais adequadas para nos vermos livres deste terrível vírus..Gostariam que a frase "a realidade supera a ficção" fosse falsa? A.M.M. - Gostaria muito, mas na realidade a realidade supera sempre a ficção. Por muito que se imagine histórias fantasiosas, há sempre biliões de histórias a acontecer em simultâneo pelo mundo fora.I.A. - A realidade supera sempre a ficção em diversidade e em quantidade de acontecimentos inesperados. Já por várias vezes nos coibimos de incluir peripécias nos livros de Uma Aventura por julgarmos que estávamos a cair no exagero e, pouco depois, depararmo-nos com notícias de casos reais muito mais rocambolescos do que os que tínhamos imaginado para a nossa história..É o pior tempo da contemporaneidade? A.M.M. - Acho que sim, sem dúvida.I.A. - Uma pandemia como esta só se pode comparar a uma guerra e eu, felizmente, nunca vivi em cenários de guerra..Acreditam que o mundo pós-covid será melhor ou não aprenderemos qualquer lição? A.M.M. - Aprendemos lições, certamente. O mundo será diferente, mas só depois de tudo terminado se poderá ir vendo o que realmente mudou.I.A. - Espero que aprendamos, que o mundo fique melhor e que a ciência determine com rigor como o vírus infetou as pessoas, para que a humanidade possa evitar que haja ressurgimentos ou outros vírus análogos..O que mais vos assusta neste momento? A.M.M. - O que me assusta é que possa continuar a subir o número de infetados e de mortos. Também os efeitos na economia.I.A. - Inquieta-me não sabermos o que está para vir e não avistarmos a saída. Assusta-me que o surto pandémico continue a expandir-se entre grupos e por regiões do mundo com poucos recursos para se protegerem. Aterroriza-me a ideia de que depois de parecer dominado possa voltar em força. E também que a nossa economia possa sofrer uma quebra muito acentuada..Já revolveram as estantes de casa em busca de um romance que estava por (re)ler há demasiado tempo? A.M.M. - Tenho em cima da mesa dois livros que já li e nos quais me revejo muito bem, porque encontro-me a mim própria naquelas páginas: A Cidade e as Serras e O Tempo e o Vento. Ao lado está o último romance de Germano de Almeida, que estou a ler pela primeira vez. Chama-se O Último Mugido.I.A. - Por estranho que pareça, estou a trabalhar em pleno. As leituras que faço são as do costume: durante o dia artigos e livros, sobretudo sobre educação. À noite, livros dos mais variados géneros. Quando o confinamento começou estava a ler As Rotas da Seda, do historiador britânico Peter Frankopan, e interessa-me bastante porque o autor consegue articular muita informação com reflexão de forma lógica e pertinente..Como sonham ser a primeira saída livre de medo, de máscaras e de luvas ou preferem não pensa nisso por enquanto?A.M.M. - Não sonho com outra coisa desde o princípio desta calamidade. Sair sem pensar em nada, encontrar amigos, ir ao café, retomar a vida, abraçar os filhos, os netos, toda a minha família e os meus amigos, claro.I.A. - Pelo que tenho lido sobre o que se está a antecipar como possíveis cenários para sair do confinamento, as restrições não poderão desaparecer de um dia para o outro, vai haver gradualismo. Mas o dia mais feliz será aquele em que puder voltar a abraçar toda a gente, família e amigos. Somos um povo caloroso, custa-nos viver à distância.