Ana Gomes diz que não quer ser candidata nas próximas presidenciais, mas há duas coisas que são certas: a corrupção, uma das suas grandes batalhas, será tema de campanha e a hashtag #anagomes2021 ganhou novo fôlego com a divulgação dos documentos do Luanda Leaks, uma investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas que pretende mostrar as irregularidades nos negócios de Isabel dos Santos e um alegado esquema que lhe permitiu desviar muitos milhões de Angola - alguns desses casos já denunciados pela ex-eurodeputada e objeto de queixas que levou pela sua mão à justiça portuguesa. Na semana passada, Ana Gomes viu mesmo o Tribunal de Sintra dar-lhe razão sobre as publicações que faz no Twitter em que põe em causa a transparência dos negócios da filha do anterior presidente angolano José Eduardo dos Santos.."Ninguém melhor do que @AnaMartinsGomes para, depois do 25/4, protagonizar a primeira candidatura presidencial verdadeiramente baseada em causas" ou simplesmente "@AnaMartinsGomes a Presidente!!" são alguns dos posts que se podem ler no Twitter. Resistirá a ex-eurodeputada socialista a aproveitar este capital que tem vindo a ganhar nas redes sociais? O Luanda Leaks e as denúncias levadas a cabo por Ana Gomes - só para falar numa das suas batalhas que estão na ordem do dia - abriram-lhe espaço para uma candidatura presidencial? Será ela a candidata ideal para esmiuçar o tema corrupção, quando há o risco de ser açambarcado por uma eventual candidatura de André Ventura, líder do partido de extrema-direita Chega?."Ana Gomes pode ser candidata, teria um resultado honroso. Podia chegar aos 20% ou 25%. Mas para quê? Para ficar numa página da história? É melhor deixá-la estar onde está", diz o politólogo José Adelino Maltez, sublinhando que a ex-eurodeputada ficaria "muito acantonada" e perderia a liberdade que hoje tem para falar e denunciar as suas causas. "Acho que ela prefere ser durante mais anos uma voz incómoda porque tem mais combates, só não tem os dados para os divulgar - ainda vai cair mais gente.".No entanto, Maltez olha para este movimento espontâneo nas redes sociais por uma candidatura presidencial de Ana Gomes como "espuma dos dias", ressuscitado pelo entusiasmo dos cidadãos pelas revelações bombásticas do Luanda Leaks..O também politólogo António Costa Pinto não tem dúvidas de que Ana Gomes conquistou espaço e capital político para protagonizar uma candidatura a Belém - um capital, diz, que lhe vem da visibilidade mediática e não do seu partido, o PS. "Ana Gomes construiu o estilo, a linguagem, a lavra do povo. Construiu um estilo político do tipo justicialista.".E acrescenta: "Estes picos, como o caso Isabel dos Santos, são muito propícios a dinâmicas do tipo justicialista. É o administrador do banco, o político que a empresária angolana cumprimentou. Tem todos os ingredientes. É sabido que Ana Gomes, sobretudo nos últimos anos, tem protagonizado essa dimensão anticorrupção. Recorde-se que esse tema já ofereceu, por exemplo, a Marinho e Pinto, com uma plataforma mediática semelhante, a constituição de um partido que falhou.".Carlos Jalali, por seu turno, faz questão de sublinhar que as eleições presidenciais têm-se tornado cada vez mais abertas, com mais candidatos e menos partidarizadas. Em 2016 houve dez candidatos, dois deles da área socialista - Maria de Belém Roseira e Sampaio da Nóvoa -, sem que nenhum deles tivesse o apoio oficial do PS..Numa hipotética candidatura, muito dificilmente Ana Gomes teria o apoio do partido que, aliás, não a recandidatou ao Parlamento Europeu. Mas também resolveria um problema a António Costa, que, na presença de um concorrente da sua área política, ver-se-ia definitivamente liberto de ter de apresentar um candidato contra Marcelo Rebelo de Sousa..Longe vai, pois, a tendência de apenas dois candidatos - em 1996 só concorreram Jorge Sampaio e Cavaco Silva. O sistema facilita o aparecimento de outros concorrentes, recorda Jalali. Portanto, avançar ou não só depende da vontade da própria Ana Gomes. Mas salienta que, perante uma recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, qualquer adversário que surja dificilmente vencerá - na história da democracia portuguesa, os presidentes que se recandidatam têm sido reeleitos. Para a antiga embaixadora, seria "uma boa oportunidade para ganhar maior visibilidade e definir a sua agenda"..Corrupção, um tema caro aos portugueses.Os apelos populares à candidatura presidencial de Ana Gomes explicam-se, segundo o professor de Ciência Política, por dois fatores: "Sabemos que há um sentimento de afastamento dos cidadãos em relação à classe política e os temas como a corrupção são muito relevantes para os portugueses. É um tema muito visível e ela está a pô-lo na agenda.".Também António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, sublinha que a corrupção é um dos temas que os estudos apontam como dos mais importantes para a sociedade portuguesa - e sendo um dos cavalos de batalha de Ana Gomes, abre-lhe as portas a uma candidatura. Assim ela o queira e se sinta tentada pelo apoio popular..A antiga embaixadora disse, contudo, ao Expresso, no passado sábado, que concorrer a Belém está fora de questão e até sugeriu a recandidatura de Sampaio da Nóvoa. Desta vez com o apoio do PS, que, defendeu, deve ter um candidato próprio... mesmo que ela própria acredite numa vitória de Marcelo.."O que me dá liberdade e independência é não querer nada de ninguém e poder desagradar a muitos", afirmou Ana Gomes ao semanário..É essa liberdade que Ana Gomes preconiza para denunciar e falar sem papas na língua que Adelino Maltez lhe reconhece e que teme que se possa perder com uma candidatura à chefia do Estado.."Ana Gomes é sobretudo um importantíssima comentadora do nosso poder mediático, tem intervenções algumas vezes brilhantes, veja-se a última sobre Isabel dos Santos. Ela é capaz de dizer com conhecimento de causa aquilo que dizemos com impressões. Mas é suficientemente madura em termos políticos para perceber que isto não vai com impulsos sociológicos ou das redes sociais. A política é um pouco mais complicada e ela sabe isso. Conquistou por direito próprio e coragem a posição que todos respeitamos", diz o politólogo.."O seu passado fala por si".Pedro Bragança escreveu no domingo no Twitter: "Acabo de ouvir Ana Gomes e penso quão bom seria tê-la servir o país num cargo político nacional de relevo. Pode não distribuir afetos grátis, mas tem elevação, coragem, frontalidade e transparência. Tudo o que nos falta. Tudo o que precisamos.".O administrador da página de Facebook Os Truques da Imprensa Portuguesa diz ao DN que não estava a referir-se propriamente a uma candidatura presidencial - até porque, sustenta, em primeiro lugar é preciso respeitar a vontade da própria -, mas a defender que deveria ter um cargo de relevo, mais efetivo e oficial, na sua ação de vigilância. "O que não me parece natural é que não tenha sido considerada para o exercício de funções executivas.".Embora refira que não criou a hashtag #anagomes2021, considera que este movimento espontâneo nas redes sociais reflete o sentimento generalizado de que a ex-eurodeputada é uma "pessoa de grande utilidade" por toda a participação na vida pública e política do país. "O seu passado fala por si, desde os voos da CIA à denúncia concreta da tecnocracia angolana. Não se limita a denunciar publicamente, entrega documentos ao Ministério Público.".Por essa razão, defende que o PS deve olhar para Ana Gomes. "É essa a expectativa das pessoas que têm acompanhado todas essas causas e conhecem o seu passado e participação. Nesta fase da nossa democracia são importantes estas qualidades, capacidade de independência e poder de vigilância.".O risco do populismos.Há quem tema os riscos deste protagonismo e critique o estilo: "Ao populismo de direita temos uma resposta com populismo de esquerda", diz um comentador que não quis identificar-se..Também de populismos fala António Costa Pinto: "As eleições para a Presidência da República são uma arena privilegiada para líderes populistas ou até monocausais, seja o tema corrupção seja outro que esteja na esfera política. É uma área privilegiada para esse tipo de candidatura. As presidenciais não servem apenas para eleger presidentes, servem também como plataformas políticas, utilização do espaço público e saliência mediática", remata Costa Pinto..O DN tentou falar com a eurodeputada sobre estes apoios que tem recebido nas redes sociais, mas tal não foi possível..Espaço para Ana Gomes se candidatar, todos concordam, existe. Irá a ex-eurodeputada resistir aos apelos?