"Isto de ser moderno é como ser elegante: não é uma maneira de vestir mas sim uma maneira de ser. Ser moderno não é fazer a caligrafia moderna, é ser o legítimo descobridor da novidade." A declaração foi proferida em Madrid, numa conferência sobre Desenho, por José de Almada Negreiros e não se destinava apenas a empolgar a audiência do evento (realizado em 1929); continha o desígnio iconoclasta que animou este artista plástico, performer e escritor português até à sua morte, ocorrida em Lisboa há precisamente meio século..Nascido na ilha de São Tomé a 7 de abril de 1893 (era filho do tenente de cavalaria, António Lobo de Almada Negreiros, administrador daquele concelho), em 1911 ingressou na Escola Internacional de Lisboa, que tinha um ensino mais moderno do que a generalidade dos estabelecimentos de ensino da época e onde lhe foi proporcionado um espaço que lhe serviu de primeiro atelier..Em 1912 redigiu e ilustrou integralmente o jornal manuscrito A Paródia, reproduzido a copiógrafo na Escola, expôs no I Salão dos Humoristas Portugueses e publicou desenhos em vários títulos. Em 1913, Almada tinha 20 anos e era notado nos meios artísticos mais vanguardistas, sincronizados com o que faziam, fora de Portugal, homens como Marinetti, autor do primeiro manifesto modernista datado de 1909. Pouco depois, realizou a primeira exposição individual, apresentando cerca de 90 desenhos na Escola Internacional, e conheceu Fernando Pessoa, futuro cúmplice da Orpheu, que escrevera uma crítica à exposição na revista Águia..Mas as Artes Plásticas não lhe bastariam como meio de descobrir a novidade. No ano seguinte escreveu a novela A Engomadeira, publicada em 1917, mas o texto que o tornará famoso será o Manifesto Anti-Dantas e por Extenso com que responde não só às críticas da eminência parda das letras portuguesas, Julio Dantas, ao Orpheu, como à estreia da peça da autoria deste, Soror Mariana. Não poupando o visado à total ridicularização, Almada torná-lo-á o símbolo de tudo o que de mais velho e medíocre existia na Literatura e no Teatro Português: "Uma geração que consente em deixar representar-se pelo Dantas é uma geração que nunca o foi", lê-se logo na abertura deste que se tornou um dos escritos mais emblemáticos da Literatura portuguesa da primeira metade do século XX. Em 1917 realizou, vestido de fato macaco, como um operário, a conferência Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX, e publicou a novela K4 O Quadrado Azul, que inspiraria o quadro homónimo de Eduardo Viana..Ao longo dos "loucos anos 20" Almada manteve o dinamismo, não cessando de desenhar, pintar e ilustrar, mas também de escrever peças como Pierrot e Arlequim (1924), romances como Nome de Guerra (1925) ou ensaios como A Questão dos Painéis; a história de um acaso de uma importante descoberta e do seu autor , que publicou nas páginas do DN em 1926, iniciando uma colaboração que se estenderá por várias décadas e linguagens..De 1927 a 1932, José Almada Negreira viveu em Madrid, onde ao contrário do que acontecera em Paris, foi muito bem recebido e estabeleceu estreitos laços com artistas espanhóis como Rámon Gomez de la Cerna (essa relação foi, aliás, devidamente recordada pelo Instituto Cervantes de Lisboa, em 2005). De regresso a Portugal, casado com a também pintora Sarah Afonso, seria solicitado pelo seu amigo António Ferro para a realização de trabalhos de caracter oficial, o mais importante dos quais foram os estudos para os vitrais a colocar na Igreja de Nossa Senhora de Fátima em Lisboa. Tal colaboração com a «Política do Espírito» do regime culminou em 1941, quando o Secretariado de Propaganda Nacional organizou a exposição Almada - Trinta Anos de Desenho, e o convidou a participar na 6.ª Exposição de Arte Moderna e na exposição Artistas Portugueses apresentada no Rio de Janeiro, no Brasil e lhe atribuiu, em 1942, o Prémio Columbano. Essa turbulenta década de 40 trouxe também algumas das mais importantes obras plásticas de Almada Negreiros: para além dos painéis no edifício sede do DN, na Avenida da Liberdade, há que destacar os monumentais frescos das Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, sendo-lhe atribuído o Prémio Domingos Sequeira em 1946. Os seus últimos trabalhos seriam concluídos quando o artista já ultrapassara os 70 anos: Estão no átrio da Fundação Gulbenkian (o painel Começar) e na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra (o conjunto de frescos com o título de Verão)..Ao contrário do que aconteceu com a obra de tantos dos seus contemporâneos, o multifacetado trabalho de Almada Negreiros venceu a prova do tempo. Aos 76 anos, meses antes de morrer, a sua entrevista ao programa Zip Zip da RTP tornou-se rapidamente um dos clássicos da Televisão Portuguesa, conquistando espetadores de todas as idades. Mas, mesmo hoje, num mundo tão diferente do que foi o seu, a mensagem provocatória de Almada Negreiros continua a interpelar-nos. Demonstrou-o, em 2017, quando a exposição "Almada Negreiros - Uma Maneira de ser Moderno" levou mais de 100 mil pessoas à Fundação Gulbenkian.