Alice Vieira escreve sobre o seu Mário Castrim

O jornalista, célebre também como crítico de televisão, faria esta sexta-feira 100 anos. O DN convidou a sua companheira durante 34 anos a escrever esta homenagem, que se junta a outras programadas por ocasião do centenário.
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É muito difícil para mim falar de Mário Castrim .

Conheci-o tinha eu 15 anos.

Ele dirigia então um suplemento no "Diário de Lisboa"-o "Juvenil", (que se iniciou em 1957) -- para onde muitos jovens mandavam textos. Quase toda a gente da minha idade deve ter publicado lá.

E ele respondia sempre.

Comigo, a resposta não variava muito : "não tem qualidade ,mas não desistas"; " o teu texto é muito fraco, mas continua"

E eu não desistia, e eu continuava a mandar textos - e a resposta era sempre a mesma.

Até que, de repente, recebo um telefonema dele. Não só o meu texto ia ser publicado - como seria publicado no corpo do jornal e não no suplemento. Ainda hoje me lembro : o poema falava de Lisboa às 6 da tarde, e apareceu numa caixa no meio de uma reportagem dos jornalistas Silva Pinto e Renato Boaventura sobre a cidade de Lisboa.

Pronto, tive a entrada garantida. A partir daí todas as semanas tive coisas minhas no "Juvenil"-e uns anitos depois estava eu a dirigi-lo. Muitos anos se passaram, fui viver para Paris -onde vivi o Maio de 68.. .-- e acabei por regressar.

O Mário (que tinha começado a fazer crítica de televisão em 1965) foi-me buscar ao aeroporto -- e passámos a viver juntos.

E daí que não me seja fácil falar de alguém com quem vivi 34 anos.

Como todos se devem lembrar, o Mário era extremamente rigoroso na crítica. Muita pessoas lhe chamavam "o Sectário Geral "- mas ele até achava graça. Mas era rigoroso para toda a gente, fossem de esquerda ou de direita.

Lembro-me de ouvir o Luis Andrade, então diretor de programas da RTP, dizer no seu enterro (onde, de resto, a televisão apareceu em peso...) : "ele era um dos nossos : ele só queria uma televisão de grande qualidade".

Daí que ele tenha mantido amizades completamente improváveis, como o fadista João Braga, o Prof. José Hermano Saraiva, a Helena Sacadura Cabral, etc...

Comunista e católico desde sempre, tanto escreveu para o "Avante" como para a "Audácia", dos Missionários Combonianos. E isso às vezes fazia muita confusão às pessoas. Nunca encontrei ninguém que tão bem conhecesse a Bíblia (de resto, a primeira prenda que me deu foi uma Bíblia, dizendo "abre onde quiseres, e encontrarás sempre o que procuras.")

Se às vezes apareciam Testemunhas de Jeová à nossa porta, eu pedia muita desculpa mas dizia que não podia atendê-las; ele mandava-as entrar e estava horas a discutir a Bíblia com elas, até que eram elas que saíam porta fora.

Para além de crítico de televisão era um escritor e poeta : a sua última obra -"Do Livro dos Salmos"-vai ser reeditada brevemente. Assim como muitos dos seus livros para crianças.

E em outubro vai haver um ciclo de colóquios e conferências sobre a sua obra, organizado pela editora LEYA.

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