Lançado no final do ano passado, para assinalar os 25 anos de carreira de Aldina Duarte, Roubados é um assumido disco de homenagem ao fado, composto por 12 temas clássicos, que a fadista recria e, ao mesmo tempo, desconstrói, com interpretações tão pessoais quanto improváveis. .O título remete para um termo famoso na gíria fadista, que resume na perfeição o desafio autoproposto pela própria Aldina Duarte, habituada desde sempre a cantar as suas próprias palavras sobre "o chão musical" do fado tradicional. Desta vez, foram de outros as palavras interpretadas, com a responsabilidade agravada de as mesmas terem sido imortalizadas por alguns dos fadistas mais importantes da história - Beatriz da Conceição, Lucília do Carmo, Carlos do Carmo, Tony de Matos, Hermínia Silva, Maria da Fé ou Celeste Rodrigues, entre outros. E que agora, neste regresso aos palcos, depois de meses de ausência devido à pandemia, ganham ainda um maior significado, como sublinha nesta entrevista ao DN..Como é que está a ser este regresso aos palcos, quase um ano depois do início da digressão de Roubados, que acabou por ser interrompida logo no início da pandemia? Neste momento já dei quatro concertos, o primeiro foi na Festa do Avante!, seguiram-se mais dois nas Canárias e agora um em Castelo Branco, pelo que já estou a ficar novamente mais habituada, mas foram de facto momentos muito intensos, pois toda esta situação acaba por ampliar tudo a um nível emocional. Ao ponto de a dada altura ter pensado se toda essa emoção não poderia até prejudicar a própria atuação..Em que sentido? Quanto estamos em palco há um limite emocional que tento sempre atingir, porque dou sempre o máximo na interpretação. E nestes primeiros concertos senti que esse limite estava em risco de ser ultrapassado e não sabia o que poderia surgir a partir daí. A minha rotina foi completamente alterada, deixei de ter espetáculos, a casa de fados onde canto durante a semana fechou. Estive tanto tempo calada que nem sequer sabia se a minha voz se ia ressentir. Aliás, há mais de 25 anos que não estava tanto tempo sem cantar..E ressentiu-se, a voz? Não, pelo contrário, até a senti mais descansada. Todas as minhas dúvidas tinham só que ver com o tal lado emocional, afinal, mas tudo isso acabou por interferir também com o canto..O que sente, hoje, quando sobe a um palco? Passados estes quatro primeiros concertos, já me sinto a entrar numa certa rotina. Continuo a sentir a minha ansiedade habitual, mas sinto-a um pouco ampliada, o que me provoca um novo medo. Tenho receio dessa ampliação das emoções, porque tudo me passou a comover muito mais e eu dou sempre tudo quando canto..E crê que o público sente isso, quando agora a vê e ouve cantar? Sempre tive um público muito fiel, mas hoje isso ganha um novo significado. Só de pensar em toda a confusão que esta pandemia provocou às pessoas, a nível de saúde, afetivo ou financeiro, o simples facto de estarem disponíveis para ir a um concerto merece toda a minha gratidão e respeito. É um apoio importantíssimo e muito solidário que nos dão..Ir a um concerto tem hoje um significado diferente, é isso? É claro que é diferente fazê-lo agora ou noutra altura. Ir a um concerto, hoje, é um ato de resistência a este tempo tão inédito e adverso e não há um momento em que eu deixe de pensar nisso quando estou em palco. Passou a ser um momento de união, de comunhão e de celebração daquilo que nos une enquanto pessoas..Voltamos, portanto, à tal ampliação das emoções? Exatamente e com isso todas estas letras ganharam um novo significado. Hoje, quando as canto, sinto que estou a desbravar novos territórios, a nível interpretativo. De certa forma, parece que voltei ao início da carreira, a essa paixão inicial da descoberta, mas agora alicerçada pela experiência. Do ponto de vista interpretativo está de facto a ser uma revelação este regresso aos palcos..Que a vai transformar enquanto artista? Que quero guardar para o futuro, sim, porque sinto que me vai ajudar. Não podemos passar por uma situação destas e continuarmos iguais. É impossível....Centro Cultural de Belém, Lisboa. 3 de dezembro, quinta-feira, 19.00. €13 a €23 Teatro das Figuras, Faro. 4 de dezembro, sexta-feira 19.30. €10 a €12