Álcool na Queima. Cruz Vermelha diz que há grande redução de casos graves

Coordenador da equipa de emergência no Queimódromo do Porto diz que o número de ocorrências tem baixado muito. "Já houve dias em que não levámos ninguém ao hospital." FAP fechou três barraquinhas como castigo.
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O consumo excessivo de álcool na Queima das Fitas é reconhecido por todos e os comportamentos de estudantes para obter uma bebida nas barraquinhas no Queimódromo, como a simulação de atos sexuais, beijos lésbicos ou exibição de seios, voltou a destapar um problema de álcool que existe há anos e centrou o foco noutro, o de condutas sexistas associadas. Apesar da perceção que estes exemplos transmitem, a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), que coordena o posto médico no Queimódromo, garante que os casos de assistência médica a estudantes por problemas com álcool têm diminuído. "Fazemos há quatro anos a Queima e de ano para ano tem havido uma redução de casos. Na ordem dos 90%. São poucos os que temos de encaminhar para o hospital. Neste ano já houve dias em que ninguém foi transportado para o hospital", disse ao DN Joel Lemos, coordenador de emergência médica da delegação de Vila Nova de Gaia, organismo que dirige o apoio médico com a ajuda de mais sete delegações da CVP.

Há duas razões que explicam o menor número de pessoas a necessitar de assistência hospitalar. Por um lado, no Queimódromo existe um posto médico avançado que é praticamente um pequeno hospital. Todos os dias, entre 20 e 25 médicos e enfermeiros, com área de emergência e pré-hospitalar, estão no recinto. Há quatro equipas apeadas, com três elementos cada, que percorrem todo o espaço para socorrer estudantes. Fazem sete quilómetros por dia, mede uma aplicação usada pela CVP. Em apoio à CVP há ainda um grupo de voluntários, alunos dos 3º e 4º anos de enfermagem. "Com o posto médico e estes meios, a funcionar das 21.30 até às 07.00, o objetivo é evitar o recurso aos hospitais. Mas há situações em que tal não é possível", diz Joel Lemos.

Mas para a redução de casos de jovens alcoolizados ao ponto de necessitarem de ajuda médica há outro fator, talvez mais relevante. "Há menos casos. Temos notado uma redução de ano para ano. Por exemplo, no cortejo de terça-feira houve menos 50% a 60% de atuações da CVP. É certo que estava um dia com alguma chuva mas isso não explica tudo. A ideia que fica é que há uma maior consciencialização dos estudantes para o problema. A redução é muito grande, parece haver mais cuidados dos estudantes", garante o coordenador da equipa da CVP que presta apoio médico em todas as grandes iniciativas da Queima, consciente de que os excessos persistem. O álcool é o que leva mais gente ao posto médico, com ferimentos causados por quedas. "Neste ano ainda não tivemos nenhum caso grave."

"Os que bebem, bebem muito"

"É óbvio que gera preocupação o consumo de álcool na Queima e noutras festas durante o ano", reconhece Manuel Cardoso, subdiretor do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD). O consumo excessivo de álcool é um problema de saúde pública e "quando são os mais jovens a consumir em excesso maiores são os riscos. O sistema nervoso e o organismo estão menos preparados para lidar com o álcool", realça o médico especialista em saúde pública que, contudo, destaca que os indicadores mais recentes apontam para cerca de 40% de portugueses que não beberam álcool no último ano. "É um valor muito alto. Significa que os que bebem álcool em Portugal, bebem muito", sintetiza.

Manuel Cardoso alerta que os últimos dados recolhidos "mostram que há sinais que as coisas podem estar a melhorar". Estes dados são obtidos através de inquéritos, sem serem exatamente fiáveis em termos de rigor, mas seguem o mesmo método dos últimos anos. Indicam que a percentagem de jovens que diz ter iniciado o consumo de álcool aos 13 anos é atualmente menor do que a existente em 2012. Além disso, a média de idade de primeiros consumos de álcool subiu dos 16 para os 17 anos. Nos mais velhos, especialmente nas mulheres acima dos 35 anos, houve uma subida significativa.

No que toca à Queima, o responsável fala em situação "absolutamente triste, que não é nova". A "vontade de ser adulto leva a situações de risco" que ocorrem na Queima e durante todo o ano noutros eventos e mesmo em eventos mais reservados, como festas particulares em que o consumo de álcool é elevado entre jovens menores. "A lei permite punir quem oferece ou vende álcool a menores mas a fiscalização pelas autoridades é muito difícil", aponta Manuel Cardoso. O DN questionou a ASAE se foi efetuada alguma fiscalização nos recintos das queimas das fitas que se realizam em vários pontos do país, mas não obteve resposta em tempo útil. No ano passado, houve notícia de casos de venda de álcool a menores em espaços universitários de queimas, concretamente em Évora.

Manuel Cardoso está consciente de outro problema: "A intervenção nas escolas tem vindo a perder-se." O motivo para esta dificuldade do SICAD em chegar aos mais novos prende-se com "a falta de recurso humanos". A passagem do IDT a SICAD e a reorganização das escolas e dos serviços de saúde contribuíram para esta situação. "Há maior dificuldade em fazer o trabalho que normalmente tem resultados. Não são sessões esporádicas. Obriga os alunos a pensar e a decidir. O objetivo é dar capacidade para decidir e envolve as várias vertentes, álcool, tabaco, jogo, internet. Com esta menor capacidade de entrar nas escolas, onde até há professores bem preparados para esta matéria mas ocupados noutras coisas, é a sociedade que perde", alerta.

Três barraquinhas de castigo

Além do álcool há também o comportamento cívico no recinto. Três barraquinhas da Queima das Fitas do Porto estiveram encerradas na noite passada (quarta-feira) por imposição da Federação Académica do Porto (FAP), após a polémica criada com a divulgação de vídeos de estudantes que se prestavam a atos sexuais simulados ou reais, a frases sexistas expostas nalgumas das barraquinhas, tudo relacionado com o consumo de álcool em grandes quantidades no evento que decorre até sábado. A FAP diz que há mesmo "uma onda" para mostrar que não é admitida qualquer violência sexual, de género e física. Há 200 voluntários que se juntam à comissão executiva para fiscalizar as atividades da Queima das Fitas, inclusivamente no recinto, envolvendo responsáveis do projeto antissexista Ponto Lilás e agentes da PSP.

Foi "por violação dos regulamentos, comportamentos desadequados e problemas com os preçários", segundo disse ao DN João Videira, presidente da FAP, que estas barraquinhas de associações de estudantes de instituições de ensino superior da Universidade do Porto receberam o castigo. "Hoje [quinta-feira à noite] vão reabrir", garantiu o dirigente estudantil, para quem a FAP foi obrigada a mostrar que há "tolerância zero" para comportamentos que considera ferir os valores da Queima das Fitas. Eram casos de jovens mulheres a simularem atos sexuais para obterem bebidas alcoólicas, outras a mostrarem os seios para o mesmo fim, beijos lésbicos e outros, todos com incentivo dos próprios bares através de expressões afixadas de pendor sexista, com o objetivo final a ser a incitação ao consumo de álcool.

"As pessoas visadas compreenderam a situação e mostraram arrependimento", disse João Videira. A FAP percorreu na noite de quarta-feira todo o recinto do Queimódromo do Porto e verificou, diz o seu presidente, que houve uma mudança. "Todas as noites, a Comissão Executiva fiscaliza a conduta e comportamento no Queimódromo. Na última noite não se verificou a conduta" que havia sido divulgada em vídeos, assegurou. "Para já está a surtir efeito" o comunicado que a FAP lançou a ameaçar punir os infratores, como já o fez. "Tínhamos de dar o exemplo, não podíamos deixar de responsabilizar as pessoas. A nossa preocupação é também a imagem que os estudantes deixam e os valores humanos que a Queima defende não se coadunam com esses comportamentos", diz João Videira, alertando que "se houver comportamento reincidente as consequências serão mais graves", como o encerramento definitivo e a perda da caução económica.

O DN questionou ainda a PSP sobre a segurança no Queimódromo, onde até há uma esquadra a funcionar. A resposta oficial não esclarece quantos agentes estão envolvidos nem que tipo de ocorrências têm sido registadas. A direção nacional da PSP adianta que foi delineado um plano de segurança com uma quantidade "muito significativa de polícias e diferentes valências policiais, nomeadamente, ao nível da prevenção e reação criminais, spotting (conciliadores), manutenção e reposição da ordem pública". Para além do policiamento geral, o plano envolve carros-patrulha, pelotões operacionais, equipas de intervenção rápida e equipas da divisão de trânsito.

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