Faz hoje 100 anos que Portugal fez o primeiro jogo oficial de futebol enquanto seleção nacional. A derrota (3-1) em Madrid, frente a uma mais evoluída Espanha, pouco importa para a história daquele que foi o primeiro jogador a marcar um golo de quinas ao peito, no longínquo ano de 1921: Alberto Augusto, o Batatinha, o mestre do drible, o jogador que fazia carícias na bola, o avançado que marcava golos com remates fulminantes a 18 metros da baliza, o primeiro profissional do futebol português..Rezam as crónicas da altura que o avançado do Benfica fez de irmão mais velho e se chegou à frente quando o irmão mais novo, Artur, que jogava no FC Porto, sofreu um penálti mas se intimidou na hora de enfrentar o temível Zamora, a quem chamavam de El Divino, e que ainda hoje dá nome ao troféu de melhor guarda-redes da Liga espanhola..Outros defendem que foi o capitão Cândido de Oliveira (que ainda hoje dá nome à Supertaça) a escolher Alberto Augusto para marcar. Não se sabe se ao certo se isso causou algum problema familiar, mas o certo é que os manos Augusto ficaram ligados ao primeiro golo da agora centenária seleção nacional. Foram também os primeiros irmãos a jogar na seleção fruto de uma renúncia dos irmãos Pereira do Belenenses (essa é uma história para contar mais à frente)..Segundo contaram os portugueses, "até os espanhóis aplaudiram" o golo de penálti de Portugal e "à noite no café" o guarda-redes espanhol piscou o olho a Alberto e disse: "Enganaste-me bem, maroto!".O Batatinha, como ficou conhecido, tem uma riqueza futebolística que atravessa não só as cores nacionais como a história do Benfica e ainda dos dois maiores emblemas do Minho. "Não há em Portugal jogador algum mais popular, mais admirado e mais característico que Alberto Augusto. Poucos ou quase nenhuns dos nossos foot-ballers reúnem tanta simpatia como o popular jogador, simpatia que ele merece como recompensa ao seu esforço, à sua dedicação e aos seus grandes conhecimentos técnicos aliados à simplicidade e modéstia do seu jogo. Possui todas as qualidades de um jogador perfeito até mesmo no dificílimo desempenho de guarda-redes". Assim o descrevia Armando Moreira Rato numa biografia em jeito de almanaque de bolso em 1923, que pode ser consultada no Museu do Desporto..Filho ilegítimo de António Augusto com a senhora professora Amélia Maria Rocha, Alberto nasceu a 1 de agosto de 1898 na freguesia de Benfica, em Lisboa. Assim dita o registo de batismo, celebrado na Igreja Senhora do Amparo que o DN consultou. Foi nas ruas de terra batida de Benfica que mostrou habilidades com uma bola de trapos aos nove anos. Ia para a zona do campo do Benfica (que na altura se situava em Sete Rios, Lisboa) e ficava a "contemplar" os treinos à espera que alguma bola saltasse a vedação para ficar com ela. Por isso dizem que "começou como apanha bolas dos mestres Cosme Damião (fundador do Benfica) e Germano de Vasconcelos"..Aos 14 anos, "animado por um entusiasmo sem limites", viria a ser jogador do Grupo Desportivo da Amadora, que ficava a pouco mais de dois quilómetros de casa. Começou a jogar na quarta equipa, mas rapidamente galgou até à principal. Segundo os jornais da época, "fugia ao estilo de jogo antiquado da altura, do pontapé para a frente", e apresentava um "futebol mais interessante e mais atraente". Os seus dribles foram revolucionários. E se "deliciava" quem o via com o "jogo de sedução que fazia com a bola", também irritava adversários e colegas, que diziam que as "brincadeiras" dele com a bola comprometiam o resultado. Uma verdade ainda atual..Os remates "fulminantes" a 18 metros levaram-no até ao Benfica em 1917. "O rapazinho franzino que assistia aos treinos" ia jogar nas águias. Estreou-se com 19 anos e foi já como titular indiscutível que foi chamado para a primeira seleção nacional de Portugal. Foi um dos primeiros ídolos do clube da Luz, antes mesmo do goleador Vítor Silva..Numa altura em que os homens se reuniam ao domingo para jogar, Alberto era já o jogador que despendia "mais tempo a apurar a forma física, treinando continuadamente". Era também um dos arautos do profissionalismo. "Garanto-lhe que se houvesse equipas profissionais no nosso país, enfileirava-me neles e tenho a convicção que seria mais jogador do que sou hoje", disse Batatinha numa entrevista ao almanaque Os nossos Azes do Foot-Ball de 1924..E quando o jornalista lhe perguntou porquê, respondeu: "Porque haveria o estímulo. O trabalho estimulado é sempre de melhor qualidade. Deste modo não teria de pensar na minha vida particular." Que é como quem diz, concentrava-se apenas no futebol. Impressionante tendo em conta que era um rapaz com pouco mais de 20 anos. Ainda demorou alguns anos até haver jogadores pagos. E embora não seja possível garantir com toda a certeza, Alberto terá sido o primeiro jogador profissional do futebol português..Na altura não havia contratos e era vulgar as equipas "contratarem" jogadores de outras equipas para um só jogo ou torneio. E foi assim que Alberto Augusto se tornou o primeiro português a jogar no Brasil - o primeiro a jogar no estrangeiro terá sido Francisco dos Santos, um estudante português de Belas Artes em Roma, que se juntou à Lazio em 1907..Convidado pelo Vitória de Setúbal para uma digressão pelo Brasil, as "magníficas exibições" valeram-lhe "diversos convites para ingressar em clubes brasileiros". Jogou durante dois anos do outro lado do Atlântico, principalmente ao serviço do América do Rio de Janeiro e pelo Santos. Farto da vida longe de casa quis voltar e nem um cheque em branco para ficar o demoveu. Assinou então pelo Sp. Braga, em 1925, tornando-se no primeiro jogador remunerado da história dos bracarense e também o primeiro dos guerreiros a ir à seleção.."Emprestou ainda o seu vasto conhecimento para o desenvolvimento de vários clubes", com o Rio Tinto e o Salgueiros, Académico do Porto, da AD Fafe, GD Aves, Gil Vicente FC, FC Vizela, Fabrica da Cuca, FC Porto, Oriental de Lisboa, SL Faro e SC Torreense. Foi treinador/jogador durante vários anos até pendurar as chuteiras aos 40 anos como treinador/jogador do Vitória de Guimarães..O seu nome está ligado ao clube da Cidade Berço. Foi em Guimarães que passou mais tempo nos relvados (dez anos). E foi com ele que a equipa se tornou no melhor clube do Minho, sagrando-se crónico vencedor de todas as provas regionais de futebol, lançando os alicerces para um V.Guimarães de dimensão nacional. Foi o treinador da primeira participação vimaranense no Campeonato Nacional da 1ª Divisão de 1942, ano em que levaria o clube à sua primeira final da Taça de Portugal - perdeu com o poderoso Belenenses (2-0)..Era conhecido como o "treinador do método, hábil e criterioso nas escolhas", que treinava desde os iniciados aos seniores. Foi na Cidade Berço que casou com Maria Emília Fonseca, onde ficou até à morte de ambos em 1973. Não viveu para presenciar a tragédia que tomaria conta da vida da única filha - perdeu dois filhos (netos de Alberto Augusto) em acidentes..Alberto fez apenas quatro jogos pela seleção e só marcou um golo, o primeiro da história da seleção, a 18 de dezembro de 1921 (derrota por 3-1). A segunda internacionalização foi em 17 de dezembro de 1922 (derrota, por 2-1) também com Espanha. A 16 de dezembro de 1923, no "III Portugal-Espanha, Alberto não fez metade do que valia", segundo as crónicas da altura, e por isso a seleção perdeu por 3-0. Um dia mau do "espírito alegre, folgazão e boliçoso", que ainda faria um quarto jogo pela seleção, frente à antiga Checoslováquia, a 24 de janeiro de 1926, já como jogador do Sp. Braga..O encontro entre vizinhos Ibéricos demorou quase dez anos para acontecer. Esteve para se realizar em 1912, mas divergências em relação a quem pagaria as despesas de deslocação de comboio de Santa Apolónia (Lisboa) até Madrid adiaram o duelo para lá do fim da I Guerra Mundial. O jogo oficial entre "o grupo representativo de Portugal" e os espanhóis aconteceu apenas em 1921 e foi precedido, meio ano antes, por um encontro entre a seleção militar de Madrid e a congénere de Lisboa..Sem equipamentos oficiais definidos para a ocasião, os jogadores aceitaram usar uns emprestados pelo Casa Pia. Porquê? A implantação da República Portuguesa era recente (tinha 11 anos) e havia elementos na equipa que eram monárquicos e não queriam jogar com as cores da República, o verde e o vermelho atuais. Como o preto e branco eram as cores da cidade de Lisboa e só havia um jogador de um clube fora da capital, mas nascido em Lisboa (Artur Augusto, FC Porto), os jogadores aceitaram atuar com os equipamentos do Casa Pia (preto e branco), que era também o clube mais representado, mas com o escudo ao peito..Este foi apenas um dos muitos pormenores que eternizaram o primeiro dérbi ibérico marcado por polémicas e boicotes. O primeiro selecionador, se assim se pode chamar, foi Augusto Sabbo. O então treinador do Sporting ficou responsável pela convocatória e incluiu Francisco Pereira, do Belenenses, cuja chamada foi bastante questionada pela imprensa. Chateado, o atleta renunciou e deu origem a uma onda de solidariedade, que levou o irmão Artur José Pereira, considerado o melhor jogador nacional, e Alberto Rio a renunciarem. Sabbo não resistiu e demitiu-se antes mesmo de começar..Os dirigentes da União Portuguesa criada em 1914, que em 1926 deu lugar à Federação Portuguesa de Futebol, nomearam um comité formado por Carlos Vilar, Pedro Del Negro, Reis Gonçalves, Virgílio Paula, Plácido Duro e Júlio de Araújo para escolher e orientar a equipa. Eram todos da Associação de Futebol de Lisboa, o que levou a um boicote dos clubes do Norte. Artur Augusto (FC Porto) foi contra o boicote portista e juntou-se à equipa nacional, sendo ele a sofrer a grande penalidade que eternizaria o irmão Alberto - Artur morreu aos 30 anos de "uma maleita"..Na estreia, o "grupo representativo de Portugal" alinhou com Carlos Guimarães (CIF); António Pinho (Casa Pia), Jorge Vieira (Sporting) e João Francisco (Sporting); Vítor Gonçalves (Benfica) e Cândido de Oliveira (Casa Pia); José Maria Gralha (Casa Pia), António Augusto Lopes (Casa Pia), Ribeiro dos Reis (Benfica), Artur Augusto (FC Porto) e Alberto Augusto (Benfica)..Os duelos com Espanha tornaram-se tradição e só em 1937, à 13.ª tentativa, a equipa portuguesa conseguiu vencer um jogo frente ao país vizinho. Hoje os duelos são mais equilibrados, mas essa parte inicial da história ainda faz desequilibrar a balança para o outro lado da fronteira - Portugal soma seis vitórias em 38 jogos (16 derrotas e 16 empates) nos últimos 100 anos..isaura.almeida@dn.pt