Enquanto baixista e compositor, foi um daqueles artistas que ajudaram a definir o futuro da música popular. Fundador dos Joy Division, que após o suicídio do vocalista Ian Curtis, em 1980, se reconverteu em New Order, Peter Hook abandonaria o grupo em 2007, "em desacordo" com os restantes membros. O extremar de posições atingiu o auge em 2011, aquando do regresso dos New Order ao ativo, desta vez sem Peter Hook que, segundo o próprio, nem chegou a ser convidado. Resultado: o baixista processou os antigos companheiros, por uso indevido do nome (chegariam mais tarde a um acordo extrajudicial) e começou ele próprio a tocar os temas das antigas bandas - que também são seus..Formou então uma nova banda, os The Light, com quem, desde 2010, se tem dedicado a recuperar ao vivo todo o catálogo dos Joy Division e dos New Order, algo que, como o próprio confessa nesta entrevista ao DN, se tornou "uma espécie de missão de vida"..Depois de já ter tocado na íntegra os álbuns Unknown Pleasures e Closer, dos Joy Division, bem como Movement, Power, Corruption and Lies, Low-Life e Brotherhood, dos New Order, Peter Hook and the Light estão agora de regresso a Portugal para apresentar os temas de Substance, duas compilações editadas em 1987 e 1988, que reúnem os singles até então lançados por ambas as bandas..O alinhamento inclui assim clássicos como Love Will Tear Us Apart, Atmosphere ou Transmission, dos Joy Division, e True Faith, Blue Monday ou Bizarre Love Triangle, dos New Order. É caso para dizer que a história da pop vai passar por aqui..Continua a haver muita gente com vontade de ouvir estas músicas?.E não estão sozinhos, eu também tenho muita vontade de as continuar a tocar. Aliás, sempre quis, mesmo quando estava com os New Order, mas os meus colegas não queriam voltar aos temas mais antigos, os dos Joy Division. Uma das coisas boas de ter abandonado a banda, foi mesmo essa, voltar a ter a liberdade de tocar o que bem me apetece..É por isso que dá concertos tão longos?.Exatamente, porque gosto mesmo de tocar estas músicas. Se nos estamos mesmo a divertir porque não havemos de prolongar a coisa mais uns momentos? Não me importo de estar em palco duas ou três horas seguidas e com os New Order isso também nunca acontecia. Nunca fomos uma banda de longos espetáculos..Porque é que decidiu voltar aos Joy Division, 30 anos depois?.Exatamente por isso, porque em 2010 se cumpriam os 30 anos sobre a morte do Ian e pareceu-me uma boa altura para o fazer, até em jeito de homenagem a ele. Houve uma série de músicas que nunca chegámos a tocar ao vivo, que os fãs nunca ouviram em concerto e isso parecia-me injusto. Além de que me apetecia mesmo fazê-lo. Tomei então a decisão de tocar, na íntegra, todos os discos de Joy Division e de New Order em que participei, tornou-se mesmo uma espécie de missão de vida (risos). Comecei pelo Unknown Pleasures e na digressão seguinte toquei o Closer, ambos dos Joy Division. Também já tocámos vários álbuns dos New Order e neste momento estamos a tocar as compilações que reúnem os singles de ambas as bandas. E ainda me faltam pelo menos mais dois discos dos New Order, pelo que, quando esta digressão terminar, ainda tenho com que me entreter durante mais algum tempo..Mas não se limita a fazer simples versões, são as mesmas canções mas com novos arranjos, certo?.Sim, porque quando saí da banda e devido ao processo judicial que se seguiu deixei de ter acesso às demos originais dos New Order e a solução que encontrei foi fazer todas as canções quase como se fosse de novo. Curiosamente, tornou-se um processo muito mais fácil do que esperava, devido à tecnologia, mas temos de ter algum cuidado, porque também corremos o risco de tornar a música demasiado automática. Tive a preciosa ajuda de um músico australiano, o Ken Evans, que domina muito bem essas ferramentas e tem colaborado comigo só por amor à música, sem qualquer dinheiro envolvido, apenas porque é fã de Joy Division e New Order..Porque é que se desfez de toda a sua memorabilia relacionada com os Joy Division? Fez um leilão online, em que chegou a vender uma guitarra de Ian Curtis, não é verdade?.Não só dos Joy Division mas também dos New Order e dos tempos da Hacienda. Apareceram mais de 700 compradores, oriundos de 25 países..Não lhe custou? Aqueles objetos faziam parte da sua vida....Partiu-se-me o coração, porque sou muito agarrado às coisas, mas já tinha tudo aquilo comigo há mais de 30 anos, trancado lá em casa. Senti que chegara o momento de partilhar aquilo com quem mais merece, que são os fãs..Foi também uma forma de fazer o luto da sua saída da banda e do processo judicial que se seguiu?.Não, o luto foi feito estando rodeado de todas essas coisas. Agora era tempo de seguir em frente. Sinto-me muito bem com a decisão que tomei. O mais importante são as canções e essas ninguém me as tira..Porque é que saiu dos New Order em 2007?.Porque havia outros três membros com ideias diferentes das minhas sobre tudo o que dizia respeito à banda. Passados 30 anos, percebi que tinha chegado a altura de terminar com aquilo. E a verdade é que a banda também acabou na altura, só regressando alguns anos mais tarde..Mas desta vez já sem Peter Hook. Foi por isso que anos mais tarde os processou, por uso indevido do nome New Order?.Sim, porque regressaram nas minhas costas, sem me dizer nada, reduzindo assim os meus rendimentos em 25 por cento. Chegámos a um acordo extrajudicial e a vida continuou para todos..Como é que ficou a vossa relação?.Já estivemos mais zangados, mas continuamos afastados. É uma pena, porque conseguimos algo único quando estávamos juntos, apesar de todas as diferenças. São as pessoas com quem comecei a tocar, quando era miúdo, com quem conquistei tudo. Penso que é vergonhoso, para todos, termos chegado a este ponto, com esta idade..Não sente saudades de tocar com os seus antigos companheiros?.Sinto falta de fazer música nova com eles, isso sim, mas não de fazer parte da banda, especialmente da ideologia que reinava sobre os New Order..E porque não faz coisas novas com os The Hook ou com outra banda qualquer?.Mas quem disse que não faço? Tenho um projeto chamado Man Ray, com o Phill Murphy, e vou participar num single da banda francesa The Limiñanas, que vai ter o Iggy Pop como vocalista convidado. Finalmente consigo tocar com o Iggy Pop! A verdade é que me sinto satisfeito e feliz a tocar a música dos Joy Division e dos New Order, não preciso de estar sempre a fazer coisas novas para me sentir realizado. Tenho muita sorte por ainda conseguir fazer tudo isto na minha idade, a sério, sinto-me mesmo uma pessoa abençoada..Como é o público que vai aos seus concertos?.Para grande surpresa minha por gente de todas as idades, até por famílias completas, o que é para mim o maior elogio, porque nunca ouvi música junto com o meu pai (risos). Há mesmo muitos miúdos nos meus concertos, o que é ótimo, porque se fossem todos da minha idade seria deprimente. O mais incrível, passados tantos anos, é perceber como o Ian Curtis ainda consegue falar para as novas gerações, como as suas palavras comunicam com pessoas que ainda nem eram nascidas quando ele morreu. Ainda há pouco, um rapaz de 14 anos escreveu-me uma carta a agradecer o facto de ter voltado a tocar as canções dos Joy Division, permitindo-lhe assim vê-las tocadas ao vivo. Isto dá-nos uma responsabilidade enorme....O seu filho, Jack, ainda toca baixo nos The Light?.Já não, trocou-me pelo Billy Corgan, que o convidou para ser baixista dos Smashing Pumpkins. Não o posso censurar (risos), mas tenho saudades de o ter por lá, porque é a única pessoa que conheço que toca baixo como eu e isso facilitava imenso o trabalho da banda. Na realidade, ele toca melhor, porque eu nunca conseguiria tocar nos Smashing Pumpkins (risos)..Que memória tem de Ian Curtis?.Quando fiz o leilão, a única coisa que não vendi foi uma foto antiga dele. Estou com ele desde que morreu, é a única forma que tenho de responder a essa pergunta. Não há um único dia em que não pense no Ian. Por continuar a cantar as suas palavras, mas também pela sombra do suicídio dele, com o qual tenho de viver durante o resto da minha vida. Quando comecei com este projeto estava aterrorizado com a responsabilidade de cantar essas canções, porque sempre fui baixista, nunca fui vocalista, mas hoje sinto-me muito orgulhoso por ser um embaixador da sua música. Não posso deixar as pessoas esquecê-lo enquanto artista e escritor, tal como eu também não consigo esquecer a pessoa e o amigo..Como se sente em palco a tocar e a cantar estas músicas?.É engraçado, porque me sinto muito mais livre. Foi bom voltar a um som mais direto, mais próximo daquilo que fazíamos no início dos Joy Division e dos New Order. Mas, o mais importante, repito, são todas aquelas pessoas que, noite após noite, ali estão à nossa frente para ouvir estas músicas. Sem elas, eu não seria ninguém..Peter Hook and the Light.Aula Magna, Lisboa. 12 de abril, 21.00. €23,5 a €33.Teatro da Guarda. 13 de abril, 21.30. €15.Casa da Música, Porto. 14 de abril, 21.30. €18,75 a €30