Engenheiro hidrógrafo e oficial da Armada na reserva, Aldino Campos foi um dos responsáveis da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC) que elaboraram a proposta entregue formalmente por Lisboa junto da ONU em 2009. Especialista em hidrografia e oceanografia, está proibido de participar na análise do documento português - sobre o qual recusa falar - ou dos espanhóis, para evitar conflitos de interesses. Aldino Campos falou ao DN a propósito dos 10 anos da entrega da proposta portuguesa..Portugal entregou em 2009 a sua proposta à ONU, que demorou oito anos para começar a analisá-la. É normal? Como explicar? É normal esse intervalo de tempo. Já havia 43 propostas entregues, que são apreciadas por ordem de chegada. Serem entregues de manhã ou de tarde, na altura da nossa submissão, poderia implicar um atraso de anos porque são análises sequenciais. Por isso é normal, foi um período de espera expectável..Se Portugal tivesse dividido a sua proposta em três, para o continente e para cada uma das regiões autónomas, essa análise poderia ser mais rápida? É verdade que vários países entregaram propostas parciais, embora estes países tenham limites geográficos exteriores que não são contíguos. Se os Açores estivessem mais distantes do continente e ambos os limites não se tocassem, se calhar fazia sentido haver uma proposta parcial para os Açores, outra para a Madeira e outra para o continente. Mas isso não foi assunto. A França tem muitas possessões ultramarinas e fez isso... assim conseguem manter viva a memória das propostas e as equipas a funcionar. Nós tivemos de fazer um esforço nacional para manter a Estrutura de Missão a marinar durante estes anos, enquanto os franceses estão quase sempre a defender uma e a preparar outra. Dá-lhes tempo para manter sempre ativa a célula de investigação porque não têm picos de trabalho ou de falta de trabalho. É um trabalho contínuo..Da EMEPC inicial, poucos dos seus membros ainda lá estão. Isso tem reflexos na apresentação e na defesa da proposta portuguesa junto da Comissão? Tem sempre e a minha posição é que o conhecimento é algo que não se deve perder. Pese embora grande parte dos atuais membros estivessem com posições mais secundárias [há uma década], não vejo que fosse mau alargar a participação a outros elementos que estiveram nas campanhas [de recolha de dados] ou a outros especialistas. Não sei se isso estará a ser colmatado através do grupo de acompanhamento da EMEPC, à semelhança dos outros Estados que trazem todo o seu legado. Não se perde nada em trazer [quem tem] o conhecimento acumulado para uma participação alargada nas discussões..Do que conhece e sem entrar em pormenores, é possível dizer que ainda demorará alguns anos a haver uma decisão? Isso é altamente falível. É difícil dar uma data e o que se pode fazer é, dada a dimensão da proposta portuguesa e comparada com outras igualmente complexas, especulamos sempre... mais dois a três anos. Depende do Estado dar resposta aos pedidos da subcomissão. Para ir buscar mais dados é preciso fazer uma campanha de mar, algumas custam milhões de euros e é preciso obter orçamentos, um navio próprio, tecnologia, fazer a preparação da campanha e o levantamento dos dados. Estados mais ricos têm mais facilidade de o fazer face a outros e podem melhorar mais as suas propostas..Sendo este um processo negocial, pode dizer-se que a análise das propostas demora o tempo necessário até o país proponente ficar satisfeito com a decisão (que será sempre favorável)? Não diria negocial, mas uma interação da Comissão com o Estado proponente. Se o que existe não suporta a proposta, então não recomendamos com a brevidade esperada. E o Estado tem duas hipóteses: ou arranja mais dados num espaço de tempo considerado aceitável ou então, passado esse tempo, a Comissão emite as recomendações [negativas]. Mas é raro o caso em que estamos a negociar para chegar um entendimento. Ou os dados suportam os limites propostos ou não. Não tentamos chegar a um compromisso, até porque se houve com a subcomissão [responsável], depois a Comissão no seu todo poderia chumbar..Se houver uma recusa, será total ou pode ser parcial? Sim, total ou parcial..Espanha é o único país com quem pode haver diferendos políticos? Ainda há algum pendente ou é expectável surgir alguma oposição de Madrid? A nossa plataforma continental estendida só se sobrepõe a dois possíveis Estados vizinhos, Espanha e Marrocos. Mas foram entregues notas verbais à ONU a dizer que esses Estados vizinhos não se opõem a que a proposta portuguesa seja analisada, salvaguardando futuras negociações entre os Estados para definir os limites fronteiriços sobre zonas de sobreposição. Nessas zonas, é bilateralmente que os países se sentam e negoceiam..Que projetos nacionais está a analisar? Estou a analisar a Rússia no Ártico, o Sri Lanka no Índico, uma proposta conjunta da África do Sul e França no Índico. E conclui [sexta-feira], com recomendações aprovadas pela Comissão, a proposta de Tonga no Pacífico, da qual era presidente da subcomissão..Aliviado? É sempre um motivo para festa. Foram quase dois anos, mas dá uma certa bagagem porque temos de interagir com toda a Comissão e com a delegação, os embaixadores e a vinda da princesa de Tonga à Comissão de Limites aquando da apresentação..É consultor de algumas candidaturas nacionais? Não tenho o meu nome associado a nenhum projeto, mas pediram-me que visse projetos já entregues ou em que vão ser feitas revisões às propostas. Mas não posso divulgar quem são, só dizer que foram dois Estados formalmente e um terceiro de forma mais informal..Alguém considerou que não podia ser consultor do projeto português? No sumário executivo, o único elemento publico do processo e que dá informação à comunidade internacional dos limites que Portugal está a pedir para se manifestar caso discorde, diz (na adenda entregue em agosto de 2017) que participei na elaboração da proposta e fui responsável. Mas agora não sou consultor do projeto nacional, embora os meus colegas sejam nas propostas dos seus países. [Em Portugal] não houve esse entendimento..Seria compatível pertencer à Comissão e trabalhar para a candidatura portuguesa? Sim, aliás já aconteceu em Portugal. O anterior membro da Comissão (de 2002 a 2012), comandante Maia Pimentel, era o coordenador técnico da proposta portuguesa..É positivo ou negativo não ser consultor da proposta portuguesa? Não tenho posição formada. Não me convidaram para isso. Todo o conhecimento, como já disse, é positivo em não se perder. A grande questão reside na preservação da memória da proposta, por causa da endurance, da demora que as comissões levam a ser constituídas. E o tempo de espera tende a aumentar por causa da crescente complexidade das propostas. Enquanto antes eram mais simples e mais céleres a ser consideradas, as que estão a ser entregues agora só daqui a 15 ou 20 anos vão ser analisadas..Quantas propostas já foram submetidas à Comissão e desde quando? E quantas já foram decididas? A primeira foi da Rússia, em 2001. Há 84 propostas submetidas. Só França entregou umas sete. Cada proposta vale pelo seu mérito. E já houve sete ressubmissões de países que não ficaram satisfeitos [com as recomendações da Comissão]. Já houve 40 recomendações definitivas no total, o que não quer dizer que [os países proponentes] não possam apresentar ressubmissões, como a Rússia e o Brasil..Há países (ou empresas) com capacidade para explorar os recursos do solo e subsolo marinhos às profundidades que existem para lá das 200 milhas)? Esta primeira fase é para definir o limite exterior, fisicamente, das plataformas. Quando a Convenção da Plataforma Continental foi aprovada, em 1958, os critérios eram o limite dos 200 metros ou o da explorabilidade, em que os países tecnologicamente desenvolvidos começaram a criar tecnologias e iriam ficar com uma capacidade ilimitada face aos outros. Depois arranjou-se uma forma de definir limites finitos, razão para os EUA não ratificaram ainda a Convenção..Mas já há capacidade para explorar recursos a 4000 metros de profundidade, como é a média no caso português? Já temos casos, como na baía de Santos [Brasil], em que já se consegue trabalhar aos três mil ou quatro mil metros. Mas é uma questão de tempo, agora é tempo de definir os limites. Depois vamos ver como ir buscar os recursos.