Falta menos de um mês para as eleições na Ordem dos Advogados (OA), que decorrerão a 27, 28 e 29 de novembro, mas a luta parece ter começado há muito no Conselho de Deontologia de Lisboa (CDL). O presidente, Paulo Graça, agora candidato ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados, e Isabel da Silva Mendes, vogal conselheira, candidata a bastonária, enfrentaram-se nas últimas eleições para o CDL. E continuaram a enfrentar-se ao longo do mandato..Autoritarismo, violação de correspondência, violação do método de Hondt, perseguição e esvaziamento da discussão no Conselho Deontológico de Lisboa da Ordem dos Advogados (OA) são, segundo fonte da OA, imputados ao seu presidente, Paulo Graça, em resultado do conflito latente entre este e alguns dos vogais conselheiros eleitos pela lista concorrente, em particular Isabel da Silva Mendes, que neste momento concorre a bastonária, e Vítor Almeida Serra, atual número dois da lista encabeçada por Ivone Cordeiro ao CDL para o triénio 2020-2022..Para se perceber do que estamos a falar, o Conselho de Deontologia é o único órgão da Ordem dos Advogados cuja eleição é feita através do método de Hondt, sistema de representação proporcional, na medida em que é um órgão de natureza colegial. Para o triénio de 2017-2019 concorreram duas listas ao CDL - que exerce poder disciplinar sobre quase metade dos advogados do país -, uma encabeçada pelo advogado Paulo Graça, outra liderada pela advogada Isabel da Silva Mendes. A primeira elegeu onze membros, a segunda elegeu nove. Zelar pela deontologia, dignificar a profissão e tornar mais célere e eficaz a condução e conclusão dos processos disciplinares parecia ser a missão assumida por todos..Até que em maio de 2017 o verniz começou a estalar, com a manifestação de desagrado de alguns vogais conselheiros, em reunião plenária, por não terem sido informados de um encontro com as delegações regionais, e estalando definitivamente em setembro com a recusa do presidente do CDL em acrescentar um ponto à ordem de trabalhos para discutir uma questão que Isabel da Silva Mendes pretendia ver esclarecida, o que motivou mesmo abandonos do plenário e declarações acesas. Basta ler as atas das reuniões plenárias para perceber a escalada, que, a partir de certa altura, deixa de estar refletida, mas não terá cessado..Violação do método de Hondt.Um dos episódios que levantou controvérsia foi a substituição, em plenário extraordinário, de um vogal conselheiro - Manuel Luís Ferreira, que tinha sido eleito pela lista de Isabel Silva Mendes - na sequência de um pedido de suspensão de mandato por parte do próprio, que foi deferido - por Clara Sanches Valente, a número 12 da lista encabeçada por Paulo Graça. Considerando que tinha sido violado o método de Hondt, foi apresentado recurso ao Conselho Superior da OA, desta decisão, tendo este atendido às razões dos recorrentes e anulado a nomeação..Paulo Graça tem entendimento diferente, explicando que a nomeação foi legítima, pois Clara Valente era a advogada que se seguia a Manuel Luís Ferreira na lista devidamente ordenada segundo o método de Hondt.."O que sucedeu foi que a advogada em causa tinha-se apresentado a eleições pela lista do signatário [Paulo Graça] e o Conselho Superior entendeu que a aplicação do método de Hondt se faria não pela designação do advogado imediatamente sequente que tivesse feito parte da lista pela qual tinha sido eleito o membro a substituir. Esta decisão do CS - tomada por este órgão quando o senhor professor Menezes Leitão, cuja candidatura a este órgão é adversária da do signatário [Paulo Graça], entrou na corrida eleitoral - foi acatada pese embora a nossa veemente discordância quanto à mesma, manifestada ao CS em resposta ao recurso.".Violação de correspondência.Mas segundo fonte da OA, este não foi o episódio mais grave. Tendo sido pedido por Isabel da Silva Mendes esclarecimentos ao bastonário da Ordem dos Advogados sobre os procedimentos administrativos de contratação dos instrutores (que fazem a instrução dos processos disciplinares e coadjuvam os relatores - os vogais conselheiros a quem são distribuídos os processos - que os conduzem e julgam), a resposta do bastonário, endereçada a Isabel da Silva Mendes, em carta fechada, por protocolo, em mão própria, foi aberta, devolvida ao bastonário, e tudo sem ter sido dado conhecimento à destinatária da mesma..Situação que surpreendeu o bastonário, Guilherme de Figueiredo, que respondeu chamando a atenção para que o envelope tinha a identificação da destinatária. "Tendo em atenção o ofício de vossa excelência, verifico que abriu a correspondência endereçada à senhora vogal, o que nunca deveria ter sucedido, correspondendo aliás a um ilícito penal, assim solicito a vossa excelência uma explicação para este facto.".A explicação não foi dada ao bastonário, mas, ao DN, Paulo Graça refutou em absoluto a acusação de violação de correspondência: "Não abri, nem mandei abrir a correspondência fosse de quem fosse e designadamente da Dra. Isabel da Silva Mendes. Toda a correspondência remetida aos vogais do CDL é aberta nos serviços que o CDL partilha com o Conselho Regional de Lisboa, por funcionária encarregada disso mesmo. Tal só não acontece se a dita correspondência for pessoal, isto é, se contiver a menção de 'pessoal' ou de 'confidencial', o que não era o caso."."Esclareço que este procedimento existe há mais de dez anos. No caso em apreço, a comunicação do senhor bastonário dirigida à Dra. Isabel da Silva Mendes foi aberta pelos serviços, segundo o procedimento que sempre usaram, sem que tivesse tido qualquer intervenção ou conhecimento prévio do facto. Informado de que a comunicação continha cópia de processos de contratação de instrutores (cópia essa que havia remetido por cortesia ao senhor bastonário) e continha expostos os dados pessoais dos mesmos, o que viola a lei sujeitando a OA a pesada coima, ordenei que fosse devolvida a dita correspondência ao senhor bastonário. E foi tudo quanto se passou.".Clima de perseguição.O clima de tensão foi-se agravando e neste ano, ano de eleições, terá atingido o pico. Houve momentos menos cordiais vividos entre Paulo Graça e Isabel da Silva Mendes, nomeadamente quando esta participava no II Encontro do Conselho de Deontologia de Lisboa com delegações e foi impedida de assistir à segunda parte dos trabalhos, que incidia sobre a articulação de procedimentos entre o CDL e as delegações, os principais problemas diagnosticados por estas e a análise das necessidades de formação em Deontologia..Paulo Graça explica a situação ao DN: "A restrição da reunião da parte da tarde foi publicamente recordada a todos os presentes na parte da manhã, entre os quais se encontrava a Dra. Isabel da Silva Mendes, e, quando, sem prejuízo de ser conhecedora desse facto a mesma fez menção de participar nessa parte da reunião, recordei-lhe que a reunião era restrita ao presidente e vice-presidentes e a mesma saiu da sala." No folheto informativo do encontro não há, no entanto, qualquer referência a tal restrição..Mas também com situações que, de acordo com fonte da OA, podem ser consideradas de carácter persecutório relativamente a um dos vogais conselheiros, no caso Vítor Almeida Serra, de quem o presidente do CDL fez uma participação disciplinar ao Conselho Superior da OA e a quem destituiu do cargo de relator nos processos que este tinha sob a sua alçada relativos a João Araújo - advogado de José Sócrates, um dos quais em resultado da queixa da jornalista do Correio da Manhã, Tânia Laranjo, a quem o causídico destratou com a célebre frase "Devia tomar mais banho, cheira mal"..Da participação disciplinar, originada pelo facto de Vítor Almeida Serra se ter ausentado de uma audiência pública por considerar que não reunia condições de isenção para tomar parte da mesma, tendo para isso apresentado requerimento a justificar a sua ausência e saído, atitude que Paulo Graça, não por uma questão de conteúdo, mas de forma, considerou acintoso e desrespeitoso para com o CDL, o que o levou a participar disciplinarmente do vogal conselheiro. O Conselho Superior deliberou que não houve por parte de Vítor Almeida Serra qualquer infração disciplinar..Por fim, em finais de abril deste ano, Paulo Graça retirou a Vítor Almeida Serra o processo de João Araújo, do qual este era relator, e mais uma vez participou disciplinarmente do vogal conselheiro, invocando a morosidade com que o processo estava a ser tratado..Vítor Almeida Serra, que à data dos acontecimentos, lembrou, ao jornal Público, que à data da sua tomada de posse lhe foram entregues 200 processos, alguns em risco de prescrever, e que ainda tinha processos de 2012, portanto anteriores aos de João Araújo, interpôs recurso ao Conselho Superior do despacho que o destituía de relator deste processo, questionando a legitimidade do presidente do Conselho Deontológico para o fazer, logo a legalidade da destituição, assim como as razões por detrás deste despacho.."Existem no CDL muitos processos que estão há anos sem ser tramitados, facto que não incomoda o senhor presidente do CDL, pelo que desde logo surge a seguinte interrogação: o que faz neste caso correr o senhor presidente?", lê-se a páginas tantas do recurso, a que o DN teve acesso, e que Paulo Graça não fez, como deveria, chegar ao Conselho Superior, porque, diz, "os recursos interpostos de despachos ou acórdãos interlocutórios sobem com o da decisão final, ou seja, quando e se houver recurso da decisão final, o recurso em apreço subirá ao CS". Seria o caso deste recurso, uma vez que a destituição era uma decisão final.."Tendo recebido a 17 de janeiro de 2017, data da minha tomada de posse, 4133 processos disciplinares, em 4 de outubro de 2019, estavam pendentes apenas 2278. A média de queixas contra advogados entradas no CDL era de oito por dia, ou seja, de cerca de 2000 por ano. Significa isto que, com a gestão que levei a cabo, a diminuição não foi apenas de 1800 processos, pois há que contabilizar as 6000 queixas que, entretanto, deram entrada. É este o trabalho que se pretende denegrir", faz questão de dizer Paulo Graça, quando contactado pelo DN para comentar as acusações de que é alvo.